Por: Jonas | 12 Junho 2013
Na opinião do sociólogo e cientista político Atilio A. Boron, Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia, ao se aproximar da OTAN, põe em xeque os processos de paz na América Latina e, mais do que isso, “coloca em contradição o curso das conversações de paz com as FARC, em Havana, dando um duro golpe às expectativas dos colombianos, que há décadas querem colocar fim ao conflito armado”. Seu artigo é publicado no jornal Página/12, 09-06-2013. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
O anúncio do presidente Juan Manuel Santos, de que “durante este mês de junho assinará um acordo de cooperação com a Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN), para mostrar sua disposição de ingressar nela”, causou uma previsível comoção na América Latina. Justificou a novidade dizendo que a Colômbia tem direito a “pensar grande”, dizendo que “se alcançamos essa paz” – referindo-se às conversas em curso com as FARC, em Cuba, com o aval deste país, Noruega e Venezuela –, “nosso exército também estará na melhor posição para poder se diferenciar em nível internacional”. Para isso, nada melhor do que se associar à OTAN, uma organização sobre a qual pesam inumeráveis crimes, de todo o tipo, praticados na própria Europa (bombardeio à ex-Iugoslávia), no Iraque, Líbia e agora na Síria, por sua colaboração com os terroristas que tomaram esse país por assalto.
Até agora, a Argentina havia sido a única “aliada extra-OTAN” latino-americana, que obteve esse desonroso status durante os nefastos anos de Menem, depois de participar na Primeira Guerra do Golfo (1991-1992). O status de “aliado exta-OTAN” foi criado, em 1989, pelo Congresso dos Estados Unidos, como um mecanismo para robustecer e legitimar suas incessantes aventuras militares com uma aura de “consenso multilateral”, que na realidade não possuem. Esta incorporação dos aliados extra-regionais da OTAN é filha da transformação das forças armadas dos Estados Unidos, a partir de um exército preparado para travar guerras em territórios demarcados para uma legião imperial que, com suas bases militares de diferente tipo (mais de mil em todo o planeta), suas forças regulares, suas unidades de “implantação rápida” e o crescente exército de “contratados” (vulgo mercenários), necessita estar preparado para intervir em pouco tempo, para defender os interesses estadunidenses em qualquer ponto candente do planeta. Com sua decisão, Santos coloca-se a serviço de tão funesto projeto.
Diferentemente da Argentina (que, em 2012, felizmente perdeu o status de “aliada extra-OTAN”), o caso colombiano é muito especial, pois, há décadas, recebe um muito importante apoio econômico e militar dos Estados Unidos, de longe o maior dos países da área. Quando Santos declara sua vocação de se projetar sobre o “mundo inteiro”, isto significa que sua vontade é a de se tornar cúmplice de Washington, para mobilizar suas bem equipadas forças para além do território colombiano e para intervir nos países que o império procura desestabilizar. E não é segredo para ninguém que a primeira nesta lista é a Venezuela. A pretensão da direita colombiana foi se converter, especialmente a partir da presidência do narcopolítico Alvaro Uribe Vélez, na “Israel da América Latina”, erigindo-se, com o respaldo da OTAN, no agente regional da área para agredir vizinhos que tenham a ousadia de se opor aos desígnios imperiais. É claro que diante da rejeição que aquelas declarações suscitaram, Santos precisou ordenar que seu ministro de Defesa, Juan Carlos Pinzón, esclarecesse que o que se pretendia com a OTAN era “um acordo de cooperação para três assuntos específicos: direitos humanos, justiça militar e educação às tropas”. Pobre Colômbia! Recorre a uma organização criminal como a OTAN para ser instruída nessas matérias.
Com sua decisão, irresponsavelmente, Santos também coloca em contradição o curso das conversações de paz com as FARC, em Havana, dando um duro golpe às expectativas dos colombianos, que há décadas querem colocar fim ao conflito armado. Como os guerrilheiros colombianos poderiam confiar num governo que não para de acentuar sua vocação intervencionista e militarista, agora potencializada por sua pretensa aliança com uma organização com tonalidades tão criminosas como a OTAN? Por outro lado, esta decisão não pode senão fragilizar os processos de integração e unificação supranacional, em curso na América Latina e Caribe. O que a Unasul fará agora e como poderá atuar o Conselho de Defesa Sul-Americano, cujo mandato é consolidar a nossa região como uma região de paz, livre da presença de armas nucleares ou de destruição massiva, e para o qual se requer construir uma política de defesa comum, fortalecendo a cooperação regional nesse campo? O presidente Evo Morales solicitou uma reunião de urgência da Unasul para tratar o tema, mas sem o decidido apoio da Argentina e do Brasil tal coisa dificilmente poderá prosperar.
É indiscutível que por trás desta decisão, do presidente colombiano, está a mão de Washington, que converteu a OTAN num dispositivo bélico de alcance mundial, ultrapassando com acréscimos o perímetro do Atlântico Norte. Não menos evidente foi a diretiva de Obama, no sentido de impulsionar, pouco depois de lançada a Aliança do Pacífico – uma tentativa de ressuscitar a ALCA com outro nome -, a provocadora reunião de Santos com o líder golpista venezuelano Henrique Capriles. Semelhante manobra é percebida agora, dadas as graves implicações geopolíticas que tem essa iniciativa ao se esticar a corda das relações colombo-venezuelanas; ameaçar seus vizinhos e precipitar o aumento do gasto militar na região; fragilizar a Unasul e a Celac; alinhar-se com a Grã-Bretanha na disputa com a Argentina pelas Malvinas, dado que essa é a postura oficial da OTAN. E quem menciona esta organização não pode deixar de recordar que, como é de acordo entre todos os especialistas, o nervo e músculo da OTAN são fornecidos pelos Estados Unidos e não pelos outros Estados que são membros, reduzidos ao triste papel de simples peões do mandachuva imperial. Em resumo: um novo aperto de porca da contraofensiva imperialista, que somente poderá ser rebatida, caso sejam combinadas a massiva mobilização dos povos e a enérgica resposta dos governos genuinamente democráticos da região, algo apenas insinuado nestas horas. Essa será uma das provas de fogo que uns e outros deverão enfrentar nas próximas semanas.
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Os riscos da aproximação entre Colômbia e OTAN. Artigo de Atilio Boron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU