29 Mai 2013
Nem toda a Igreja caminha nos passos do Papa Francisco. E no seu continente latino a Idade Média não se rende. O alerta dos bispos venezuelanos na revista La Iglesia Ahora dramatiza a necessidade de encontrar "vinho de boa qualidade, indispensável para o rito da Eucaristia". Branco ou tinto não importa, contanto que seja "produto natural da videira", não gaseificado ou misturado com substâncias estranhas como açúcar e frutas.
A reportagem é de Maurizio Chierici, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 28-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A urgência vem da decadência da indústria autorizada a produzir um vinho com pureza "indispensável" para a liturgia da missa. Ameaça de fornecimento irregular; fiéis preocupados por perder as celebrações que confirmam a esperança. E o bispo que preside a Conferência Episcopal apela aos católicos chilenos, argentinos, enfim, às dioceses dos apreciados mostos: ajudem-nos a resistir à calamidade que abala o nosso país. Os vinhos franceses e italianos são muito caros: os cofres estão vazios.
Não é um apelo isolado. Todas as manhãs, a calamidade atravessa o mundo com a mesma angústia. A Unicef anunciou que, na Somália, 258 mil crianças morreram de fome. E 24 mil morrem por dia na Ásia por causa dos tecidos de alta costura e nas Áfricas, e no Oriente Próximo por causa do petróleo. Para a FAO, 2,5 milhões de famintos sonham com a Europa das boas refeições todos os dias espiadas pela TV.
Há dez anos, na periferia de Alma Ata, antiga capital do Cazaquistão, eu encontrei um sacerdote. Evangelho em alemão, orações alemãs pelos "alemães do padre", agricultores refugiados na Rússia dos czares por causa das guerras da Europa do fim do século XIX. Stalin os arrasta para a Sibéria assim que Hitler marcha sobre Moscou. O sacerdote conta como sobreviveu nos gulag de Akmola (hoje Astana, a nova capital). Missas clandestinas, migalhas de pão preto e água no sacrifício do altar improvisado.
Pergunto ao Pe. Paolo Farinella, sacerdote que, em Gênova, recolhe a herança espiritual do Pe. Gallo, se a Eucaristia do prisioneiro respeitava o ensinamento do Evangelho. "A tradição da Igreja contempla dois elementos: a forma e a matéria. Água, matéria do batismo. Óleo, matéria do crisma e da unção dos enfermos. Matéria do matrimônio, os esposos. O vinho para a Eucaristia. Vinho porque o Monte Sinai de Moisés foi considerado pela tradição a cantina onde se conserva o vinho da Torá. Vinho sobre a mesa em torno da qual as comunidades se reúnem. Vinho na interpretação dos símbolos locais: era a Palestina das vindimas. Mas se Cristo tivesse nascido no Polo Norte ele teria substituído o vinho pelo leite das renas. Para o Concílio Vaticano II, o Evangelho não se identifica com uma cultura específica, mas tem o dever de se encarnar nas culturas que receberam a Palavra. E se o Messias desembarcasse na Venezuela sem vinho, ao pão da Eucaristia ele misturaria sucos de frutas".
Então, por que o apelo desesperado? Por coincidência, Dom Freddy Jesús Fuenmayor Suárez é bispo no Estado de Miranda, cujo governador é Capriles, derrotado pelos herdeiros de Chávez nas eleições contestadas. Mais uma vez, a Igreja de base e a Igreja da hierarquia se dividem nas escolhas políticas. Os padres dos bairros abençoam o vinho turvo dos supermercados; os monsenhores, não.
Em 2002, golpe de Estado contra Chávez, o núncio André Dupuy apareceu na TV, juntamente com a junta provisoriamente no poder, enquanto missionários e irmãs animavam os protestos das praças contra "os usurpadores". Dois modos diferentes de rezar e de se comunicar.
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E se o vinho não for bom, pode-se celebrar a missa? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU