Por: Jonas | 18 Mai 2013
Mudança de estilo, sem mudança de rumo. Na segunda coletiva de imprensa de seu mandato, o presidente francês, encurralado pela crise, descontentamento massivo da população, aumento do desemprego e pela hostilidade da esquerda, entrou em cena num desses tradicionais ritos políticos dos quais a França tem o segredo: falar é como uma promessa de mudanças. No entanto, o chefe de Estado confirmou a política centrista aplicada desde que chegou ao poder, há um ano, e seu eixo motor: redução do déficit. Quando lhe perguntaram o que era, o presidente respondeu: “Sou socialista”.
A reportagem é de Eduardo Febbro, publicada no jornal Página/12, 17-05-2013. A tradução é do Cepat.
Antes e depois, desdobrou um conjunto de argumentos precisos, de uma clareza sem voltas, sobre o que é e o que será sua política. Tudo se resume numa apresentação de 2h45min, diante de 400 jornalistas, da qual não se desprende nenhum anúncio maior, nem tampouco pistas sobre as difíceis decisões que precisará tomar: a reforma do sistema de aposentadorias, a redução suplementar do déficit público ou a reforma do mercado de trabalho. Apenas algumas frases deixam entrever novos sacrifícios e cortes, sobretudo nas aposentadorias: “Se nós vivemos mais tempo, o lógico é que trabalhemos mais”, disse o presidente.
Quem esperava um “recurso para o futuro” (como o jornal Liberátion) ou um projeto novo para sair do presente, ficou sem programa. Não haverá transformações profundas na linha adotada até agora, menos ainda uma virada à esquerda. Afável, com uma dose de humor delicado e eloquente, o presidente defendeu sua ação e adiantou uma série de ideias e propostas para a França e a Europa. O chefe de Estado apresentou uma ofensiva para tirar a Europa de sua “apatia”, ao mesmo tempo em que propôs a Alemanha um acordo para avançar na união econômica e política. Também apresentou a ideia de um governo econômico, na zona do euro, encarregado de harmonizar a tributação, a convergência social e um dispositivo de luta contra a fraude fiscal. “Se a Europa não avançar, desaparecerá do mapa do mundo e do imaginário coletivo. Não se trata de seremos conservadores ou progressistas, mas de superar os egoísmos nacionais e de salvar o projeto. Chegou a hora de dar um novo impulso para a Europa, e meu dever é liderar esse desafio”, disse o presidente francês. Disse, é claro, mas, na realidade, não explicou como, já que, globalmente, o que esboçou é a continuação do caminho pela mesma rota de centro, liberal, na qual, em 2012, iniciou seu mandato.
Neste contexto, o presidente também evitou provocar novos atritos com a Alemanha. Algumas semanas depois que um documento do Partido Socialista francês evocou a “intransigência egoísta de Angela Merkel”, Hollande reconheceu que Merkel e ele não possuem “as mesmas ideias, mas temos as mesmas responsabilidades”. Assim, Hollande recusou “enfrentar” a direita europeia e, em especial, a alemã, como haviam sugerido os socialistas, no polêmico documento que circulou há alguns dias.
Com a bíblia do realismo orçamentário em uma mão e a pedagogia para vendê-la na outra, François Hollande se comprometeu mais uma vez em baixar o desemprego, antes do final do ano, e anunciou um plano de investimentos destinado a fomentar o mercado de trabalho em setores como o digital, de energia, de saúde e em infraestruturas de transporte. O dirigente socialista admitiu, firmemente, que “em longo prazo, a batalha não poderá ser vencida se o crescimento não voltar”.
Nesse momento, essa perspectiva é impossível. No início do ano, a França entrou numa fase recessiva. O Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (Insee) apontou que o PIB do país retrocedeu em 0,2% no quarto trimestre de 2012, e que a atividade voltou a cair, ao mesmo nível, no curso do primeiro trimestre de 2013. As luzes vermelhas se acenderam em todos os setores da economia. Desta forma, o presidente francês tem dois horizontes recessivos: o de seu país e o de sua popularidade, a mais baixa (25%) que um presidente da Quinta República já conheceu. Este último detalhe não o preocupa. “Não busco ser popular, mas tomar as boas decisões”, disse, e reiterou seu credo inicial: “Peço que me julguem pelos resultados”. François Hollande aposta, em longo prazo, no resultado que terá o arrocho orçamentário e nos efeitos benéficos que a manutenção do custo da dívida em níveis baixos acarretará.
Menos técnico que em outras vezes, Hollande reapareceu com a convicção que mostrou durante a campanha eleitoral de 2012. Pela primeira vez, desde que assumiu a presidência, em maio do ano passado, o chefe de Estado pareceu encarnar um projeto, com uma perspectiva, por sua vez, nacional e europeia. Inclusive, se na substância não há ingredientes novos, nem grandes rupturas à vista, a forma de se comunicar deu ao seu discurso um caráter mais convincente. O segundo ano, François Hollande começa com a mesma política que o primeiro, mas com outra argúcia para comunicá-la. Não obstante, as linhas traçadas não se modificarão: disciplina orçamentária e zero esforço do Estado a favor do poder aquisitivo. Em suma, a completa ortodoxia da União Europeia, embrulhada como um caramelo de luxo, num papel delicado e decorado. O presidente francês admitiu que lhe coube “ser presidente no pior momento” e, a propósito, apresentou um novo rosto da esquerda. Resumindo sua política, Hollande disse que a esquerda, antes, “gastava” e perdia as eleições: “Agora vamos economizar e vamos permanecer”.
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França. Sem grandes mudanças apesar da crise - Instituto Humanitas Unisinos - IHU