23 Abril 2013
“Uma Igreja que não sai, mais cedo ou mais tarde adoece na atmosfera viciada de seu confinamento”, escreveu o Papa Francisco em uma carta publicada na quinta-feira aos bispos argentinos. Essa é uma mensagem semelhante àquela enviada pelo Papa aos cardinais antes do conclave, impressionando-os de tal maneira que elegeram-no bispo de Roma.
O editorial é do jornal National Catholic Reporter, 19-04-2013. A tradução é de Ana Carolina Azevedo.
Em sua nova nota, o Papa explicou que, no processo de “sair”, a Igreja sempre corre o risco de “acidentar-se” pelo caminho, e adiciona: “quero lhes dizer francamente que prefiro mil vezes uma Igreja acidentada a uma Igreja enferma”.
Uma Igreja acidentada... uma Igreja que esteja pronta para arriscar-se... uma Igreja dedicada a servir os mais necessitados... uma Igreja que trabalha em prol da misericórdia, paz e justiça...
Essas palavras lembram muito a Igreja que as irmãs católicas norte-americanas construíram nas últimas décadas. Não apenas as religiosas norte-americanas, mas as religiosas de todo o mundo estiveram trabalhando nisso. São as mulheres aquelas que viveram mais próximas dos marginalizados; são as mulheres aquelas que trabalharam nas periferias; são as mulheres aquelas que fizeram, precisamente, o que Francisco encoraja que outros façam.
E o que as religiosas receberam em troca?
Foram aplaudidas pelas outras pessoas?
Foram aclamadas pela liderança de sua Igreja?
Não. Exceto os elogios eventuais feitos ao oposto, essas mulheres de fé foram, mais do que frequentemente, humilhadas e desrespeitadas com acusações de suposta infidelidade. O elemento mais irônico dessa história triste é que as acusações surgiram da classe dos mesmos homens que inflingiram grandes danos à Igreja por seu comportamento recorrente relacionados à omissão de abusos sexuais.
Os cristãos acostumaram-se com a expectativa de serem perseguidos. Defender os pobres, os marginalizados, os gays e as lésbicas, os sem seguro e as jovens grávidas não é algo comum para um cristão. Mas as religiosas têm trabalhado sem parar para ajudar e representar essas pessoas que não podem falar por si.
Ao passo que a perseguição vem com o território daqueles que vivem e trabalham na Igreja “acidentada”, não esperamos que ataques como esse venha de nosso próprio clero. No entanto, eles vêm, e com mais frequência do que o esperado.
Alguns bispos revelaram uma ignorância incrível, escodendo-se por trás de acusações altamente exageradas de infidelidade. Nesse processo, abusaram de sua autoridade. Foi o caminho mais fácil.
Católicos versados compreendem que a tomada da LCWR (“Conferência de Liderança das Religiosas”) pela Congregação para a Doutrina da Fé, resultado de uma prolongada “avaliação doutrinal”, está muito menos relacionado com pontos de vista internos do que com obediência aos bispos.
Entre as pessoas que melhor entendem disso, estão nossas mulheres religiosas. Todos já vimos vários de nossos prelados sentirem-se desconfortáveis na presença de mulheres. O resultado é tomarem distância delas, o que, com o tempo, causa mais medo e quase assegura os mal-entendidos. Apenas discussões contínuas e abertas — em pé de igualde — podem abrir um novo caminho que possibilite a saúde da Igreja.
Precisamos de conversas em que homens e mulheres católicos — religiosos, clérigos e leigos — possam falar livremente, em um espírito de apoio mútuo, sobre sua fé e sua vida na Igreja.
Esta seria uma experiência curativa que deve acontecer nas dioceses de todo o país. Este precisa ser um passo a ser dado.
Nossas mulheres são as mais entendidas sobre Teologia na história da Igreja. As diferenças entre o seu pensamento e o dos bispos tem menos relação com a fé e a doutrina do que com a estrutura da Igreja e as aplicações dos ensinamentos e a missão da Igreja. Há muito em comum entre ambos.
O primeiro passo, no entanto, é reconhecer que as mulheres trazem conhecimentos necessários para restaurar a saúde da Igreja “adoecida” de que Francisco fala. Sem a participação das mulheres como iguais nas discussões, há pouca esperança de retomar essa saúde.
Além disso, o problema entre o Vaticano e a LCWR é, na verdade, se o sistema de tomada de decisões por parte do clero, atualmente masculino, é capaz de manter a vida da Igreja no século XXI. Números extensos de opiniões contrárias sugerem que não.
O caminho atual do Vaticano, que exclui as religiosas de qualquer pretensão de auto-determinação, aparentemente num espírito de cooperação episcopal mútua, ameaça a vida longa da Igreja. Além disso, é uma agressão a todas as mulheres e, portanto, uma agressão a todos os católicos.
Essa rixa muito visível entre o Vaticano e as irmãs católicas implora pela pergunta: poderia a nossa Igreja sustentar as mulheres educadas em Teologia em seus títulos? Ou, para falar de maneira mais abrangente, poderia a nossa Igreja atrair mulheres dedicadas de qualquer estirpe? Estamos perdendo essas mulheres mais rapidamente do que se pode imaginar. Pergunte a qualquer pai ou mãe que tenha uma filha adulta.
A avaliação doutrinal feita sobre a LCWR pela congregação do Vaticano, aparentemente sustentada por Francisco, é, portanto, um choque para todos que querem restaurar a comunidade e a saúde da Igreja.
Se o Vaticano insiste em levar em frente seu domínio sobre a LCWR, o grupo não terá opção alguma senão terminar sua relação canônica com a Igreja institucional. Isso acontece porque, em agosto de 2012, o corpo de integrantes da LCWR votou quase que unanimemente para manter o diálogo com os bispos enquanto este não comprometer a integridade da LCWR.
O que está em conflito, numa análise final, não é a obediência, e sim a dignidade de cada pessoa e os direitos de cada pessoa perante a Igreja, desde o seu batismo, seja essa pessoa do sexo masculino ou feminino.
Estamos nos aproximando perigosamente de um ponto de ruptura. Alguns, é claro, aproveitarão esse rompimento. No entanto, sua satisfação será curta, pois esse rompimento nos enviará o sinal, que ecoará através da história, de que o grupo de religiosas norte-americanas mais importante concluiu que, para manter-se fiel à consciência e fidel aos valores dos evangelhos, uma separação foi necessária. Será um choque imenso para todos os católicos.
A LCWR, canonicamente ou não, em realidade ou em espírito, continuará servindo os seres humanos mais necessitados de nossas comunidades através de suas mulheres religiosas.
Nossas religiosas continuarão católicas, mesmo com os esforços de alguns para difamá-las. De fato, elas concluirão que a dedicação da Igreja à missão requisitou essa separação.
Objeções e respostas se sucederão, mas uma análise honesta demonstrará que as mulheres agiram apenas pela procura profunda da alma em um espírito de comunidade, dedicação e amor.
Essa análise também demonstrará que a última gota não foi doutrinal. Ao invés disso, teve relação, enfim, com a fieldade aos próprios ideais do evangelho, que Francisco prega todos os dias.
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Vaticano e as religiosas americanas se aproximam de encruzilhada crítica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU