31 Março 2013
As poucas noções que eu sei sobre a mística, eu as aprendi do padre Pozzi, que eu encontrei em Lugano há alguns anos e que me explicou em que consistia a liberdade de certos santos. E também as obtive das poucas vezes que vi Raimon Panikkar que, se quisesse, teria trazido mais pessoas para as ruas do que Beppe Grillo. Era comovente ouvi-lo falar.
A reportagem é de Antonio Gnoli, publicada no jornal La Repubblica, 30-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
E eu me perguntava se as palavras que eles pronunciavam os obrigava a uma coerência, a uma práxis, a um comportamento alinhado com as suas reflexões. Pode-se estudar a mística sem, de algum modo, ser envolvido, tocado, iniciado nela? Simone Weil foi a testemunha de que a mística não é conhecimento, mas sim sabedoria, e que tudo o que se pensa sobre ela é como se você a pensasse sobre você. É uma palavra que se faz carne.
Há alguns anos eu acompanho o trabalho de Marco Vannini. Seus estudos estão inteiramente dedicados à mística: à sua história, às diferenças que intervieram no seu seio, aos mal-entendidos que a marcaram. No ano passado, foram publicados pela editora Bompiani os Commenti all’Antico Testamento, do Mestre Eckhart, que Vannini editou com admirável competência, enquanto é destes dias o Lessico mistico (Ed. Le Lettere), um belo, claro e convincente reconhecimento das palavras que nos são úteis para nos aproximarmos desse objeto misterioso que, às vezes, identificamos com a religião.
Eis a entrevista.
Pode-se compreender a mística sem se envolver nela?
O que eu chamo de mística não é como escolher um setor de pesquisa intelectual, mas sim o terreno para buscar a resposta à pergunta: como conhecer a alma e Deus. Eu não acredito, portanto, que se possa ser "estudioso de mística" sem uma profunda exigência religiosa. Às vezes, são necessários anos, às vezes apenas um instante, para obter aquela renúncia evangélica a si mesmo, sem a qual as páginas dos grandes místicos permanecem como um livro fechado.
A propósito dos grandes místicos, na sua formação, o Mestre Eckhart é central. É notável que, no seu pensamento, alguns grandes filósofos interessaram mais do que os teólogos.
Foi Hegel que viu no pensamento desse mestre medieval o seu próprio pensamento. Não entendemos nada da sua dialética sem a reflexão desse grande místico. Por outro lado, Heidegger confessou no fim da sua vida que o pensamento de Eckhart o havia ocupado por um longo tempo. Se tomarmos a filosofia no seu sentido forte, original, grego – que não é o de uma profissão intelectual, mas sim de uma escolha de vida –, então é possível aproximá-la da mística.
Em quem o senhor pensa?
Acima de tudo em Platão e no platonismo que representam o "lugar místico" por excelência. Mas, além disso, em todo verdadeiro filósofo se descobre a referência àquela dimensão das profundezas da alma em que o místico habita. E penso em Wittgenstein, a quem dediquei a minha tese. A mística é o terreno da reserva, do silêncio, e não tem nada em comum com aquele falar em vão que é a teologia. Infelizmente, a mística no Ocidente foi mantida sob o controle principalmente da instituição eclesiástica. O místico que se volta para o absoluto, sem mediação alguma, muitas vezes foi objeto de censura e de condenação por parte da Igreja.
A mística no Ocidente foi principalmente um assunto interno ao debate teológico, enquanto no Oriente ela visou ao refinamento das técnicas do pensamento. Essa distinção o convence?
O Oriente, ou seja, essencialmente a Índia, sem o controle dogmático, desenvolveu uma pesquisa mais livre em certos aspectos. Mas a utilização de uma série de técnicas para a meditação representou um limite.
Em que sentido?
Onde há um primado da técnica, há um propósito, um "porquê", e onde há um porquê a liberdade da inteligência é finita. De fato, uma figura essencial do místico é ser "sem porquê", como Deus, e como a "rosa" dos célebres versos de Silesius, sobre o qual Heidegger também refletiu. Daí, também, a desilusão que muitas vezes experimentam aqueles ocidentais que, não encontrando no cristianismo a satisfação das suas exigências de verdade e de profundidade, se voltaram ao Oriente. Na realidade, o Ocidente conserva tesouros de inteligência espiritual, só que muitas vezes foram cobertos pela incompreensão e pelo dogmatismo do poder.
Duas figuras do século XX como Simone Weil e Etty Hillesum reagiram contra essa incompreensão. Por que nelas foi fundamental a relação com o místico?
Pela exigência de verdade que as animou e pela honestidade da sua busca, que foi acima de tudo honestidade de vida. O seu ser mulher as ajudou, e, não por acaso, a história da mística está pontilhada por figuras extraordinárias de mulheres, a partir do momento que amor, abnegação, desapego são (ao menos assim se dizia) características tipicamente femininas.
O que essas três palavras têm a mais?
Todas as três estão contidas nos textos que podemos tomar como fundamento: o Banquete, de Platão, e o Evangelho – expressão máxima do gênio grego, escreveu Weil – expressam com nuances diversas a mesma realidade. Eu acrescentaria uma quarta palavra que é a bem-aventurança. Porque o êxito da vida mística não é nem o prazer, nem a felicidade, que dependem das circunstâncias, mas justamente a bem-aventurança.
Não é uma meta para poucos?
Para todos aqueles que sabem enfrentar o caminho. Um caminho rumo às bem-aventuranças evangélicas, mas também para aquela bem-aventurança com a qual, juntamente com a salvação, Spinoza conclui a sua Ética.
Palavras como "bem-aventurança", "salvação" não prometem a realização do irrealizável?
Se tivermos em mente o vínculo indissolúvel entre bem-aventurança e salvação, parece-nos enganosa toda utilização do termo mística fora do seu próprio campo, que é o espiritual. A política e até o muno da web hoje foram, em certos casos, atravessados pela mística. Mas eu diria que se mantenha o significado das palavras no âmbito que lhes é rigorosamente próprio, para evitar a confusão da linguagem, que depois é a confusão do pensamento.
Vivemos uma crise material e espiritual sem precedentes. As pessoas pedem justiça e não só direito. A mística está bem ciente da distinção. Mas a justiça que a mística invoca não corre o risco de ser a irrealizável utopia do coração? Em outras palavras, o senhor não considera que o limite da mística é de estar fora da história?
Foi Simone Weil que nos lembrou que justiça e direito não são parentes próximos, já que o direito se fundamenta na força. E, quanto ao praticar a justiça, eu não acredito que seja uma utopia, mas, como ensina Eckhart, um modo de estar na verdade. Sem pretender, de fato, instaurar reinos de Deus nesta terra, o místico, portanto, está no mundo e atua nele.
O senhor admitiria que há exemplos na história de personagens que, em nome da pureza e da verdade da justiça, cometeram horrores e crimes. O senhor não vê esse risco?
Eu seria um tolo se não o visse. Mas, justamente, "ser a justiça" não significa arrogar-se um papel arbitrário de legislador, nem falar em nome de um suposto Deus qualquer. Ao contrário, significa despojar-se do próprio egoísmo. A justiça ligada ao próprio Eu desencadeia as piores paranoias e cria os monstros teológicos que a história conheceu: Hitler, Stalin, Mao, Pol Pot.
É muito difícil despojar-se do próprio Eu. E, quando isso ocorresse, não se estaria automaticamente fora da história?
Certamente é difícil se libertar dele. Mas não é nada impossível. Além disso, isso também já ocorreu na história. Francisco de Assis, para dar um exemplo que voltou à nossa atenção, não esteve na história? Não continua estando? Os grandes místicos foram também homens e mulheres de ação. Onde você busca Etty Hillesum senão na tragédia histórica de Auschwitz? A contemplação não nega a ação. E o verdadeiro místico é aquele que arrisca mais do que todos.
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O silêncio da alma: por que o Ocidente esqueceu os seus místicos. Entrevista com Marco Vannini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU