15 Março 2013
Arcebispo emérito de São Paulo, D. Cláudio Hummes, afirma que novo Pontífice abre portas para decisões colegiadas, além de renovar o caráter evangelizador, solidário aos pobres e de grande simplicidade da Igreja.
A entrevista é de Deborah Berlinck e publicada pelo jornal O Globo, 16-03-2013.
Eis a entrevista.
Qual foi sua reação diante da eleição de Jorge Mario Bergoglio?
Foi extraordinário, porque envolve coisas de Deus, nossas histórias e realidades. O conclave teve um grande êxito. Abriu portas para um tempo novo para a Igreja, que vai se refletir positivamente na sociedade, na medida em que a Igreja consegue viver o que prega e professa. A Igreja precisa de renovação, de reformas urgentes, sobretudo a Cúria, mas também a nossa pastoral, nossa evangelização, nosso modo de ser, a Igreja no Mundo. (Precisamos) de uma Igreja de diálogo, aberta, temos que ser uma Igreja da misericórdia, dos pobres, com os pobres. Creio que muitas portas novas foram abertas com estes acontecimentos, tanto a renúncia do Papa Bento XVI como a escolha do Papa Francisco.
Vimos gestos do novo Papa, como recusar uma limusine, curvar-se diante da multidão. A mudança é de linguagem ou mais profunda?
É mais profunda. Sempre disse que esse jesuíta virou Francisco nas periferias de Buenos Aires. Ele é um homem que, de fato, vive nas periferias, com os pobres, ama profundamente e defende o povo pobre contra o poder, todas as manipulações e injustiças. Foi aí que nasceu o Francisco neste jesuíta. Ele certamente vai conduzir a Igreja para uma maior simplicidade, maior pobreza vivida no sentido positivo da palavra, mais despojada e muito mais evangelizadora, de ir ao encontro das pessoas e das periferias.
O senhor o conhece há muitos anos. Ele já o impressionava?
Ele é um homem que diz: “olha, essa pessoa está sofrendo”. Ele vai lá, com muito jeito, faz uma companhia. Como novo Papa, antes de receber a todos nós, que estávamos em fila para cumprimentá-lo, ele foi lá no fundo da sala da Capela Sistina onde estava sentado o cardeal Ivan Dias (indiano, de origem portuguesa), doente, que não pode caminhar, sentado numa cadeira. Ele não cumprimentou ninguém antes: foi lá e ficou uns momentos com ele. Foi seu primeiro gesto.
O jornal “Il Messaggero” disse que o senhor foi fundamental na eleição do Papa. Verdade?
Tudo isso aconteceu dentro do conclave. Eu esqueci tudo, não lembro mais (risos).
O Papa Francisco assume uma Igreja com desafios, problemas e escândalos como o Vatileaks, de roubo de documentos secretos. Como o senhor vê a tarefa do novo Papa?
Vai ser uma tarefa muito grande e difícil, porque terá que ser feita com muito discernimento e com muita determinação. A reforma da Cúria está sendo pedida por todos, praticamente.
A Cúria precisa de uma limpeza?
Exatamente. Precisa de uma reforma estrutural. Então, começa-se a escolher o pessoal adaptado para as orientações de uma Igreja que o Papa deseja, que seja uma Igreja missionária, mais do diálogo, e que caminhe no lugar de ficar segurando a caminhada, freando. Precisamos de uma Igreja que caminhe, e deixe caminhar. Uma Cúria deverá ser um serviço para isso, não pode ser uma cúria que não entenda isso ou que, até, de alguma forma, se torne um obstáculo.
Foi isso que aconteceu com o Papa Bento XVI?
Isso tudo foi acontecendo e crescendo através dos tempos. Mas chega um momento em que se diz: não, não dá mais. Não se pode mais continuar assim. Não tem mais condições. Temos que reformar.
E o cardeal dom Odilo Scherer? O Brasil sonhou com a possibilidade de um Papa brasileiro.
Quando me perguntavam eu dizia: estas candidaturas saem muito da imprensa, que vai lançando e tem lá os seus critérios e, sem, digo, um certo fundamento na realidade. Claro que o Brasil ficaria muito feliz com um Papa brasileiro, assim como a África ficaria feliz com um Papa africano, e o mesmo vale para a Ásia, a Europa. Agora, são elementos que não têm o peso que se dá, quando se diz: agora é a vez do Brasil…
Houve racha entre cardeais brasileiros?
Não sei onde encontraram todas estas informações. O mundo da mídia tem muito isso, ela enfeita. Nunca houve racha.
O senhor espera uma revolução na Igreja?
Eu espero muitas reformas. Claro, seja sempre a mesma fé, a mesma Igreja e o Evangelho será sempre o mesmo. Mas haverá coisas novas e reformas.
Surpresas?
Creio que sim. Assim como Bento XVI fez certas coisas surpreendentes, como por exemplo, quando renunciou.
Vaticanistas dizem que não se deve esperar uma revolução na doutrina e que vocês todos estão na mesma linha em relação ao papel da mulher na Igreja e do casamento de padres. O senhor concorda?
Acho que o que todos gostariam de poder discutir mais profundamente estes assuntos. Não são assuntos onde já existe uma opinião formada. São assuntos que nos desafiam e temos que ter a coragem de sentar (para debater). E não só nós sozinhos, temos que ouvir todos aqueles que têm a dizer sobre isso, ouvindo o mundo.
Estava faltando esse diálogo?
A Igreja sempre tentou fazer isso, não podemos parar onde estamos. Temos que aumentar o diálogo.
Diálogo com quem?
O diálogo interno e com o mundo, as religiões, as culturas. Ser capaz de sentar junto e ouvir e dizer. E reconhecer as razões que o outro tem. O diálogo é quando você procura entender as razões dele e pensar: será que são válidas ?
O Papa Francisco tem esta visão?
Ele tem. Certamente sim. Disse isso várias vezes : quer uma Igreja que deve caminhar, que escuta e caminha junto.
É possível evoluir sem abrir mão do dogma?
Ah, sim. Isso o Papa Bento XVI disse: que a tradição da Igreja progride. E nós temos que permitir que ela progrida.
Isso quer dizer que é possível vermos um maior papel da mulher na Igreja , a aceitação dos homossexuais?
São questões que estão aí para nos desafiar.
O fato de senhor estar no balcão para a primeira aparição ao lado do Papa, foi uma escolha dele?
Foi uma escolha dele. Quando começou a procissão para irmos ao balcão, ele quis primeiro rezar um pouco na capela ao lado, e chamou o cardeal Agostino Vallini, que é o vigário-geral de Roma. De repente ele me chamou, dizendo: “vem, vem, fica junto comigo”. Fiquei surpreso e feliz. Emocionado. Todo mundo notou porque nunca há cardeais ao lado do Papa neste momento.
Quer dizer que ele já quebrou o cerimonial?
Totalmente.
O senhor falou com ele nestes dias?
Estávamos juntos na Casa Santa Marta (onde os cardeais ficaram hospedados durante o conclave). Jantou, tomou café conosco. Ontem, almocei na mesa com ele. Ele sentou ali, junto conosco, conversando sobre tantos assuntos. Ele ri junto. Ele é um homem muito sereno, com uma naturalidade que realmente encanta.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Reforma da Cúria é pedida por todos’, diz cardeal brasileiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU