14 Março 2013
Humano como Michel Piccoli, tranquilo como um missionário, um contemporâneo entre contemporâneos, Jorge Bergoglio, o papa de Buenos Aires, se assoma a Roma e ao mundo, pedindo que os fiéis o abençoem antes de abençoar, por sua vez, os "homens de boa vontade". E assumindo um nome que, para o universo católico – e muito além – tem o significado de uma relação alegre, simples, intensa com a humanidade, a natureza e a história: Francisco.
A reportagem é de Marco Politi, publicado no jornal Il Fatto Quotidiano, 14-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O novo pontífice, que começa a sua missão com uma "boa noite", não demoniza os "ismos" da modernidade, mas propõe um "caminho de fraternidade, amor e confiança entre nós". Explica que Roma preside "na caridade" todas as Igrejas do mundo católico. E, por duas vezes, destacou do Andar das Bençãos o vínculo entre bispo e povo.
Bastaram apenas quatro votações para levar a Igreja a virar totalmente a página, varrendo da agenda todo apego assustado ao passado. O golpe de cena, que foi encenado nessa quarta-feira à noite, diante de uma multidão envolvida no rito ancestral de um renascimento, constitui um "Não" seco ao retorno de um pontífice italiano, uma saída do horizonte europeu em que Bento XVI havia concentrado as suas preocupações, uma rejeição evidente de homens da Cúria ou ligados aos equilíbrios curiais.
Caíram como pinos de boliche os chamados candidatos fortes, já inseridos em uma concha de poder eclesiástico. Scola, Scherer, Ouellet. A história nos dirá o quanto pesou no referendo anti-Scola a audácia dos defensores (hilariante foi o o telegrama de saudação da Conferência Episcopal Italiana endereçado nessa quarta-feira, por engano, a Angelo Scola, "sucessor de Pedro") e o seu silêncio plurianual sobre a aliança entre Vaticano, CEI e Berlusconi, aliança que se tornou cada vez mais incompreensível para os homens da Igreja no exterior. O quanto a defesa de ofício da Cúria bertoniana afastou as simpatias de Scherer, no dia em que os purpurados perderam a paciência sobre as meias-verdades difundidas sobre o opaco IOR. O quanto a sua pertença à Cúria selecionada por Ratzinger freou os consensos por Ouellet, e a sua participação (junto com Scola) daquele berçário teológico-ideológico formado em torno da revista Communio, predileta e inspirada por Ratzinger e De Lubac para fazer barreira contra os supostos excessos dos reformadores animados pelo Concílio Vaticano II.
Com a eleição de Bergoglio, primeiro papa jesuíta da história, afundam uma doutrina de política vaticana e uma escola teológica.
Essencial – na limpeza de terreno por parte do referendo sobre Scola e no fato de pôr de lado os outros ilustres duelantes – deve ter sido no conclave a rápida convergência que se realizou entre o grupo cardinalício norte-americano liderado pelo arcebispo de Nova York, Dolan, as cabeças pensantes da área francesa capitaneada pelo cardeal de Paris, Vingt-Trois, os silenciosos reformadores inclinados em torno das posições do cardeal Schönborn, a maioria dos indecisos do Terceiro Mundo, muito atentos, no entanto, às palavras do nigeriano Onayekan sobre a "não essencialidade de um banco para a missão do sucessor de Pedro".
Venceu a vontade enorme de ar novo, que pairava ao longo das assembleias plenárias dos cardeais durante as quais emergia como nota constante a exigência de uma "mensagem positiva" a se levar ao mundo e a vontade de instaurar uma relação nova entre Santa Sé e episcopados, abrindo um processo que leve a concretizar aquele princípio de colegialidade sancionado pelo Concílio para enfatizar que a Igreja universal não é guiada por um monarca solitário.
Além disso, o Sínodo dos Bispos de outubro de 2012 já havia assinalado que, por baixo da pele de uma estrutura eclesiástica, formalmente súdita da visão de Bento XVI e de um conformismo geral, estava crescendo o anseio por uma Igreja que recomeçasse a caminhar para a frente. Também através de uma regeneração depois de tantos escândalos sexuais e financeiros. Ouviram-se naquela ocasião vozes novas e indeferíveis para que a Igreja fizesse um "exame de consciência sobre como viver a fé", se dirigisse à cultura contemporânea com um "diálogo sem arrogância e não em termos de agressão ideológica", e tivesse a coragem de investigar sobre "sombras ou fracassos aos quais é preciso pôr fim".
As sementes de então floresceram no dia 13 de março de 2013.
Com a eleição do Papa Francisco, a América Latina irrompe na cúpula da Santa Igreja Romana. Do continente europeu, o bastão passa para o Novo Mundo. Na linha de frente, são projetados os fiéis e as experiências de áreas que reagrupam a metade dos católicos do planeta e que também representam um terço dos católicos dos Estados Unidos. O nome escolhido pelo Papa Bergoglio é um símbolo de uma esperança, profundamente enraizada nas massas deserdadas do Terceiro Mundo.
Vencem com a eleição de Bergoglio os purpurados clarividentes, que no episcopado mundial, mas também nos setores da Cúria que permaneceram fiéis à lição de Paulo VI, lutaram para continuar a estratégia de internacionalização do papado. Depois da Itália, da Europa Oriental e Ocidental, chegou o momento da América Latina, e o papado concretiza assim, ainda mais, a sua dimensão universal na era global.
Deve-se dizer, além disso, que a rapidez e a genialidade da escolha revela que a cúpula da Igreja Católica – aquele "Senado" cardinalício, herdeiro da romanidade – ainda mostra uma capacidade de governo e de "visão" que muitas organizações seculares não têm (começando pela Itália) e foram capazes de reagir à crise violenta da renúncia de Bento XVI com um salto para o futuro. Por sua vez, o Papa Ratzinger, saindo de cena, mostrou ter intuído lucidamente que um abalo muito forte era necessário para salvar a Igreja do pântano em que havia escorregado e que a tempestade do Vatileaks havia tornado muito claro.
É uma lição da história – e um sinal do estado de espírito profundo e escondido do corpo episcopal – o fato de que tenha sido levado ao trono papal o homem que, em 2005, havia canalizado sobre si os 40 votos da minoria reformadora, inspirada no cardeal Martini e contraposta à candidatura de Joseph Ratzinger. A eleição do Papa Francisco coloca entre parênteses a experiência ideológica ratzingeriana, baseada na preservação obsessiva de identidade, tradição e suspeita com relação ao reformismo conciliar.
Bergoglio não é um progressista; ao contrário, nos anos 1970 esteve em conflito com os seus coirmãos mais ligados à teologia da libertação. Mas é um moderado no sentido positivo do termo. Um homem de equilíbrio, sereno, que insiste na palavra "caminho", pronto – parece – para favorecer uma evolução da Igreja. "Estou emocionado. Eu gosto porque é verdadeiro", exclamou um fiel na Praça de São Pedro.
No fim, venceu aquele cardeal que o jornal Fatto havia previsto ou desejado: "Um papa extraeuropeu, fora dos lobbies da Cúria, um homem de centro, razoável e aberto, que não se feche em um monólogo". A partir daí pode-se recomeçar.
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A vitória do novo mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU