07 Março 2013
Como o perdão é mais fácil para quem sabe que é menos favorecido do que aquele que se acha perfeito, a parábola não se termina... ela nos convida a questionarmos, a posicionarmos. Uma coisa é certa: o perdão é um novo nascimento; ele devolve a vida. Ele faz renascer.
A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel comentando as leituras do 4º Domingo de Quaresma. A tradução é de Susana Rocca.
Referências Bíblicas:
1ª leitura: Josué 5,9.10-12
2ª leitura: 2 Co 5,17-21
Evangelho: Lc 15,1-3.11-32
Após a chamada à conversão do domingo passado, eis a chamada à misericórdia e ao perdão: nosso Deus não é um Deus vingador, cruel e castigador; ele é um Deus pai e mãe juntamente, um Deus de Amor que não para perante as nossas infidelidades. Este domingo é o domingo da Alegria que procura o perdão: “Mas, era preciso festejar e nos alegrar, porque esse seu irmão estava morto, e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado” (Lc 15,32). No entanto, o que quer dizer perdoar?
1. O que é o perdão?
Se eu leio bem a parábola do pai e dos dois filhos que só São Lucas relata, esta história traz uma definição extraordinária do perdão e da misericórdia. Do perdão, que não é somente possível, mas que é necessário para viver e para sobreviver. Seria pretensioso dizer que nós não nos reconhecemos nos personagens dos dois filhos da parábola. Às vezes, nós somos um, o caçula que quer a sua liberdade, e para desfrutar plenamente, ele deseja a morte do seu pai; e por vezes, nós somos o outro, o filho mais velho, cujo pai já morreu... Vou me explicar: o filho caçula quer a morte do seu pai porque, na tradição judaica, não dá para exigir a parte da herança antes da morte do pai, e, no trecho da parábola, acontece o contrário: é o filho caçula que morre na sua dignidade de filho: “Já não mereço que me chamem teu filho. Trata-me como um dos teus empregados” (Lc 15,19). Para o filho mais velho, o pai já morreu, porque ele não se considera mais como um filho, mas sim como um servidor, um escravo: “Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua; e nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos” (Lc 15,29).
O perdão vai restaurar a dignidade do filho caçula: “Mas o pai disse aos empregados: ‘Depressa, tragam a melhor túnica para vestir meu filho (vestido de bodas). E coloquem um anel no seu dedo e sandálias nos pés (sinal de dignidade)”. (Lc 15,22). O perdão convida também o filho mais velho a se abrir a sua dignidade de filho: “Então o pai lhe disse: ‘Filho, você está sempre comigo, e tudo o que é meu é seu’” (Lc 15,31). Mas como o perdão é mais fácil para quem sabe que é menos favorecido que para quem se acha perfeito, a parábola não se termina... ela nos convida a questionarmos, a posicionarmos. Uma coisa é certa: o perdão é um novo nascimento; ele devolve a vida. Ele faz renascer.
2. O perdão nos revela Deus
O perdão faz renascer, não somente aquele que o recebe, mas também aquele que o oferece: o caçula volta a ser filho e o pai volta a ser pai. O perdão cura todas as feridas e ele age na medida da toma de consciência da nossa situação de ferida e de morte, e do nosso desejo de voltar para a vida. Aí a parábola é eloquente. Imaginem o filho caçula: ele faz morrer o pai ao reclamar a herança; ele leva uma vida de desordem com garotas (uma chamada de atenção de Lucas sobre a discriminação das mulheres), em terra pagã, em contato com os porcos impuros (o animal mais detestado pelos judeus). Ele fica mesmo prestes a comer o alimento dos porcos (mais baixo que isso, você morre). E aí se dá o “clique”: ele quer voltar, não como um filho, já que ele sabe que morreu como filho, mas como um servidor, ele reconhece que errou. O filho caçula prepara até sua confissão: “Vou me levantar, e vou encontrar meu pai, e dizer a ele: - Pai, pequei contra Deus e contra ti” (Lc 15,18-19). Por outro lado, no perdão, a confissão não é importante. O pai não deixa que ele termine a sua confissão. Ele o corta, pois o perdão já foi concedido, e é o momento da festa.
Para o filho mais velho, o perdão é difícil. A sua concepção de Deus é tão errada quanto a do caçula. Ele vê Deus como um patrão intransigente, e ele se considera a si próprio como um servidor, um escravo e não como um filho. Como ele se acha perfeito, ele não está ciente da sua ferida e da sua morte. Então, ele se recusa a entrar na festa. O pai sai para lhe suplicar... mas, não sabemos como continua. No fundo, os filhos mais velhos são os escribas e fariseus de todos os tempos, que têm uma concepção falsa de Deus, mas que têm certeza de possuir a verdade. São Lucas deixa a porta aberta para uma conversa possível com todos os fariseus e com todos os escribas do nosso mundo. O perdão nos revela um Deus cheio de Amor, de misericórdia, de bondade... um Deus que é, ao mesmo tempo, um pai e uma mãe (cf. a pintura de Rembrandt, do século XVI). Um Deus que não julga, nem condena... um Deus que nos recria sem cessar como seus filhos e filhas.
3. O perdão é ilimitado
O perdão que Cristo nos ensina através desta parábola é ilimitado. Somos nós, hoje, seus discípulos, que temos a responsabilidade de testemunhá-lo. O perdão é muito importante e necessário para conhecer verdadeiramente a Deus. Que ainda hoje são muitas as pessoas que deformam o rosto de Deus porque se recusam a perdoar ou a serem perdoados. A Igreja tem, ainda, um sacramento para mostrar toda a importância e a necessidade do perdão para viver e para dar a vida.
Na segunda leitura de hoje, na 2ª carta aos Coríntios, São Paulo reconhece que ser discípulo de Cristo é fazer parte deste mundo novo, nascido na manhã da Páscoa com Cristo Ressuscitado. Por Cristo, o mundo foi reconciliado com Deus. E a missão primeira de toda a Igreja é de trabalhar nesta reconciliação: reconciliação entre nós e com Deus (2Cor 5,18). Esse ministério da reconciliação não pertence somente aos padres e aos bispos: “Sendo assim exercemos a função de embaixadores em nome de Cristo, e é por meio de nós que o próprio Deus exorta vocês. Em nome de Cristo, suplicamos: reconciliem-se com Deus” (2 Cor 5,20).
Todos os perdões não são somente possíveis e desejáveis, mas são necessários. Pedro pergunta para Jesus: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” (Mt 18,21). Jesus lhe respondeu: “Não lhe digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18,22). Mas atenção! Isso não quer dizer que a justiça não se aplique para que haja reparação; quer dizer simplesmente que o perdão é ilimitado e incondicional. O perdão atua primeiro sobre quem o dá; ele é libertador, e na pessoa que o recebe: ele lhe devolve a vida. Há um ditado que diz: “No caminho da vida, a vingança nos faz encontrar o inimigo e o perdão nos faz ultrapassá-lo”.
Para terminar, eis a reflexão do teólogo francês Gérard Bessière sobre a parábola de hoje: “Não há nem uma mulher na parábola do pai que partilha, do caçula que desperdiça e do filho mais velho endurecido! O pai é viúvo e o filho mais velho solteiro, ou as mulheres estavam reclusas, fora de jogo. Apenas são mencionadas de longe, como uma miragem, aquelas que arrancaram do ninho, muito cedo, o pobre pássaro. Por que essa ausência de mulheres? Será que elas estão verdadeiramente ausentes? Em realidade, a sua sensibilidade e seus gestos estão lá. Quem pode ainda cobrir de beijos um filho crescido, cheio de sujeira? Quem pode pensar, antes de tudo, a propiciar-lhe uma boa aparência e colocar-lhe um anel no dedo? Quem pode ter a ideia louca de fazer uma festa para a pessoa que gastou a metade do patrimônio? São iniciativas de mulheres. Com efeito, o velho patriarca se comporta como uma mulher. Rembrandt, no século XVI, mostrou tudo sobre a sua célebre pintura da Volta do Filho Pródigo. O filho perdido se aconchega na ternura do Pai curvado sobre ele: dir-se-ia que ele quer voltar no sei maternal para renascer novamente. As mãos do Pai, grandes e abertas, se pousam nas suas costas. Mas atenção: aí está a compreensão genial: uma das mãos é uma mão de homem e a outra, uma mão de mulher. A parábola desinstala toda uma religião, toda uma sociedade. Perante o Deus severo e moralizador em quem os adversários de Jesus projetavam a sua dureza de coração, o profeta generoso de Nazaré anunciava um Deus que perdoa, que encoraja, que ama sem retorno. Um Deus que é pai e mãe”.
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