03 Março 2013
O principal desafio da Igreja e do novo papa é como pregar o Evangelho de uma forma que seja compreensível e atrativa para as pessoas do século XXI, especialmente os jovens.
A opinião é do jesuíta norte-americano Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos EUA, de 1998 a 2005, e autor de O Vaticano por dentro (Ed. Edusc, 1998). O artigo foi publicado na revista America, 11-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo ele, "nos últimos dois conclaves, os eleitores votaram no homem mais inteligente da sala. Talvez, desta vez, eles irão votar no homem que irá ouvir todas as outras pessoas inteligentes da Igreja".
Eis o texto.
É preciso lembrar que, antes da morte do Papa João Paulo II, ninguém na mídia previu a eleição do cardeal Ratzinger. Seu nome surgiu proeminentemente apenas depois da morte do Papa João Paulo II. Como resultado, os profetas deveriam ser modestos em suas projeções. É melhor falar das qualidades que poderemos ver no próximo papa; depois, ao menos, alguém terá alguma chance de estar parcialmente certo.
O próximo papa, provavelmente, será um cardeal entre 63 e 73 anos, que fale italiano e inglês, e que reflita as posições do Papa Bento XVI e do Papa João Paulo II (liberais na justiça social e paz; tradicionais no ensino e na prática da Igreja; e ecumênicos, mas convencidos de que a Igreja detém a verdade), mas que tenha uma personalidade muito diferente de ambos.
Antes do conclave de 2005, eu previ que os cardeais escolheriam alguém entre 62 e 72 anos de idade. Eu estava errado. Dos nove papas que reinaram no século XX (começando com o Papa Leão XIII), a idade média no momento da eleição era de 65 anos, com o Papa João XXIII sendo o mais velho com 76 anos, e o Papa João Paulo II sendo o mais jovem com 58 anos. A média de idade do atual grupo de cardeais é de 72 anos. Bento XVI tinha 78 anos quando foi eleito, mais velho do que todos os papas eleitos por cardeais ao longo dos séculos, exceto três deles. É improvável que os cardeais irão escolher outro cardeal velho.
O Papa João Paulo II e Bento XVI mostraram o quanto é importante para o papa ser multilíngue. O italiano é importante porque é a língua do povo de Roma, para quem o papa é bispo diocesano. É também a língua de trabalho da Cúria Romana. O inglês é importante porque é quase a primeira ou a segunda língua de todo mundo. O espanhol é valioso porque é a língua de muitos católicos. As línguas também são importantes porque os cardeais vão querer poder conversar com o papa usando uma linguagem em que eles se sintam confortáveis.
Não há uma grande diferença entre o Papa Bento XVI e o Papa João Paulo II sobre os temas importantes diante da Igreja, embora Bento XVI possa ser um pouco mais conservador do que João Paulo II no diálogo inter-religioso, no ecumenismo e na liturgia, e um pouco menos ativista nas questões de justiça e paz. João Paulo II e Bento XVI nomearam todos os atuais cardeais com menos de 80 anos que irão eleger o sucessor do Papa Bento XVI. Ao nomear os cardeais, o Papa João Paulo II e o Papa Bento XVI fizeram tudo o que qualquer um faria se fosse papa – eles nomearam homens que concordam com eles sobre as grandes questões diante da Igreja. O próximo conclave, como resultado, não vai eleger alguém que irá rejeitar o legado do Papa João Paulo II ou do Papa Bento XVI. Com o próximo papa, veremos mais continuidade do que mudança.
Como resultado, haverá mais continuidade do que mudança na doutrina e na política da Igreja. Isso significa alguém que seja liberal em questões políticas e econômicas, mas tradicional nas questões da moral sexual e nas questões internas da Igreja, alguém que apoie o diálogo ecumênico e inter-religioso, mas que esteja convencido de que a Igreja detém a verdade. Em suma, eu não apoio a teoria do "pêndulo" no que se refere à doutrina, mas isso pode ser verdade em estilos de personalidade e de governo.
Embora haverá continuidade na política, haverá uma mudança na personalidade; a clonagem é contra a doutrina da Igreja. Não há ninguém com uma personalidade como a do Papa João Paulo II no Colégio dos Cardeais, com um histórico como ator polonês, intelectual e professor, que cresceu sob o nazismo e o comunismo. Também não haverá ninguém como o Papa Bento XVI, com o seu currículo como teólogo alemão e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que cresceu na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial.
Antes do conclave de 2005, eu previ que, quando os cardeais se reunissem no conclave, eles elogiariam o Papa João Paulo II "de feliz memória", mas que poderia haver uma reação contra a Cúria Romana, cujo poder tinha crescido durante o seu papado. Mesmo o cardeal mais conservador, eu argumentava, queria gerir a sua diocese do jeito que achava melhor, sem a interferência de Roma. Os cardeais, portanto, poderiam buscar, eu argumentava, alguém que apoiasse uma maior descentralização das tomadas de decisão na Igreja – mais poder aos bispos e às conferências episcopais. Considerando a eleição do cardeal Ratzinger, que desempenhou um papel importante em centralizar o poder em Roma sob o papado de João Paulo II, eu obviamente estava errado.
Por outro lado, tem havido queixas de má administração da Cúria Romana com Bento XVI – e o secretário de Estado, o cardeal Tarcisio Bertone, tem suportado o peso dessas críticas. Como resultado, alguns argumentam que o próximo papa deverá ter maiores habilidades administrativas do que os seus antecessores imediatos.
Dois terços dos cardeais são bispos diocesanos que administram Igrejas locais. No passado, eu argumentei que eles queriam alguém que soubesse o que é ser um bispo local, e não simplesmente um burocrata vaticano. Muitos cardeais que trabalham na Cúria, como o cardeal Ratzinger, tiveram experiência diocesana antes de irem para Roma, e algumas autoridades vaticanas deixaram a Cúria e se tornaram cardeais arcebispos de Igrejas locais. Cardeais com ambos os tipos de experiência têm vantagem. Dos papas eleitos durante o século XX, apenas o Papa Pio XII não tinha nenhuma experiência diocesana, e apenas três (Papa Pio X, Papa João Paulo I e Papa João Paulo II) nunca trabalharam no Vaticano. Os outros cinco trabalharam na Cúria, mas eram líderes de arquidioceses quando foram eleitos papa.
Primeiro, embora um grande número de cardeais norte-americanos sejam fluentes em espanhol, os norte-americanos não são grandes linguistas. Segundo, e mais importante, os cardeais se preocupam sobre como a eleição de um norte-americano seria percebida em todo o mundo, especialmente no Terceiro Mundo e nas nações muçulmanas. Muitos no Terceiro Mundo poderiam suspeitar que a CIA determinou a eleição ou que Wall Street a comprou. Os muçulmanos podem temer que um papa norte-americano será um capelão da Casa Branca. Finalmente, ao longo dos séculos, a Igreja tentou manter o papado fora das mãos das superpotências reinantes, quer fossem o Sacro Império Romano, a França ou a Espanha. Quando a França capturou o papado, ele se mudou para Avignon em 1309, onde permaneceu até 1377. Eu não faço apostas. Se você quiser saber o que pensa um apostador profissional, consulte Paddypower.com sobre quem poderia suceder Bento XVI.
O ex-presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Tip O'Neil, estava correto: "Toda política é local", mesmo na Igreja Católica.
Os cardeais do Terceiro Mundo têm pessoas que estão passando fome e sofrendo o impacto negativo da globalização da economia. Eles querem um papa que se pronuncie pela justiça social e pelo perdão da dívida do Terceiro Mundo, e esteja disposto a enfrentar a superpotência norte-americana. Os cardeais da África e da Ásia se confrontam com o crescente fundamentalismo islâmico. Eles querem um papa que entenda o Islã e não use palavras inflamatórias como "cruzada", como fez o presidente George W. Bush. Eles querem um papa que, como João Paulo II, apoie o diálogo com os muçulmanos, mas, ao mesmo tempo, que defenda os direitos dos católicos.
Por outro lado, na América Latina, há poucos muçulmanos. A preocupação lá é com os evangélicos e os pentecostais, que estão "roubando suas ovelhas".
Na América do Norte e na Europa, os cardeais vão querer um papa que continue a luta do Papa Bento XVI contra o secularismo e o relativismo, mas que também apoie o diálogo ecumênico com os protestantes e judeus. Dado o crescente afastamento de mulheres instruídas, eles também querem alguém que defenda uma compreensão das preocupações das mulheres. A última coisa que eles querem, por exemplo, é um papa que decida se livrar das meninas ajudantes do altar. Os cardeais norte-americanos também querem alguém que entenda e apoie o que eles estão fazendo para enfrentar a crise dos abusos sexuais. Os europeus estão preocupados com o crescente número de muçulmanos na Europa.
O principal desafio da Igreja e do novo papa é como pregar o Evangelho de uma forma que seja compreensível e atrativa para as pessoas do século XXI, especialmente os jovens. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino fizeram isso em seu tempo usando o melhor pensamento das suas épocas. Para Agostinho, isso significava usar o neoplatonismo, e para Aquino isso significava usar Aristóteles.
A nossa tarefa hoje não é apenas citar esses santos, mas imitá-los usando o melhor pensamento do nosso dia para explicar o cristianismo para a nossa geração. Fazer isso exige dar liberdade aos teólogos e aos estudiosos para desenvolver novas formas de falar sobre a fé. Isso às vezes assusta as pessoas. Lembremo-nos, os escritos de Aquino foram queimados pelo bispo de Paris.
Nos últimos dois conclaves, os eleitores votaram no homem mais inteligente da sala. Talvez, desta vez, eles irão votar no homem que irá ouvir todas as outras pessoas inteligentes da Igreja.
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Quem será o próximo papa? Artigo de Thomas J. Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU