20 Fevereiro 2013
"Que fique claro: o ministério petrino, o primado de Pedro, é um dom do Senhor à Igreja. Deve ser reforçado, e não prejudicado. Mas, no nosso tempo, no mundo globalizado, é muito importante refletir sobre a melhor maneira de fazer isso...".
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada no jornal Corriere della Sera, 20-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O cardeal Walter Kasper, por dez anos responsável pelas relações do Vaticano com as outras confissões cristãs e com os judeus, é um dos maiores teólogos vivos e uma das "grandes almas" do conclave, do qual volta a participar por um fio: ele completa 80 anos seis dias depois do início da "sede vacante", dia 5 de março.
No ano passado, foi publicado o seu livro Igreja Católica. Essência. Realidade. Missão (Ed. Unisinos, 2012), a reflexão de uma vida: o encontro com Karl Rahner, os anos como assistente universitário de Leo Scheffczyk e de Hans Küng, e depois do Concílio, a cátedra de teologia em Münster, onde conheceu o colega Ratzinger, 40 anos de amizade e de "duelos" intelectuais.
Eis a entrevista.
Eminência, a renúncia de Bento XVI muda a Igreja?
A Igreja é a mesma em todos os séculos e vive uma renovação na continuidade, como diz o pontífice. Ao contrário, o fato de ele ter renunciado, de que tenha renunciado livremente, lança uma nova luz sobre o papado.
Em que sentido?
A natureza, a essência do ministério petrino é dada por Jesus e não pode ser mudada. O que muda é a aura sacral em torno do papado, que foi sentida principalmente nos últimos dois séculos. Essa aura se perdeu um pouco. E esse fato totalmente inesperado, a passagem da possibilidade teórica para a realidade, deve nos fazer refletir sobre a situação da Igreja.
O senhor escreveu que, no futuro, o papa "deverá deixar muitas decisões às autoridades regionais, limitando voluntariamente o seu próprio poder", para intervir no que diz respeito a "toda a Igreja". O exercício do ministério petrino, do primado do papa, deve ser repensado?
O próprio João Paulo II nos pediu para aprofundar esse ponto na Ut unum sint. Ainda mais hoje, eu penso que é muito importante, no mundo globalizado, refletir sobre o tema. É uma questão central, nodal nas relações ecumênicas com os outros cristãos e em particular com as Igrejas ortodoxas, não só "sim" ou "não", mas "como" o papa governa concretamente a Igreja universal.
O senhor dizia que vocês, cardeais, devem refletir sobre a situação da Igreja. Sobre o que, em particular?
Vemos a crescente secularização da Europa, sabemos que a maioria dos católicos está do outro lado, no hemisfério Sul do planeta. É uma situação e um desafio novos.
Há também a exigência de reformar a Cúria Romana?
Certamente, é fundamental que ela seja organizada de um modo mais apto para enfrentar os desafios do nosso tempo. É preciso uma melhor coordenação entre os dicastérios, mais colegialidade e comunicação. Muitas vezes a direita não sabe o que a esquerda faz! E, depois, é preciso refletir também sobre o papel dos sínodos. Muitos bispos estão decepcionados da forma como estão.
E por quê?
Os bispos, por vezes, são reunidos sobre temas genéricos demais, não se fala da agenda concreta da Igreja. Da última vez, o sínodo era sobre a nova evangelização, uma questão decisiva. Mas o modo de realizá-la é diferente se você fala da Europa, Ásia, África, América Latina... Seria preciso para as situações concretas.
O exercício do primado, o papel dos sínodos...
O discurso sobre os sínodos não quer nem deve de algum modo prejudicar o primado do papa, ao contrário. Papado e sinodalidade não estão em contradição. Trata-se de repensar a relação entre a Cúria e as Igrejas particulares, como realizar a comunhão e melhorar a comunicação na Igreja.
De que papa a Igreja precisa hoje?
O pressuposto é que seja um homem de fé, espiritual. Um homem que tenha carisma e saiba como arrastar os fiéis. Um verdadeiro pastor para as pessoas, mas também um pastor que saiba guiar a Igreja. Acredito que hoje seja preciso o conhecimento, a experiência da Igreja universal. Não basta conhecer só um país ou uma diocese em particular.
Certamente, Bento XVI, com a sua renúncia, passará para a história...
No começo, eu fiquei sem palavras. Dizer: eu não tenho mais forças, abandonar o poder, retirar-se... Sinto um grande respeito e a mais alta estima pelo seu ato de grande coragem e humildade. Mas Bento XVI passará para a história por tudo o que fez. Ele confortou e consolidou a fé na Igreja. E deixa uma herança enorme, riquíssima. Provavelmente não teremos tão cedo outro papa desse nível intelectual e espiritual.
Há quem pense que, de agora em diante, será possível eleger um pontífice "temporário", que se aposentará a uma certa idade, assim como os outros bispos. É isso?
Não. Cada papa é eleito para toda a vida. Continua havendo, eventualmente, a sua livre decisão de renunciar, se quiser. A escolha de Bento XVI torna a questão mais próxima dos seus sucessores. Mas não é possível eleger o papa por um certo tempo. A eleição é para toda a vida.
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''Mais colegialidade. O papel do papa deve ser repensado''. Entrevista com Walter Kasper - Instituto Humanitas Unisinos - IHU