Por: André | 20 Fevereiro 2013
As reações dos tradicionalistas à renúncia de Bento XVI. Renúncia legítima, mas inoportuna, segundo Roberto de Mattei. Impossível filosófica e teologicamente, segundo Enrico Maria Radaelli.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa.it, 20-02-2013. A tradução é do Cepat.
Como reagiram ao anúncio da renúncia de Bento XVI os mais decididos defensores da tradição católica?
O historiador da Igreja Roberto de Mattei comentou a decisão do Papa Joseph Ratzinger com uma nota na página virtual Corrispondenza Romana, por ele dirigida.
De Mattei não responde à legitimidade da renúncia de Bento XVI ao pontificado. Reconhece que “está contemplada pelo direito canônico e se verificou historicamente nos séculos”.
E também está fundada teologicamente, porque coloca fim não à potestade da ordem conferida ao sacramento, que é indelével, mas apenas à potestade de jurisdição.
Do ponto de vista histórico, contudo, De Mattei defende que a renúncia do papa Joseph Ratzinger “está em absoluta descontinuidade com a tradição e a práxis da Igreja”: “Não pode ser comparada nem com Celestino V, que renunciou após ter sido arrancado à força da sua cela de eremita, nem com Gregório XII, que, por sua vez, se obrigou a renunciar para resolver a gravíssima questão do Grande Cisma do Ocidente. Tratava-se de casos excepcionais. Mas, qual é a exceção no gesto de Bento XVI? A razão oficial, inscrita em suas palavras de 11 de fevereiro, expressa, mais que a exceção, a normalidade”.
É a “normalidade” que coincidiria simplesmente com “o vigor tanto do corpo como do espírito”.
Mas, então, “devemos nos perguntar”: “Nos dois mil anos, quantos são os papas que reinaram com boa saúde e não sentiram o declinar de suas forças e não sofreram por causa de doenças e provas morais de todo tipo? O bem-estar físico nunca foi um critério de governo da Igreja. O será a partir de Bento XVI?”.
Caso foi dessa maneira – escreve De Mattei –, o gesto de Bento XVI assume consequências “já não simplesmente inovadoras, mas revolucionárias”: “A imagem da instituição pontifícia, aos olhos da opinião pública mundial, estaria, com efeito, despojada de sua sacralidade para ser entregue aos critérios de julgamento da modernidade”.
E assim se atingiria o objetivo reivindicado várias vezes por Hans Küng e outros teólogos progressistas: o de reduzir o papa “a presidente de um conselho administrativo, a um papel puramente arbitral, sendo flanqueado por um sínodo permanente de bispos, com poderes deliberativos”.
* * *
Muito mais radicais são as conclusões a que chega o filósofo e teólogo Enrico Maria Radaelli.
Este argumentou suas críticas ao gesto de Bento XVI em uma nota de 13 páginas publicada em sua página na internet.
O título da nota não deixa lugar a dúvidas: “Por que o papa Ratzinger-Bento XVI deveria retirar sua renúncia. Ainda não é o tempo de um novo Papa porque seria um anti-papa”.
Radaelli inspira-se nas palavras de Jesus ressuscitado ao apóstolo Pedro, no capítulo 21 do Evangelho de João. Daqui deduz que “a cruz é o status de todo cristão” e, portanto, “rebelar-se ao próprio status, rechaçar uma graça recebida, seria para um cristão uma culpa grave contra a virtude da esperança, contra a graça e contra o valor sobrenatural da aceitação da própria condição humana, tanto mais grave se a condição recobre funções ‘in sacris’, como é a condição, dentre todas a mais eminente, de Papa”.
Como o Pedro do “Quo vadis” que, fugindo de Roma, encontra-se com Jesus que vai morrer em seu lugar, assim “acontece quando um Papa (mas também o último dos fiéis) foge do lugar para onde Cristo o empurrou para lutar, sofrer, talvez para morrer: acontece que Cristo vai lutar, sofrer, talvez também morrer, em seu lugar”.
É verdade – reconhece Radaelli – que o cânon 333 do Código de Direito Canônico estabelece que um papa tem o poder de renunciar, “mas eu digo que tal poder não o tem nem sequer o papa, porque seria o exercício de um poder absoluto que contrasta com o fato de ser precisamente eu mesmo”. E “é impossível inclusive para Deus” não ser o que é.
A renúncia de um papa – prossegue –, embora permitida legalmente, “não é permitida metafísica e misticamente, porque na metafísica está ligada ao núcleo do ser, que não permite que uma coisa, simultaneamente, seja e não seja, e na mística está ligada ao núcleo do Corpo místico que é a Igreja, para a qual a vicariedade assumida [pelo sucessor de Pedro] com o juramento da eleição coloca o ser do eleito em um plano ontológico substancialmente diferente do deixado para trás: no plano mais alto metafísica e espiritualmente do Vigário de Cristo”.
E mais: “Não considerar estes fatos é, na minha opinião, um golpe mortal ao dogma. Renunciar é perder o nome universal de Pedro e retroceder ao ser privado de Simão, mas isto não pode acontecer, porque o nome de Pedro, de Cefas, de Rocha, é dado em um plano divino a um homem que, recebendo-o, já não faz só a si mesmo, mas ‘faz Igreja’. Sem contar que ao o papa que renunciou não poder na realidade renunciar, o papa que o sucede, apesar disso, só poderá ser um anti-papa. E quem reinará será ele, o anti-papa e não o verdadeiro papa”.
Conclui Radaelli: “A consideração final é, portanto, a seguinte: o papa Joseph Ratzinger-Bento XVI não deveria renunciar, mas desistir de sua suprema decisão reconhecendo o caráter metafísica e misticamente irrealizável e, por conseguinte, também legalmente inconsistente. Deste modo, não é a renúncia, mas a retirada da mesma, que se converte em um ato de sobrenatural coragem, e só Deus sabe o quanto a Igreja necessita de um papa sobrenaturalmente, e não humanamente, corajoso. Um papa que seja aclamado não pelos ‘liberais’ de toda a terra, mas pelos anjos de todos os céus. Um papa mártir, além disso, um jovem leão do Senhor, leva mais almas ao céu que cem papas que renunciaram”.
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O apelo extremo. Que o Papa retire a renúncia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU