Por: Jonas | 18 Fevereiro 2013
“As intrigas, ímpetos e labutas por fazer carreira; os envelopes com dinheiro, repartidos por Maciel, que ele [Bento XVI] sempre se negou a aceitar; a obsessão do Vaticano em encobrir os escândalos de pedofilia... foram abrindo seus olhos”. O teólogo espanhol José González Faus ensaia os possíveis percalços enfrentados pelo Papa até optar pela renúncia, em artigo publicado no sítio Religión Digital, 16-02-2013. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Honesto, íntegro e encantador no tratamento pessoal; tímido, fugidio e com dificuldades para dirigir. Capaz também de uma encantadora ironia sutil, que precisou reprimir quando começou a usar as vestimentas. A timidez o fez agir de forma muito dura quando precisou se fazer de “inquisidor”; sua sensibilidade o tornou mais afável quando passou a ser pastor. De sua história pessoal, seria preciso se questionar mais a respeito de sua evolução para posturas conservadoras. De seu pontificado, receio que o ponto mais ambíguo não seja o “Vatileaks”, nem a pedofilia, mas a sombra de Marcial Maciel que provou ser mais encompridada do que a do cipreste.
Numa outra ocasião, contei a respeito do que ouvi numa aula, em Tübingen, em fins de 1966. Falando de duas grandes escolas teológicas antigas (Alexandria mais espiritualista e mais conservadora, Antioquia mais humanista e mais aberta), continuou com a pergunta: “e em Roma?” Detém-se um momento, abotoa o casaco e fica nos olhando. “Em Roma, vocês já sabem, não se faz boa teologia”. A sonora ovação dos alunos ainda ressoa em meus ouvidos. Dizem que Wojtyla o nomeou para a Congregação da Fé, após ler sua “Introdução ao cristianismo”, pois viu nele um teólogo “aberto e seguro”.
Por que posteriormente foi sacrificando a abertura em prol da segurança? Fala-se de susto diante dos excessos de 1968 (que na Alemanha foi pior do que na França, e evocou a muitos intelectuais os momentos prévios a Hitler). Também da prepotência de Hans Küng seu companheiro de cátedra em Tübingen; e da influência de seu irmão mais velho. Não sei. É tarefa para os historiadores.
Em Roma, talvez tenha iniciado uma evolução inversa, como se, após a decepção do progressismo, tropeçasse na decepção do conservadorismo; mas já era muito tarde para findá-la. Quando na sexta-feira santa de 2005, sendo ainda cardeal, pronunciou aquelas palavras: “quanta sujeira na Igreja... a traição dos discípulos fera mais a Jesus”, muitos acreditaram que se referia aos casos de pedofilia. Sem excluir isto, outros acreditam que fazia alusão, indiretamente, a coisas que estavam acontecendo na Cúria.
As intrigas, ímpetos e labutas por fazer carreira; os envelopes com dinheiro, repartidos por Maciel, que ele sempre se negou a aceitar; a obsessão do Vaticano em encobrir os escândalos de pedofilia... foram abrindo seus olhos. Por isso, ao ser eleito Papa, parecia que, por sua honestidade e porque conhecia o bastidor, talvez fosse capaz de reformar a Cúria (convém recordar a maneira como o Vaticano II havia exigido essa reforma e como a Cúria sempre se negou a fazê-la).
Talvez esta tenha sido a desilusão de seu pontificado e uma das razões que fragilizaram suas forças. Deu passos significativos: ordenou que Maciel desaparecesse da vida pública. Fez sonoros e sentidos pedidos de perdão pelos casos de pedofilia, que ainda parecem insuficientes para alguns, mas que foram de uma coragem inaudita diante do modo de proceder encobridor, típico do Vaticano. Desapareceram outros nomes, que prefiro não citar, e que parecem ser os que estão por trás dos famosos papéis do mordomo (pois em todas aquelas correspondências não há nada de sensacional, nem de interesse, salvo as críticas constantes a Bertone, como se fossem uma vingança ou manobra daqueles a quem Bertone substituiu).
Quando viajou para Valência, decepcionou o episcopado espanhol que almejava uma condenação verbal ao governo socialista. Em sua primeira encíclica, quis nos dizer que Deus é Amor antes do que qualquer outra coisa. Contou com o infeliz episódio de Regensburg, mas logo o concertou relativamente bem.
De todo este panorama, sairia um balanço de empate. Contudo, há outro espinho que pode não ter lhe deixado em paz, chama-se Marcial Maciel. A história deste pequeno monstro ou doente é das mais incríveis e escandalosas dos vinte séculos do cristianismo. E o problema é que Ratzinger sabia. Quando estava na Congregação da Fé lhe fizeram chegar, por procedimentos complicados, provas irrebatíveis. E quando, em seguida, os remetentes pediram a sua ajuda, contam que ele disse: “sinto muito, mas não posso fazer nada, pois João Paulo II possui grande apreço por este homem”.
Assim dizem os autores, num livro intitulado “La voluntad de no saber” [A vontade de não saber], editado por Mondadori, com a condição de que apenas tivesse circulação no México. Faltou coragem para Ratzinger enfrentar Wojtyla ou ele teve medo de escandalizar o mundo? Deixem-me dizer que são coisas que dizem respeito apenas ao juízo de Deus. Todavia, isto explica a rápida decisão com que afastou Maciel para nada mais chegar à sede de Pedro. Apesar de ser mais difícil entender a morna política que o Vaticano parece conduzir em relação aos legionários.
De minha parte, prefiro ficar com a recomendação feita por Bento XVI: a de que todos os papas deveriam ler e meditar a célebre carta que São Bernardo escreveu para o papa Eugenio III. Nela está a seguinte frase: “você não parece sucessor de Pedro, mas de Constantino”. Agradeço este conselho do renunciado papa e me permito recomendar, efusivamente, esta carta ao seu sucessor. Embora, devo reconhecer que, diante do que constitui um futuro imediato da Igreja, não sou precisamente otimista.