Por: Jonas | 07 Fevereiro 2013
A Câmara dos Comuns aprovou, por 400 votos contra 175, o projeto de casamento igualitário apresentado pelo governo conservador. A aprovação desencadeou um cisma no partido governante. Permitirá o casamento civil e a celebração religiosa.
A reportagem é de Marcelo Justo, publicada no jornal Página/12, 06-02-2012. A tradução é do Cepat.
O casamento gay dividiu pela metade os conservadores e deixou em mau estado o primeiro-ministro David Cameron e seu atribulado projeto “modernizador”. Mais da metade dos 303 deputados conservadores, incluindo vários membros do gabinete, abstiveram-se ou votaram contra o projeto, que sobreviveu graças a uma aliança dos conservadores mais abertos, seus parceiros na coalizão, os liberais-democratas, e a oposição trabalhista.
A vitória na matemática parlamentar foi inequívoca. Da Câmara, composta por 303 deputados conservadores, 255 trabalhistas e 57 liberais-democratas, recebeu o apoio de 400 deputados, sendo que 175 votaram contra. O problema para Cameron é outro. Dos 175 deputados que rejeitaram o projeto, 139 pertencem ao seu próprio partido, que conta com 303 deputados. Nas pesquisas prévias, três em cada cinco votantes se mostraram favoráveis ao casamento gay, mas um em cada cinco conservadores destacaram que não votariam no primeiro-ministro, em 2015, caso avançasse com o projeto.
O primeiro-ministro defendeu, diante de suas próprias hostes e a sociedade, sua determinação em avançar com o projeto de lei, dizendo que é um “firme convicto nas virtudes do matrimônio” e que não quer que os homossexuais “fiquem excluídos desta grande instituição”. O tom não discriminatório do argumento e a aparência progressista, que uma lei em favor do casamento gay possui, são os últimos vestígios do projeto modernizador que ele lançou ao ser eleito líder de seu partido, em 2005, que acabava de sair derrotado pela terceira vez consecutiva pelos trabalhistas.
Este projeto modernizador procurou suavizar a imagem conservadora ligada ao thatcherismo, ao emergir como guardiões dos serviços públicos ao invés de privatizadores a qualquer custo, ao promover uma agenda social ao invés de estigmatizar os pobres e ao ter uma atitude “liberal” (termo equivalente a progressista nestas ilhas) diante dos temas sociais. Com o estouro financeiro de 2008 e a recessão, os pilares deste projeto, que tinha sido mais discursivo do que programático, foram caindo um após o outro. Com a vitória de 2010, desmoronaram-se. A coalizão formada com os democratas liberais aprovou um dos mais duros ajustes do mundo desenvolvido, e retornou-se à estigmatização dos pobres que, segundo o ministro do Trabalho e Previdência, Ian Duncan Smith, devem sua situação não à loteria social do nascimento, mas aos seus defeitos morais.
Entre as bases conservadoras, o projeto modernizador nunca foi popular. Atiçados pelo tabloide populista ultraconservador “Daily Mail” e o “Daily Telegraph”, as críticas a Cameron cresceram ao lado da crise econômica. Quando a coalizão chegou ao governo, o Reino Unido começava a se recuperar da recessão e exibia um tímido crescimento de 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB). O draconiano plano de ajuste afogou essa vacilante recuperação: hoje o Reino Unido está à beira da segunda recessão em um ano. Nas pesquisas e eleições locais, o descontentamento é claro: os trabalhistas terminaram 2012 com uma vantagem de seis pontos nas pesquisas. Nas últimas semanas, multiplicaram-se os rumores de complôs contra o primeiro-ministro.
Na quinta-feira passada, altos dirigentes tories confirmaram ao “The Guardian” que o primeiro-ministro poderia enfrentar uma moção de censura de seu próprio partido, no próximo ano, caso não melhore nas pesquisas e fiquem mal colocados nas eleições locais e europeias. Alguns dias ante, a fábrica de boatos parlamentares ventilava um plano semelhante, mas para 2015, caso Cameron não vencer as eleições com maioria própria. Na sexta-feira, o “Daily Mail” destacou que caso seja confirmado, em abril, que o Reino Unido está outra vez em recessão, a primeira cabeça a rodar será a do ministro de Finanças, George Osborne.
O casamento gay foi uma ofensa maior porque, diferente dos discutíveis altos e baixos econômicos, é uma decisão adotada pelo primeiro-ministro que vai contra os valores mais tradicionais do partido. No domingo, próximo de 25 presidentes e ex-presidentes, de associações conservadoras, entregaram para David Cameron uma carta advertindo que o projeto não havia sido apropriadamente debatido e que as deserções do partido “estão se multiplicando”. Recentemente, o governo estimou que o casamento homossexual poderia contribuir com até 14,4 milhões de libras (16,7 milhões de euros) para a economia britânica, graças às celebrações.
Do lado trabalhista, cujo apoio permitiu que o projeto fosse aprovado sem o respaldo do próprio partido de Cameron, o líder da oposição trabalhista, Ed Miliband, disse que “é um dia de orgulho e um importante passo adiante na luta pela igualdade no Reino Unido”. O debate de mais de seis horas foi tenso. Partidários e detratores do casamento igualitário advogaram, de um lado, pela igualdade de direitos e, do outro, insistindo em que a união entre casais do mesmo sexo não pode ser considerada um casamento.
A ministra da Cultura e Igualdade, a “tory” Maria Miller, na abertura do debate, disse que o conceito de casamento mudou ao longo dos séculos e que as crenças religiosas e a igualdade de direitos não são incompatíveis. Esse mesmo argumento já havia sido defendido por destacados representantes do Partido Conservador, como o ex-primeiro-ministro John Major (1990-1997), o prefeito de Londres, Boris Johnson e, atualmente, pelos titulares do Exterior, Interior e da Economia. Contrariamente, o setor mais tradicionalista dos “tories”, na Câmara dos Comuns, argumentou contra um plano que não estava em seu programa eleitoral, considerando-o inoportuno em vista da revalidação da vitória, nas eleições gerais de 2015.
O projeto prevê legalizar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e permitir a celebração religiosa para as confissões que concordarem, com exceção explícita das igrejas oficiais da Inglaterra e de Gales, que se opõem fortemente ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. A legalização dos casamentos igualitários, uma promessa de campanha dos liberais-democratas, parceiros minoritários da coalizão governamental, também permitirá às pessoas que mudarem de sexo permanecer casadas, algo que até agora era ilegal.
Trata-se de uma reforma modesta, uma vez que o Reino Unido já permite, desde 2005, as uniões civis entre casais do mesmo sexo, que também possuem o direito de adotar filhos e recorrer a mães de aluguel, sempre que estas não recebam uma remuneração em contrapartida.
Com o voto a favor, o projeto passa para a Câmara dos Lordes, que votará em maio. Segundo o procedimento legislativo britânico, o projeto retorna aos deputados para uma segunda votação, que a converte em lei. O assunto já não é se os homossexuais poderão se casar a partir do próximo ano, o assunto é se o primeiro-ministro não gerou um mal-estar interno em seu partido que pode lhe custar o posto ou as eleições de 2015.
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Deram um sim ao casamento igualitário em Londres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU