19 Dezembro 2012
Em 2013, ocorre o 40º aniversário da legalização do aborto nos EUA, e já se anunciam manifestações por parte daqueles que veem no aborto legal, e não na posse de armas, a maior ofensa para a cultura da vida nos EUA.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio HuffingtonPost.it, 17-12-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Os Estados Unidos rezam em todo momento crucial da sua história, e nos momentos duros os norte-americanos rezam hard: "pray hard", como se diz na sequência final de A felicidade não se compra, o filme obrigatório durante os dias de Natal nos EUA.
Os norte-americanos de Newtown e relacionados com Newtown nesse domingo rezaram hard e wonderful, em uma cerimônia ecumênica com grande equilíbrio e esplêndido calor, a anos-luz de distância do barroquismo que, segundo alguns estetas, aproximaria mais de Deus. O rabino, o padre católico, os pastores e as pastoras das Igrejas protestantes de Newtown, os representantes da comunidade muçulmana e Baha'i consolaram os aflitos, como manda o Evangelho das Bem-aventuranças, e não afligiram os consolados, como às vezes acontece, ao invés.
O discurso de Obama ofereceu mais uma vez um presidente que dá o melhor de si quando fala como pai (nos últimos dois dias) e quando fala como filho (o discurso da Filadélfia em março de 2008 sobre raça e religião nos EUA). Em Newtown, Obama afirmou que, "como membros de uma sociedade, todos somos pais". Todo pai conta com uma miríade de outras pessoas para a segurança dos seus próprios filhos: dos médicos e enfermeiros aos professores e aos vizinhos de casa.
Nesse sentido, o discurso de Obama "virou a mesa" (segundo uma expressão norte-americana), ou seja, lembrou aos que estão acostumados a opor os "valores da família" aos "da sociedade" que esse modo de defender os próprios filhos é ilusório, senão pior. Por tempo demais a cultura moral da direita norte-americana propagandeou uma ideia de pessoa e de família baseada no pressuposto de uma autossuficiência, mais típica de pioneiros do que de cidadãos de um mundo civil e globalizado, do indivíduo com relação ao governo, à política , aos meios de comunicação e ao mundo exterior em geral.
Newtown é a demonstração de que a cultura da vida e da família nos EUA precisa de uma ideia de sociedade e de Estado menos antagônica e paranoica do que a forjada pelo familismo norte-americano de matriz religiosa. A partir desse ponto de vista, aqueles que esperam por uma inversão de rota do discurso sobre as armas e sobre a violência nos EUA têm diante de si uma luta que é cultural e espiritual, antes ainda que política.
No dia 21 de janeiro de 2013, Obama irá pronunciar o discurso para a inauguração do seu segundo mandato. No dia seguinte, 22 de janeiro de 2013, ocorre o 40º aniversário da legalização do aborto nos EUA, e já se anunciam manifestações por parte daqueles que veem no aborto legal, e não na posse de armas, a maior ofensa para a cultura da vida nos EUA.
Buscar um campo comum entre as diversas culturas da vida não será fácil, nem mesmo para um presidente que iniciou o seu trabalho de "community organizer" na Chicago do cardeal Bernardin, aquele que, na década de 1980, havia lançado o projeto de um "common ground" entre diversas culturas morais nos EUA.
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Newtown e a nova ''cultura da vida'' nos EUA. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU