Por: Cesar Sanson | 01 Novembro 2012
Recentemente, o povo indígena guarani-kaiowá, divulgou uma carta-protesto em função de uma decisão da Justiça Federal de Naviraí, do Mato Grosso do Sul, que determinou a retirada dos índios que ocupam terras da fazenda Samburá, em Iguatemi. O documento repercutiu em todo o país e alertou para a precariedade em que vivem os guaranis. A saída por terra da região está bloqueada e, com isso, os ocupantes só podem sair e entrar pelo rio Iowa.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi obrigada a se manifestar sobre o assunto nessa sexta-feira (26). O órgão reconhece a luta dos guaranis e kaiowás e considera que a decisão de “não sair do local que considera seu território ancestral é uma decisão legítima.” A vice-procurado geral da República, Deborah Duprat, disse: “A reserva de Dourados é a maior tragédia conhecida na questão indígena em todo o mundo.”
São 43 mil guarani-kaiowá, divididos em 16 mil famílias, segundo Ava Taperendi, cacique dos Taquaras, uma das três aldeias ocupadas pelos índios na região de Dourados, no Mato Grosso do Sul.
O líder indígena falou à Fórum, 31-10-2012, e manifestou sua revolta com o silêncio da mídia e do poder público, além de pedir apoio à resistência, que ele afirma que será “até a morte”.
A foto é de Igor Carvalho.
Eis a entrevista.
Qual a situação de vocês, hoje?
A demora da demarcação das terras está nos prejudicando, estamos sofrendo demais por conta disso, é muito enfrentamento, contra o governador, fazendeiros e Justiça. Nossos líderes estão morrendo, sendo assassinados por um grupo apoiado pelo estado, um grupo formado por assassinos contratados pelos fazendeiros, e tudo isso leva os índios a um sofrimento muito grande. Nossas crianças e anciões estão desnutridos, todos debaixo de lonas, enfrentando frio, chuva, falta de dignidade e remédios.
E quanto à questão dos suicídios?
O que leva os índios a se suicidarem hoje, na área de Dourados, é que nós somos 43 mil pessoas sem condições de caçar, pescar, plantar e nem morar. Além disso, temos um problema que é a chegada das cidades, estamos encurralados entre duas cidades e queremos só viver a nossa cultura. Alguns jovens que tentaram se suicidar e não conseguiram foram perguntados do porquê, e eles alegaram que falta terra, não tem floresta, não tem por onde andar, pra onde vão já saem em uma fazenda fechada, numa chácara ou na cidade. Eles ficam muito incomodados.
Há muita pressão para que os índios saiam de suas terras e se adaptem a uma cultura que não é deles?
Hoje existe muita influência de outras culturas na aldeia, e isso não poderia acontecer, porque essas terras foram demarcadas em 1984 pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) e ali tem que preservar nossa cultura. O povo guarani-kaiowá quer preservar suas rezas, sua língua, religião, danças e suas casas, não queremos outras coisas lá, precisa homologar e registrar nossas terras, para preservar a nossa cultura.
Vocês conseguem se alimentar bem, como está a saúde da população local?
Dependemos de uma cesta básica do governo, porque não temos condições de plantar, caçar e pescar, então só nos alimentamos com isso, é bem pouco.
Temos notícias de violência contra os índios, o que o poder público tem feito para coibir e fiscalizar os maus tratos?
O próprio governo montou uma equipe contra o índio. O governador André Pucinelli disse: “Eu não vou dar nenhum punhado de terra para índio”. Ele não fiscaliza nada, ele manda é a polícia, resolve o problema de índio com polícia. Semana passada, prenderam o Carlito [Carlito de Oliveira, liderança indígena local] acusando-o de matar dois policiais, e na verdade não foi ele que matou. Prendem o Carlito de noite, na cela, soltam de manhã, mas muitas vezes eles esquecem dele, que fica dois três dias preso, a cela foi construída dentro da aldeia. Nós fizemos um documento e mandamos para o Ministério Público Federal pedindo a liberdade do Carlito, aí eles aceitaram liberar, mas não pode sair da aldeia. Então, o poder público não faz nada a não ser perseguir o povo guarani-kaiowá, o próprio policial civil e militar atira nos indígenas, e isso a mídia não divulga. Meu pai foi assassinado [Marcos Veron] lutando por uma terra dele e ninguém diz nada, é muito sofrimento.
Como agem os pistoleiros?
De noite e de dia. Aconselhamos nosso povo a não sair sozinho, só em grupos de cinco a dez pessoas. Mataram meu pai, amigos, líderes, nos expulsam de nossas casas com violência e depois lemos na mídia que “os índios saíram pacificamente”. Colocam fogo em nossas casas, apontam armas para nossas cabeças, nos levam até caminhões e nos levam para muito longe da aldeia, depois nos deixam na beira da estrada e mandam a gente voltar a pé. Não estamos pedindo o Mato Grosso do Sul inteiro, apenas a terra de nossos antepassados, só isso. É um massacre, um massacre.
Hoje, após a repercussão, existe algo que o deixe otimista?
Nossos direitos são violados, nossas terras estão ocupadas, estamos passando necessidades, então não sou otimista. Ninguém faz nada para que nossos direitos aconteçam, nenhum parlamentar, senador, prefeito, governador, presidente, ninguém, mas vamos lutar até o fim. Quando o governo se cansar de nós, manda o exército e fuzila todo mundo, porque da minha terra eu não vou sair.
E a carta?
É tudo verdade, se o governo não nos respeita, nos mate logo e acabe com a gente. Já tentamos falar com esse governo, por quatro vezes, essa presidenta não nos recebeu, nem os ministros do Supremo Tribunal Federal. Na hora de pedir votos, todos eles lembram da gente, o Lula esteve lá, foi recebido por meu pai, chegou lá pedindo voto. Todas as lideranças eram contra o voto no Lula, para eles o Lula era comunista e comunistas fazem aquelas coisas com crianças. Naquela época (2001), os índios acreditavam nisso, meu pai que chamou todo mundo e convenceu os antepassados que o plano do Lula era ajudar os índios e demarcar as terras. Dois meses depois que ganhou, meu pai foi assassinado e ele nunca demarcou as áreas. Esse descaso é o que esse país oferece para nosso povo indígena, e a Dilma e o Pucinelli estão massacrando o maior povo indígena do Brasil. Povo brasileiro, olhem para os guarani-kaiowá, precisamos de vocês, nos ajudem. Se alguém se interessar, vá visitar meu povo, veja de perto a desumanidade, nem um bicho que vocês criam em casa vive desse jeito que vivemos.
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Ava Taperendi, cacique guarani-kaiowá, pede socorro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU