01 Novembro 2012
Confunde-se a igualdade dos direitos com o direito à igualdade. É um pouco cínico querer reformar a lei para justificar o próprio comportamento. Não se pode mudar a definição de filiação e de família para todos, para responder à demanda de alguns milhares de casais homossexuais minoritários, que têm comportamentos certamente respeitáveis, mas que apresentam problemas. Desse modo, os homossexuais querem entrar na norma subvertendo-a.
Xavier Lacroix é teólogo e filósofo, católico, membro do Comité Consultatif National d'Éthique (Comitê Consultivo Nacional de Ética) da França.
A reportagem é de Stéphanie Le Bars, publicada no jornal Le Monde, 27-10-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Por que a Igreja só pode ser contrária ao casamento entre pessoas do mesmo sexo?
Você vai perceber que a Igreja não baseia a sua posição na crença, mas sim em uma posição ética, porque o que está em jogo são bens fundamentais. A Igreja apresenta dois tipos de objeções: uma ligada à diferença sexual, a outra ao lugar da criança na homogenitorialidade. E também observa a indeterminação sobre o sentido da palavra matrimônio. Hoje, nove entre dez pessoas pensam que o matrimônio é uma celebração social do amor. Porque, então, não celebrá-lo entre duas pessoas do mesmo sexo que se amam?
Mas, antropologicamente, tradicionalmente, juridicamente, universalmente, o casamento não é só isso. É a união entre um homem e uma mulher, em vista da procriação. Se subtrairmos a diferença de sexo e a procriação, não resta nada, exceto o amor, que pode acabar. O casamento também é uma instituição e não apenas um contrato. A instituição do casamento é definida por um corpus de direitos e de deveres dos esposos entre si e com relação aos seus filhos. A sociedade nele intervém como terceira parte, levando-se em conta o fato de que precisa dele para o interesse geral. A sociedade "precisa" do amor homossexual, de casais homossexuais solidários? Talvez, mas eu duvido.
A realidade é feita de casais heterossexuais não casados com filhos, de casais casados sem filhos, de casais homossexuais, com ou sem filhos... A Igreja Católica não encontra dificuldades justamente em aceitar as evoluções sociais?
Não é pelo fato de que casais casados sejam inférteis ou que optem por não ter filhos que muda o sentido da instituição, que prepara, no entanto, um lugar para o filho. Além disso, as mudanças sociológicas atuais me parecem superficiais com relação a uma realidade antropológica que perdura. Se o casamento se limitasse a uma celebração do amor, não haveria mais fundamento para a filiação, para a genitorialidade. Mas quem diz matrimônio diz filiação. Hoje, genitorialidade e conjugalidade estão dissociadas de fato, mas a instituição continua a articulá-las. A presunção de paternidade é o coração do casamento civil. Articula conjugalidade e genitorialidade, e liga filiação ao nascimento.
O direito, e os nossos contemporâneos, continuam pensando que é uma coisa boa a ser o filho ou a filha daqueles de quem nasceram, já que a dissociação entre filiação e nascimento é causa de sofrimento. Os defensores da homogenitorialidade dizem que a diferença sexual não tem importância, que não é importante se uma criança nasceu desta ou daquela pessoa, ocultam o nascimento. Afirmar isso equivale a dizer que o corpo não conta. É grave, porque equivale a pensar que tudo deriva da vontade e da cultura. Mas o corpo também é importante, e o papel de toda civilização é manter unidas natureza e cultura. Se é homem ou mulher, se pode gerar ou não. Há limites nisso. A oposição da Igreja é, portanto, como que uma resistência à vontade de onipotência.
Seguindo esta linha, a adoção por parte de casais heterossexuais ou de solteiros também deveria ser evitada?
A adoção é sempre um sofrimento. Mas, no caso de casais heterossexuais, esse sofrimento é recuperado pelo fato de que o casal adotante é análogo aos pais biológicos. O projeto atual nega essa analogia. No que se refere à adoção por parte do solteiro, ela tem uma vantagem sobre a adoção por parte dos casais homossexuais: expressa a carência. Certificando que não há o pai ou a mãe, a lei diz a verdade. A lei futura diria que a criança tem dois pais ou duas mães, afirmaria, portanto, uma ficção e anularia o sofrimento. Ou será preciso que se diga à criança que ela tem três genitores...
O Estado não deve levar em consideração as novas realidades?
Há uma diferença entre enfrentar situações, acompanhar realidades de famílias muito complexas e definir, a priori, o que doravante será uma família. O papel da sociedade não é o de encorajar a precariedade. No entanto, os filhos criados por casais homossexuais já estão protegidos, e esses casais entram em um quadro jurídico. A companheira ou o companheiro do genitor pode obter uma delegação da autoridade genitorial.
No entanto, não gozam de uma igualdade de direitos...
O direito é interior, mas é normal, porque o segundo membro do casal não é o pai ou a mãe. A desigualdade não é criada pela lei: deriva da situação em que dois adultos geraram uma criança. Não cabe à sociedade anular essa desigualdade. Confunde-se a igualdade dos direitos com o direito à igualdade. É um pouco cínico querer reformar a lei para justificar o próprio comportamento. Não se pode mudar a definição de filiação e de família para todos, para responder à demanda de alguns milhares de casais homossexuais minoritários, que têm comportamentos certamente respeitáveis, mas que apresentam problemas. Desse modo, os homossexuais querem entrar na norma subvertendo-a.
O senhor rejeita, então a ideia de que o projeto de lei seja apresentado em nome da igualdade?
Absolutamente. O slogan "casamento para todos" pressuporia que o casamento é um bem de consumo ao qual todos deveriam ter acesso. Rejeitar isso não significa ser discriminatórios contra casais homossexuais. A discriminação consiste em não conceder os mesmos direitos em condições semelhantes. Mas, diante da procriação, os casais homossexuais não estão na mesma posição dos casais heterossexuais. Estruturalmente, eles não podem procriar. Ao contrário, penso que haverá discriminação contra as crianças, se a lei definir, a priori, que milhares de crianças serão privadas dos bens elementares que são um pai e uma mãe.
O senhor compreendeu as afirmações de Dom Barbarin, em que parecia haver relação entre casamento homossexual, poligamia e incesto?
Eu não pronunciaria a palavra incesto, mas vejo efetivamente na criação do casamento para todos o início de uma "desregulamentação" e de uma negação dos limites.
Hoje, a Igreja se esforça para esclarecer a sua posição sobre a homossexualidade. Convidar a acolher as pessoas reprovando os seus atos é sustentável?
Temos uma herança bíblica, que objetivamente abomina a homossexualidade. Mas Jesus nunca fala a respeito, e o amor para a Igreja é o valor supremo. Portanto, mesmo o amor entre dois homens e duas mulheres não é um problema para a Igreja. É o erotismo que é mais turvo. Não é homofóbico dizer que, nas relações homossexuais, há um limite específico. Por essa razão, a Igreja convida os homossexuais à continência. E, depois, é preciso distinguir entre a palavra magisterial e a palavra no campo, mais matizada.
A Igreja fez bem em lançar o debate?
A Igreja desempenha um papel de suplência, lembrando que as palavras têm um sentido. Hoje, diversos termos se diluem: matrimônio é substituído por conjugalidade, os termos maternidade e paternidade por genitorialidade. Se no código civil "pai" e "mãe" se tornarem "genitor", quem será o genitor um e quem será o genitor dois? A Igreja fala porque outros não o fazem. Há talvez uma forma de intimidação por parte de certas associações? É uma pergunta que eu me faço.
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