15 Outubro 2012
Utilizando parábolas, descontraído, alegre e irreverente. Assim o Professor emérito da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE/ISI, de Belo Horizonte/MG, João Batista Libânio, apresentou-se durante a Conferência: “Novos desafios e tarefas para a Teologia na América Latina e Caribe hoje, a partir das contribuições do Congresso”, no último dia do Congresso Continental de Teologia, realizado ontem, 11, no anfiteatro Pe. Werner, na Unisinos.
“Estamos no mundo da relação”, segundo Dr. João Batista Libânio. E completa: “Como disse Torres Queiruga, ‘não temos respostas seguras’”. Segundo ele, para falar do futuro, temos que conhecer o passado. “Para prever o futuro, temos que conhecer o passado. O primeiro olhar para o passado deve ser positivo, vermos o que fizemos de bom no passado para manter e depois, sim, ver o lado negativo.”
Teologia da Libertação
“O que poderia dizer sobre a Teologia da Libertação? Ela nasce no momento em que duas correntes se cruzaram, encontraram; uma libertária, que o Concílio Vaticano II produziu - sem esse clima de liberdade, dificilmente nasceria a Teologia da Libertação. Foi um clima que nos deu a possibilidade de ser livres. Sem a liberdade, não podemos pensar e esse clima trouxe para a igreja a possibilidade de fazer coisas novas”, frisa.
A outra seria, segundo Libânio, o fato de que antes do golpe militar existia uma grande efervescência da juventude. “Esse clima criou um ambiente de mobilidade política, uma coisa quase escandalosa. Fernando Henrique Cardoso, exilado no Chile, escreveu o livro sobre a Teoria da Dependência. O desenvolvimentismo não era a solução, mas a libertação”, pontua. Nós estávamos num clima apropriado para a Teologia da Libertação. “Gustavo Gutiérrez foi o pai desta teologia e avô dessa geração mais jovem”, acrescenta.
Liberdade
Para interpretar, segundo Libânio, não devemos abrir mão da liberdade hermenêutica. “Os textos existem, mas nós devemos interpretá-los. A condição humana de pensar é interpretar. O absoluto é apenas Deus e, para Jon Sobrino, o coabsoluto são os pobres, mas a partir de nossa interpretação”, esclarece.
“Nós somos os marinheiros que estamos em um navio. Há uma ilha demasiado perigosa, onde estão as sereias muito bonitas que cantam o tempo todo.” Para Libânio, essas sereias seriam a Renovação Carismática – que fazem uma encenação, com louvores, cantos, mas depois não há uma reflexão crítica e nem prática social. Segundo ele, “devemos seguir o Jesus histórico, que optou pelos pobres”.
Tipos de pobreza
A primeira tarefa da Teologia da Libertação foi mencionada muitas vezes aqui: “a opção pelos pobres”, mas cada vez mais eles aumentam e se diversificam. “E essa diversidade é que há um pobre da natureza, sempre esquecemos disso.” Além desse tipo de pobreza, Libânio cita outros, como o pobre que nasce do sistema capitalista. “Outro é o da sociedade do conhecimento, que são aqueles que não têm acesso a esse mundo da comunicação, onde não chega a comunicação internacional, os satélites. Então, eles estão fora, foram excluídos de todo esse mundo do conhecimento. E isso é terrível.” Outra pobreza, para o conferencista, é a dos imigrantes. “Uma coisa que os jesuítas fazem muito bem é ajudar os que não têm cidadania, que vivem sem documentos etc. Além desses, há o ‘outro’ religioso. Muitos que são rejeitados porque tem uma fé, religião, às vezes cristã também, e outros de outras religiões.”
Outra compreensão de sociedade
O núcleo da Teologia da Libertação, segundo Libânio, é passar outra compreensão da sociedade. “A sociedade do conhecimento criou classes diferentes.” Libânio cita três delas:
• Os que vão produzir o conhecimento. Esses serão a elite como a Microsoft e todos os “softs” do mundo. Eles são os que realmente terão força;
• Os que administram essas coisas, ou seja, os que vão gerenciar o conhecimento;
• Os excluídos.
Agora, como entra a teologia nesse mundo? “Devemos produzir conhecimento que ajude as pessoas a encontrar sentido para a sua vida, como disse Queiruga ontem”, frisa Libânio. Para ele, a nossa teologia de livros não vai alcançar muita coisa. “Como vejo a possibilidade da teologia dialogar com a ciência e para onde estamos caminhando?”, questiona, ao analisar que a biotecnologia e a informática serão os dois desafios da humanidade.
Segundo João Batista Libânio, devemos nos comprometer com a práxis, com a transformação das pessoas, “sem isso para mim não há evangelização”. E acrescenta: “Talvez o novo paradigma seja uma categoria que se infiltrou para todos os lados. Podemos falar de um novo paradigma da Teologia da Libertação, que não é apenas marxista. Apenas os ignorantes pensam assim”.
Tipos de conhecimento
Para Libânio, há vários tipos de conhecimento. “O primeiro é gradativo, em que exigimos dos alunos que saibam reproduzir o conhecimento de alguém. Esse é o conhecimento de graduação. No Mestrado, posso ler dois ou três livros e organizo as ideias. Já no Doutorado, leem-se integralmente os textos de um determinado autor e descobre-se uma chave que nem mesmo o autor sabia. A partir dessa chave, organiza o seu pensamento. Isso é doutoral e a academia termina aí, porque o pós-doutorado é ainda pior...”
Para o estudioso, a Teologia da Libertação é outra. “Acredito que é pensamento heurístico, que é aquele pensamento que depois de conhecer e ler um autor, começasse a pensar.” E exemplifica: “Depois que leio Heidegger, começo a pensar e talvez isso me acorde a ir falar com a senhora do apostolado da oração. Acho que essa é a teologia que devemos fazer na América Latina. E não a da academia”.
Relacionamento
“Nós da Teologia da Libertação devemos falar com muito mais liberdade e acredito que Leonardo Boff faz bem isso. Há uma frase: ‘pensar é relacionar’. Portanto, acredito que o futuro da Teologia da Libertação é fazer relacionamentos”, pondera, ao avaliar que devemos recuperar o Jesus do evangelho. “Isso é fundamental.”
Para Libânio, quando se pensa na estruturação da Igreja Católica, pensa-se em três coisas: “doutrina, ensinamentos e as disciplinas”. E completa: “Penso que o futuro caminha na direção da comunidade”.
Debate
Durante o momento de responder as perguntas, Libânio responde, em um dos questionamentos sobre o papel da mulher na teologia, que “quanto mais mulheres fizerem teologia, melhor, porque mais aprenderemos; quanto mais plural for a teologia, mais aprenderemos todos”.
Libânio termina a Conferência contando uma história para a plateia: “Existem dois tipos de comunhão. Aquela em que eu convido amigos para comerem uma torta e preparo tudo. Então, todos comem e saem felizes”. A outra, “é quando convido todos os meus amigos, e cada traz uma coisa; um liga o fogo, outro faz outra coisa e todos saem felizes. Essa é a outra comunhão, em que cada um tem um dedo no processo”.
Quem é João Batista Libânio?
João Batista Libânio nasceu em Belo Horizonte, em 1932. É padre jesuíta, escritor e teólogo brasileiro. Ensina na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (ISI – FAJE) em Belo Horizonte, e é vigário da paróquia Nossa Senhora de Lourdes, em Vespasiano, na Grande Belo Horizonte. Fez seus estudos de Filosofia na Faculdade de Filosofia de Nova Friburgo-RJ e cursou em Letras Neolatinas, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Seus estudos de teologia sistemática foram efetuados na Hochschule Sankt Georgen, em Frankfurt, Alemanha, onde estudou com os maiores nomes da teologia europeia. Seu mestrado e doutorado (1968) em teologia foram obtidos na Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG) de Roma.
É autor de cerca de 125 livros, dos quais 36 de autoria própria e os demais em colaboração com outros autores, alguns editados em outras línguas. Além disso, possui mais de 40 artigos publicados em periódicos especializados, e inúmeros artigos em jornais e revistas.
A revista IHU On-Line, no. 394 sob o título J.B. Libanio. A trajetória de um teólogo brasileiro. Testemunhos, reflete sobre a obra do jesuita.
A reportagem é de Thamiris Magalhães Foto: Wagner Altes
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