09 Outubro 2012
No segundo dia do Congresso Continental de Teologia realizado ontem, 08, a primeira Conferência ficou por conta do Prof. Dr. Pedro Ribeiro de Oliveira (foto), da Pontifícia Universidade Católica de Minas - PUC-Minas, com a palestra "A situação sociocultural, econômica e política do Continente no contexto mundial", no anfiteatro Pe. Werner, na Unisinos.
Chamando a atenção da plateia ali presente com as questões levantadas, abordando de maneira impactante e de forma interdisciplinar, o professor montou uma apresentação esclarecedora durante sua conferência, que prendeu a atenção dos participantes do início ao fim. Pedro Ribeiro de Oliveira começou falando da globalização, depois partiu para a questão do capitalismo, que surgiu no norte da Itália. “Não vou falar do capitalismo, mas de sua forma expansionista. O capitalismo deve continuar crescendo”, esclareceu.
O Prof. Dr. Pedro Ribeiro de Oliveira (foto) abordou a questão do dinamismo do mercado, citando Adam Smith e o princípio dinâmico, que é o de produzir (de maneira irresistível) para vender e vender para lucrar. “Produzir e vender cada vez mais, essa é a lógica do capitalismo, não há capitalismo sem lucro”, continuou.
Problema das externalidades
O mercado não produz apenas bens para o nosso consumo, segundo o docente. E completa: “Produz e se descarta. Há o problema do lixo, destruição da biodiversidade. Isso é visto pela economia como externalidade, são fatores externos à economia, que não são contabilizados como custos da produção”.
Segundo Pedro Ribeiro de Oliveira, as externalidades ao capitalismo começam a ser percebidas agora, “e essa é uma novidade, como uma barreira ao crescimento de mercado. Na contemporaneidade, essas externalidades se tornam uma barreira ao crescimento”.
Economia verde
“Aí então surge a ideia de economia verde”, acrescenta Pedro Oliveira. Para ele, precificar as externalidades é o fato de passar a ter preço o que antes não tinha. “A novidade hoje é que a proposta de uma economia verde seria colocar preço na externalidade de modo que venha a custar para o produtor e, com isso, haverá interesse econômico de quem produz não produzir danos ambientais.” Essa é a novidade para que o sistema econômico se torne sustentável, pontuou. E admitiu: “Há 50 anos sou um socialista, quero construir um socialismo. Agora, um socialismo possível. Devemos ver a economia verde como uma realidade, mas sempre pensando e planejando novas utopias, que sejam melhores para os seres humanos e para os seres vivos”.
Mas, será que funciona mesmo? Crítica à economia verde
Essa ideia de economia verde foi levantada na Rio+20. “É preciso atender ao lucro, ao meio ambiente e aos seres humanos. Direito ao lucro como equivalente aos direitos da pessoa humana e da Terra.” Para Pedro Oliveira, trata-se, enfim, de cercar a natureza e privatizar os bens comuns. “O que não é preservação”, garantiu.
“Quando faço um alerta quanto à economia vede, falo que ela é muito boa para o sistema, mas não para os pobres. Se sou a favor dos pobres, sou totalmente contra a economia verde. Esse é meu posicionamento em relação a esta economia. Devo dizer: não sou economista nem filho de economista, apenas estudo e leio um pouco para entender melhor nosso mundo e nossa realidade”, continuou.
Há, ainda, segundo o docente, a questão da concentração da riqueza e do poder mundial nas grandes corporações. “Ademais, há o fato da competição e controlar os bens-comuns privatizados gerará conflitos econômicos e guerras.”
“Será que podemos dizer que um novo mundo é possível? Posso dizer, é difícil, as notícias que nos vêm hoje nos dizem isso”, afirmou. E disse: “Podemos ver também, na contramão disso, que existem correntes de pensamento que estão pensando de uma maneira muito diferente”.
Alternativas à globalização
Quando desmorona a antiga utopia do progresso sem fim cresce a outra utopia – não um sonho irrealizável, comentou Pedro Oliveira. E acrescentou: “Uma ideia muito importante é a de Gandhi. Ele vem a ser um personagem importante não mais do século XX, mas do XXI, talvez tenha vivido antes de seu tempo, vendo não a terra como bem explorável, mas sim um ser digno de respeito e de direito. Essa ideia da terra aparece também nos pensamentos dos povos indígenas, de que a terra não é apenas um recurso, mas tem seus direitos, é como uma mãe generosa, que quer que seus filhos vivam muito”.
Riqueza mundial em 2010
Abordando de maneira didática, Pedro Ribeiro de Oliveira explicou o valor total da produção mundial, que é algo como 63 trilhões de dólares. “Se dividirmos esse valor por 7 bilhões de seres humanos, cada ser humano tem uma renda anual per capita de 9 mil dólares por ano. Em reais, de R$ 1.500 por mês. No Brasil, cada pessoa aqui residente teria pouco mais de 10.000 dólares por ano.”
Para os bilionários, continuou o conferencista, essa seria uma péssima notícia, pois iriam repartir suas riquezas. “Ou seja, há riqueza, tem-se que dividir, mas alguns (que têm muito) não querem.” E analisou: “Não se trata de crescer mais, mas de desenvolver recursos que possibilitem uma vida gostosa e feliz. Riqueza há. A questão é que muitos têm pouco e poucos têm muito”.
“Gandhi já dizia que podemos viver muito bem com modo de produção e consumo voltado para o bem-estar de todos os seres vivos”, acrescentou Pedro, que comentou ainda a hipótese da “ideia de comunidade de vida – expressão usada na Carta da Terra; Bem-Viver ou bom-viver – culturas andinas, com a ideia que nasceu nas lutas da Bolívia e Equador, com um ideal de vida boa, que não é uma volta ao modo de vida anterior a colonização espanhola ou portuguesa, mas de buscar uma forma de harmonia consigo mesmo, com outras pessoas, com a terra mãe, com filhos e filhas de outras espécies, com os seres vivos etc.”.
Economia Solidária
Outra ideia, para o professor, é a economia solidária como proposta para todos os âmbitos da economia.
Rede de Bill Gates
Em relação à sociedade atual e às mudanças que têm ocorrido, Pedro Ribeiro pensa que “a grande invenção do século XX foi Bill Gates ter abordado a questão da rede, que são unidades autônomas de sua gestão, mas articuladas entre si na construção de projetos comuns. Essa é a grande novidade: não mais uma autoridade central que decide onde e como caminhar. Essa ideia de rede, que começa a se ver nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), é muito interessante”.
Decrescimento
Pedro de Oliveira citou ainda as ideias de Serge Latouche “que fala que desenvolvimento não implica crescimento”. Mas podemos, segundo ele, nos desenvolver até o final da vida. “Isso vale também para a economia. Se estamos gastando mais que a terra nos permite consumir, o grande planejamento hoje é o do decrescimento. É uma utopia? é. Mas, ou pensamos nele agora ou teremos que enfrentar essa crise como uma crise que veio de uma hora para outra.” Será, para Pedro, o que chamamos no Brasil de apagão. “E sabemos que um dia ele virá, não se sabe quando, mas é inevitável.”
Interpelações ao cristianismo
Temos hoje que pensar em novas alternativas, alternativas de pensamento. Para o conferencista, a economia verde traz um novo fôlego ao capitalismo. Nesse sentido, fazem-se necessárias alternativas de outro mundo possível em gestação e ensaios de novos paradigmas. “Nos falta uma elaboração teórica de outro mundo possível. Só pode contribuir com o processo quem está dentro dele, não adianta ficar do lado de fora, nas academias, se não se faz na prática, se não se está vivendo a teoria na prática.”
“No Catolicismo, fala-se ‘salva a tua alma!’. Isso vale na religião, mas também na economia, na política, em tudo. Ora, essa concepção tem afinidade com o sistema econômico de mercado, que é a liberdade de comprar e vender, se posso comprar e vender o que quiser, eu sou livre”, acrescentou o professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas - PUC-Minas.
Para Pedro de Oliveira, um novo paradigma de conhecimento que nos permita ir além para pensamos nos direitos da terra e de outros seres humanos é fundamental. “Tenho impressão de que temos aí um grande desafio para nós que somos seguidores e seguidoras de Jesus.”
Limites
Para ele, é certo que o crescimento da produção está chegando ao seu limite. “E isso está gerando escassez. Ainda que a economia verde aumente o Produto Interno Bruto - PIB, isso trará mais concentração, ao menos que haja uma drástica redução de pessoas no planeta. Em vez de 7 bilhões, se fossemos 2 bilhões, daria. O problema é: quem seriam os 5 bilhões a serem eliminados? Provavelmente, nós seríamos um deles.”
Pobreza e infelicidade
Em nossa cultura, continua, pobreza é sinônimo de infelicidade. “Ninguém precisa ser rico para ser feliz. Podemos ser felizes vivendo sem riqueza, não vivendo de miséria nem de fome, e nossos povos indígenas nos mostram que podemos ser felizes sem muito, de inúmeras maneiras. Mas não sabemos dizer isso para toda a sociedade, que podemos ser felizes sem sermos ricos.” A Teologia da Libertação, acrescenta o docente, vem trabalhando muito bem isso, “mas agora a conjuntura é outra. Os teólogos devem seguir adiante com novas perspectivas do conhecimento, que condena a morte dos pobres e muitas espécies de seres vivos”.
Os momentos mais felizes da vida de Pedro Ribeiro não foram quando ele estava comendo um banquete, mas quando estava com pessoas amigas. “Nas comunidades, o povo nos ensina de que é possível ser feliz com pouco. É claro que com miséria e fome ninguém é feliz, mas como o necessário, sim.”
Em 40 anos de Teologia da Libertação, é tão difícil, segundo Pedro de Oliveira, ter uma vida pobre e feliz. “Não sou religioso, mas admiro muito a vida religiosa, principalmente por esse voto de pobreza que diz: ‘Podemos mostrar ao mundo que somos felizes sendo pobres’, mas, de fato, poucas vezes vemos no mundo religiosos e religiosas pobres e felizes”, admitiu. E completou: “Creio que as experiências vividas, mais que a teoria, dizem sim, que podemos ser felizes sem sermos ricos. Mas as propagandas nos invadem para todos os lados dizendo totalmente o contrário”.
E pontua: “Gostemos ou não gostemos do agrotóxico ou da agricultura organicamente modificada, os transgênicos, eles vão ser implantados. Gostemos ou não do agronegócio, precisamos dele para crescer. Gostemos ou não da mineração, o Brasil está sendo exportado para a China como forma de minério, de energia”.
Pedro de Oliveira vê uma grande novidade no bom-viver, “porque não soa como alguma coisa normal; obriga-nos a pensar que é um projeto realmente diferente. E por que não essa proposta alternativa de não interferência na cultura de outros povos? Que cada povo possa se desenvolver de acordo com sua cultura e suas necessidades?”
Para ele, não existe mais possibilidade de fechar completamente as fronteiras, devido à comunicação, informação, rede e a Internet. “Devemos saber lidar com o mundo global. A mudança será planetária ou não será possível fazer mudanças pontuais. Quando era jovem queria fazer a revolução brasileira, pois me espelhei na revolução cubana. Hoje não quero mais isso. Atualmente, a humanidade é uma só. Deve haver uma mudança planetária.”
Trata-se de conciliação ou reconciliação?
“Creio que a Teologia da Libertação, mas principalmente a Igreja da Libertação, rompe com a ideia de salvação individual, e nos traz a ideia de que o importante não é pensar se a alma vai ou não para o céu depois da morte, mas se os nossos valores são capazes de nos libertar aqui na terra. Então, a religião sempre tem uma dimensão política”, frisou. “Creio que começamos a entender melhor que somos diferentes, mas não superiores uns aos outros.”
Um estilo de vida diferente
Por fim, o ponto principal da Conferência de Pedro Ribeiro foi justamente pensar um estilo de vida diferente, “e isso é pensar a total recuperação dos trabalhadores, o que é muito difícil, mas não creio que seja impossível”. Para ele, é preciso repartir, “com uma boa divisão, ninguém passará fome neste planeta, mas também ninguém viajará em primeira classe com banho quente. Esse é o grande absurdo. O consumo exacerbado dos ricos”.
A reportagem é de Thamiris Magalhães Foto: Mariana Staudt
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Por um socialismo possível. A proposta de Pedro Ribeiro de Oliveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU