21 Setembro 2012
O Brasil pode preservar grandes áreas de floresta e margens de rio e, ao mesmo tempo, desenvolver seu agronegócio. Essa é a avaliação do cingalês Mohan Munasinghe, vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e covencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2007 (com o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore). Ele esteve ontem em Brasília para uma conferência internacional de sustentabilidade. Ele critica a visão radical, "preto ou branco", dos ruralistas brasileiros no debate do Código Florestal, mas elogia a participação social na política de tratamento dos resíduos sólidos.
A reportagem e a entrevista é de Iuri Dantas e João Villarverde e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 21-09-2012.
Para Munasinghe, a persistente crise econômica mundial tem levado os países para perto de um "precipício ambiental". Esse cenário, porém, permite também a emergência de novos métodos de consumo e costumes.
Eis a entrevista.
A crise econômica mundial deprimiu o consumo das famílias. Isso pode facilitar uma mudança nos hábitos dos consumidores?
Claro, afinal, estamos chegando perto do precipício. As pessoas mais espertas já perceberam que vamos cair no penhasco, e talvez a crise financeira mundial tenha sido o início desse problema. Temos energia para fazer as correções. O problema é que, ao mesmo tempo, as forças do establishment, que normalmente estão nos governos e nas grandes companhias, não querem essa mudança. A questão é: vamos mudar antes de cair do penhasco ou vamos cair, 10 milhões de pessoas vão morrer e então vamos mudar? A mudança virá. Mas não acredito que os líderes mundiais vão tomar essas decisões, estão olhando para o curto prazo, para a próxima eleição.
Os partidos verdes vêm tentando mudar isso, mas, quando chegam ao poder, repetem as práticas convencionais. Como o sr. vê essa questão?
Mudar a cara da política é importante, mas o que temos visto é que os partidos verdes têm um apelo limitado, da ordem de 10%, 15% do eleitorado, ou seja, fazem sucesso com um nicho, mas nunca chegam ao poder. E, quando fazem parte de uma coalizão, os outros partidos transformam o verde em marrom. Isso não significa, no entanto, que devemos suspender o apoio aos políticos verdes. A chave está nos movimentos sociais. Devemos encorajar os empresários a andar numa direção mais responsável, não apenas o sistema político. Temos de convencer as pessoas que isso não é um sacrifício.
Nas conferências de clima, os emergentes tentam convencer e os mais ricos hesitam em assumir compromissos porque querem construir suas indústrias...
É uma questão complexa. Há dois casos relevantes de poluição: a local - não há dúvida de que nenhum país deve poluir, porque seus cidadãos vão sofrer - e a global - os gases de efeito estufa e dióxido de carbono, em que os emergentes têm a posição certa. Eles dizem: 80% dos gases liberados foram resultado de políticas dos países ricos e agora eles precisam fazer mais para resolver. É tolo para um político defender que vai poluir porque os outros o fizeram. A solução é aprendermos com a experiência dos ricos.
É factível avançar sem reduzir a dependência de combustíveis fósseis?
Há sempre a questão do custo. Há energia suficiente do Sol para suprir nossa demanda por 500 anos, mas a que preço? Um é o custo econômico, para construir os equipamentos, o que é muito caro. Mas há também os custos sociais e ambientais, que ignoramos por muitos anos. Operações como a exploração de petróleo em águas profundas, o óleo de xisto nos EUA, petróleo e gás no Ártico, todas elas têm custos ambientais altíssimos. Se incluirmos esse risco ambiental ou se fizermos essas atividades com salvaguardas, vamos descobrir que o custo é muito mais alto. E há o custo social. Se deixar tudo em questão de tecnologia, vão justificar os combustíveis fósseis para manter as empresas de petróleo.
O Brasil deveria adotar salvaguardas e tornar o petróleo do pré-sal mais caro, por exemplo?
Não posso dizer nada específico sobre o Brasil, mas minha impressão é de que é bom para qualquer companhia de petróleo diversificar. Se só investe em exploração em detrimento do meio ambiente, não dura muito. Veja o Golfo do México: não fizeram direito e tiveram de gastar bilhões em indenização. Vale mais investir em preservação para evitar gastos maiores depois.
Como o sr. vê a política brasileira de resíduos sólidos?
Percebo que a participação social no processo é maior. A maioria das iniciativas para lidar com resíduos sólidos no contexto urbano, nos países desenvolvidos, tem se baseado em tecnologias para tratar os resíduos. Mas precisa envolver as pessoas, porque não é apenas lidar com o volume de lixo, mas talvez reduzir a quantidade.
A questão ambiental tem atenção pontual no Brasil, nas concessões de logística, Belo Monte e outros, mas não faz parte de uma agenda permanente. Como resolver esse problema?
Isso é um problema mundial. Vocês têm pessoas como Chico Mendes, como os irmãos Villas-Boas, que podem inspirar os mais jovens. Não quero fazer previsões, mas acho que o Brasil é o país onde há mais esperança, onde a mudança será feita antes de cair no penhasco. Você pode integrar sustentabilidade em todos os aspectos, de forma muito prática, não é algo que você acrescenta depois. Pode ser feito em toda parte, na energia, no agricultura.
Mas os ruralistas não veem as exigências ambientais como um benefício, mas como custo, especialmente na recomposição de áreas desmatadas.
No mundo, a falta de água e a degradação da terra estão ligadas à crise de alimentos. O Brasil tem sorte porque possui mais recursos, mas se vocês desperdiçarem água e terra também vão ficar sem esses recursos. Sabemos cientificamente que podemos gerenciar os recursos florestais sem abrir mão de produção agrícola ou qualquer outra forma de exploração econômica. Há algumas áreas de floresta nas quais é preciso preservar, como margens de rio, e há outras que podem ter uso sustentável. Esses tipos de gerenciamento florestal estão bem desenvolvidos, não há mais desculpa por não usar. Não é preto e branco, como se você não interromper o desmate não haverá comida. Isso não existe.
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Para Prêmio Nobel, Brasil tem chances de mudar agenda ambiental antes de 'cair no penhasco' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU