22 Agosto 2012
As ONGs humanitárias forçam as más finanças a uma retirada. Os maiores bancos, por enquanto na área germânica, renunciam aos derivados sobre matérias-primas agroalimentares. É o reconhecimento implícito de que nem todas as especulações "aumentam a eficácia" dos mercados. É uma vitória importante, porque abre um precedente. A opinião pública vence onde os governos (ou alguns deles) ainda não conseguiram abrir uma brecha.
A reportagem é de Federico Rampini, publicada no jornal La Repubblica, 20-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A denúncia urgente das ONGs que lutam contra a fome no Terceiro Mundo persuadiu alguns dos maiores fundos de pensão norte-americanos: estes têm um grande poder contratual com os bancos que gerenciam os seus patrimônios. A ameaça de um boicote por parte dos fundos de pensões forçou alguns grandes bancos a se retirar do negócio dos derivados que "apostam" nos preços das commodities agrícolas. Essa reviravolta coincide com o alerta mundial pelo aumento dos preços de trigo, milho e soja, gerado também pela grande seca que atinge o Meio-Oeste norte-americano, "celeiro do mundo".
A capitulação dos quatro
Os primeiros a capitular foram quatro dos maiores bancos alemães: o Deutsche Bank, o Commerzbank, o DekaBank e o banco regional de Baden-Wuerttemberg. Com modalidades diferentes, cada um desses bancos decidiu fechar ou redimensionar os seus fundos de investimento que usam títulos derivados ligados aos preços das matérias-primas alimentares. O Deutsche Bank é um maiores operadores mundiais nesse setor, através de fundos cotados na Bolsa que se chamam Fundos de Commodities Exchange Traded Funds (ETFs).
O Deutsche gerencia mais de um bilhão de dólares em ETFs ligados aos preços agrícolas mundiais. O Commerzbank tem 145 milhões de dólares apenas no fundo ComStage Commodity ETF, que decidiu "depurar" toda ligação com as matérias-primas alimentares. Essa reviravolta é uma vitória para organizações humanitárias como a Oxfam, o World Development Movement e o Food Watch, especializadas na ajuda aos países mais pobres.
Há muito tempo, essas ONGs lideram uma campanha pela proibição dos títulos derivados, cujo valor está indexado aos preços das colheitas. A sua tese é que de que as finanças derivadas, longe de serem neutras, têm um efeito de amplificação sobre as oscilações dos preços, com repercussões dramáticas sobre o padrão de vida de povos inteiros.
A revolta do pão
A campanha contra as finanças derivadas que opera sobre as matérias-primas teve um crescimento no primeiro semestre de 2008. Naquele período, antes ainda que estourasse a "bolha" dos empréstimos subprime nos Estados Unidos, os mercados mundiais registraram uma hiperinflação dos custo das colheitas.
As "revoltas do pão e do arroz" agitaram muitas nações emergentes, do Egito à Indonésia. Mas as tentativas de regulamentar, ou mesmo de vetar, as finanças derivadas sobre as commodities agrícolas sempre encontraram fortes resistências. O boom dos futures (títulos que permitem que se ganhe ou se perca dependendo do preço futuro de determinados bens) não é um fenômeno puramente técnico, mas tem uma clara matriz ideológica.
O nascimento de um mercado global dos futures coincidiu, nos anos 1970, com o auge máximo da "Escola de Chicago", a corrente de pensamento neoliberal liderada pelo prêmio Nobel de economia Milton Friedman. No credo de Friedman, depois adotado por Ronald Reagan, Margaret Thatcher e pelos dois Bush, mas compartilhado também por Bill Clinton e Tony Blair, aquela que na linguagem popular é a "especulação" nada mais é do que a mão invisível dos mercados, cuja ação maximiza a eficiência e a criação de riqueza.
As finanças derivadas, por se deixar guiar pelas previsões sobre o andamento da produção e dos consumos, ajudaria os operadores econômicos a se adequar e, assim, compensar os desequilíbrios entre a oferta e a demanda. Essa visão, muito abstrata, inspirou um "ciclo longo" de reformas dos mercados no sentido da desregulamentação. Coincidindo com o pensamento de Friedman que levou à liberalização dos movimentos de capitais em todo o Ocidente, a revolução da informática escancarou potencialidades infinitas para as novas finanças.
O neoliberalismo sempre teve adversários também no campo teórico. Não é por acaso que a ideia de uma Tobin Tax – um imposto sobre as transações financeiras – leva o nome de outro Nobel de economia, o neokeynesiano James Tobin, que defendia a utilidade de colocar um "grão de areia" (fiscal) nas engrenagens dos mercados financeiros hipertrofiados, cada vez mais desvinculados da economia real.
O debate sobre a Tobin Tax ainda está em curso, assim como o debate mais específico sobre os derivados agrícolas que interessa em primeiro lugar às nações emergentes. Mas, em nível governamental, os progressos foram modestos. A Tobin Tax goza do apoio dos governos da Europa continental, mas teria pouco impacto enquanto Londres se recusar a aplicá-la em sua própria casa, sendo o maior centro financeiro europeu.
A primeira potência emergente que vetou os derivados sobre as commodities agrícolas foi a Índia: o trading sobre os futures de soja e arroz são proibidos na Bolsa de Mumbai há um ano. E, no entanto, a Índia também sabe que tem um impacto limitado, porque a maior parte das operações sobre os derivados agroalimentares ocorre na Bolsa de Chicago, com um efeito desproporcional sobre os preços dos alimentos no mundo inteiro.
Obstáculos políticos
É por isso que a ação das ONGs humanitárias é um resultado interessante: contornou os obstáculos políticos e as lentidões intergovernamentais. Justamente enquanto era lançado no G20 o enésimo alerta sobre o choque inflacionário da seca, as ONGs "curvaram" alguns fundos de pensão norte-americanos.
A primeira vitória foi obtida pelos missionários norte-americanos da organização Catholic Maryknoll, que convenceram o segundo maior fundo de pensão dos funcionários estatais dos EUA, a CalSTRS, a cancelar 2,3 bilhões de dólares de investimentos em títulos derivados ligados a matérias-primas agrícolas, para não endossar manobras especulativas que acentuam os sofrimentos das populações mais pobres.
A Oxfam e outras ONGs deram à campanha um alcance global, obtendo resultados significativos na Alemanha.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
''Chega de negociar com os preços dos bens alimentares'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU