Por: Cesar Sanson | 02 Agosto 2012
“A elite econômica e política do país se recusa a admitir que a transição para uma economia sustentável é imperativo inarredável (...) O establishment econômico e político reunido em torno do PT, PSDB, PMDB e PFL/DEM, resiste e insiste em um modelo de desenvolvimento ultrapassado que prejudicará seriamente o Brasil no curto e médio prazo”. O comentário é de Sérgio Abranches em artigo no blog EcoPolítica, 0-08-2012.
Eis o artigo.
Terminou a greve dos caminhoneiros, mas não acabou o problema. A negociação com o governo resultou em outra meia-sola numa política que é atrasada, cheia de furos e contradiz todos os princípios da sustentabilidade, sociais e ambientais.
Disciplinar o trabalho nas estradas, principalmente dos caminhoneiros independentes e das pequenas empresas, era essencial para a segurança deles e para a segurança coletiva. O problema é que a forma pela qual essa regulação foi implementada prejudica o caminhoneiro. Além disso, caminhoneiro que vive da competição predatória por fretes, a qual reduz sua receita a um mínimo, dificulta sua subsistência e impede a manutenção adequada dos caminhões e sua renovação, trabalha sempre no limite. Roda sem condições, na base do rebite – dos estimulantes e das drogas – pondo em risco suas vidas e a das pessoas que circulam pelas estradas.
Deixamos que inúmeras distorções fossem se acumulando por várias décadas. Agora, temos um enorme problema social, ambiental, logístico e econômico que só pode ser resolvido adequadamente com muita estratégia e muito planejamento.
A elite econômica e política do país se recusa a admitir que a transição para uma economia sustentável é imperativo inarredável. Adiá-lo, só aumenta nosso passivo socioambiental e prejudica nossa competitividade no século 21. Estamos transformando em ameaça o que seria uma vantagem para o país. Temos todos os recursos naturais e vocações básicas para sermos o primeiro país a fazer a transição para a economia verde, a economia sustentável. Mas o establishment econômico e político reunido em torno do PT, PSDB, PMDB e PFL/DEM, resiste e insiste em um modelo de desenvolvimento ultrapassado que prejudicará seriamente o Brasil no curto e médio prazo.
Muitos pensam – e aí não só a elite dominante – que o centro de nossa transição para a economia verde é o fim do desmatamento. Desmatamento zero é mais que uma necessidade, uma obrigação. Mas o pivô central de nossa transição para a economia do século 21, sustentável e de bem-estar está na logística, na energia e na mudança científica e tecnológica, inclusive e principalmente na Amazônia.
Vou tratar aqui da confluência entre energia e logística na base da longa série de erros e distorções de política, que tem um de seus sintomas nesse impasse dos caminhoneiros.
O Brasil nasceu um país ferroviário e se transformou em um país rodoviário, quando rodovia era um dos símbolos mais fortes do progresso. Elas estavam lá nos planos econômicos de Getúlio Vargas e tinham papel decisivo nas metas de Juscelino Kubitschek. Durante todo esse processo, o ministério dos Transportes e o DNER, depois substituído pelo DNIT, se tornaram o objeto da cobiça de políticos populistas, cercados de empreiteiras por todos os lados. Mesmo na ditadura, quando foi ocupado por militares, eles foram cooptados pelo clientelismo. Eu diria que vivemos até hoje um verdadeiro coronelismo rodoviário no Brasil: clientelismo, rodovias e voto. Hoje, o principal vetor de desmatamento na Amazônia é esse coronelismo estradeiro, associado ao da grande hidrelétrica. Os dois vão juntos, como símbolos carcomidos do sonho de progresso dos anos 1950.
O ministério das Minas e Energia também sempre foi peça de primeira linha nos acordos para formação das coalizões clientelistas, desde aquela época, cercado de empreiteiras por todos os lados. Com o setor todo estatizado, as diretorias das elétricas e da então poderosa Eletrobrás eram objeto de intensa negociação política. O grau de qualidade técnica da gestão nessas duas áreas sempre dependeu da capacidade dos dirigentes de conciliar os interesses clientelistas com algum planejamento de qualidade. Em suma, transportes e energia, no Brasil, sempre foram politizados e parte dos acordos políticos de governança. A sorte das empreiteiras dependentes dos contratos governamentais sempre foi determinada politicamente. Inflam e desinflam ao sabor de suas ligações com os mandatários de cada época. Mas, voltemos à logística.
O resultado desse coronelismo rodoviário é claro: alto custo de transportes, grande ineficiência e infraestrutura em péssimo estado. Gasta-se muito, para fazer pouco e mal. O resto escoa pelos ralos dessa relação promíscua entre governo e empreiteiras.
Atualmente, no Brasil, 63% de toda a carga são transportados por caminhões. Parcela significativa dessa carga rodoviária, entre 50% e 80%, dependendo do setor, é terceirizada. Na média deve estar próximo de 70%. E a maior parte dessa carga terceirizada vai para pequenas empresas e caminhoneiros independentes. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese – em 2008, 62% da frota de caminhões rodando pelo país eram de propriedade de autônomos. O quadro não deve ter mudado muito nos últimos quatro anos.
Paulo Fernando Fleury, do Instituto ILOS, estima que o custo logístico do país seja de perto de 12% do PIB. Entre 50% e 60% desse custo é transporte. Pesquisa do Instituto ILOS mostra que 81% dos executivos de logística entrevistados apontam a redução de custos como o principal motivo para a terceirização.
Essa preocupação com a redução dos custos está obviamente associada ao rodoviarismo e suas contradições. Os fretes no Brasil têm se mantido estáveis nos últimos cinco anos, mas os custos estão em elevação. Só 13% das rodovias estão pavimentadas. A idade média da frota de caminhões é de 15 anos, segundo a Anfavea, e tem custo médio de manutenção muito elevado. A má qualidade da infraestrutura provoca o desgaste excessivo da frota envelhecida. De um lado, os fretes são pressionados para baixo pela competição predatória e pela pressão das empresas com grande poder de barganha, de outro, os custos são pressionados para cima. Espremidos por essas forças contrárias, os caminhoneiros são forçados a rodar acima do limite para manter o faturamento. Forma-se um quadro social dramático, que mantém um clima de permanente tensão e conflito reiterado. Com o tempo, a escala do problema aumentou de forma exponencial, tanto do ponto de vista social, como econômico e logístico, e ambiental.
No plano ambiental, o quadro extremamente negativo começa pela excessiva concentração do transporte de cargas no modal rodoviário. Se tivéssemos a mesma distribuição de cargas por modais que os Estados Unidos, calcula Paulo Fernando Fleury, o setor de transportes teria uma redução de 35% nas emissões de gases estufa. Isso sem falar na péssima qualidade do diesel brasileiro, que piora significativamente a qualidade do ar nas grandes cidades brasileiras, causando sérios danos à saúde coletiva.
Além disso, a política energética tem subsidiado, sistematicamente, os combustíveis fósseis, tanto a gasolina quanto o diesel, em detrimento dos biocombustíveis. A indústria do etanol naufraga sob o peso da queda de produtividade, em grande parte determinada pelo envelhecimento dos canaviais, e da perda de competitividade para a gasolina subsidiada. Os problemas de baixa produtividade provocados pelo envelhecimento dos canaviais, foram dramaticamente agravados por sucessivas quebras de safra causadas por eventos climáticos extremos. Estamos jogando fora bilhões de reais da sociedade – sob a forma dos mais variados subsídios – usados para estimular o desenvolvimento da cadeia do etanol. O biodiesel nunca avançou, sufocado pelo diesel fóssil fortemente subsidiado, por impasses logísticos e falta de um modelo eficiente e competitivo de produção em escala. Os subsídios aos biocombustíveis são superados por aqueles dados aos combustíveis fósseis numa política energética marcada por desperdícios, contradições e profunda falta de visão estratégica.
Essa acumulação de distorções e erros graves de políticas públicas por muitas décadas gera problemas quase intratáveis. Sua solução requer muita estratégia e planejamento, investimentos sustentados por bastante tempo e uma visão integrada, que pense, em simultâneo as questões econômicas, técnicas, sociais e ambientais envolvidas. A busca de uma logística sustentável e a mudança na política energética na direção de fontes renováveis não tradicionais – eólica, fotovoltaica (solar), biomassa – constituem, de fato, o pivô central na transição para uma economia sustentável, socialmente orientada e de crescimento saudavelmente sustentado no brasileiro.
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Greve e bloqueio de caminhoneiros acabam mas problema continua - Instituto Humanitas Unisinos - IHU