01 Agosto 2012
No Brasil há mais de um século, os irmãos maristas fazem votos de pobreza, castidade e obediência. Mas há um outro lado pouco conhecido dos membros dessa ordem religiosa. Eles são também executivos engravatados que administram um enorme complexo de escolas, faculdades, hospitais e veículos de comunicação que juntos têm um faturamento de R$ 2,3 bilhões por ano. Recentemente, foi iniciada uma fase de profissionalização, com adoção de práticas de governança e irmãos formados pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
A reportagem é de Beth Koike e publicada pelo jornal Valor, 01-08-2012.
No país, os maristas se dividem em três unidades administrativas. A maior delas é o Grupo Marista, com receita líquida de R$ 1, 24 bilhão em 2011. Seu processo de profissionalização é o mais avançado.
Há cerca de um mês, o Grupo Marista ganhou uma nova estrutura corporativa em que a diretoria executiva é formada por apenas dois irmãos - o presidente e o diretor da área de solidariedade. Os demais 18 diretores são executivos leigos, ou seja, não são maristas. Antes, a maioria dos diretores era de irmãos. No conselho de administração, são sete maristas e dois conselheiros independentes.
"Uma mudança em uma organização tão grande não é simples, mas fizemos questão de envolver todos nesse processo e não foi de forma repentina. Em 2006, começamos uma reestruturação porque percebemos a concorrência e não iríamos sobreviver sem a profissionalização", disse o irmão Délcio Afonso Balestrin, presidente do Grupo Marista.
Nesta nova etapa, uma das metas é integrar e ganhar sinergias entre as diferentes áreas de atuação do grupo. Até então, os negócios eram geridos de forma independente. Por exemplo, os 16 colégios do Grupo Marista pouco se falavam quando o assunto era gestão. As relações com as faculdades eram ainda mais distantes, apesar de ambos os negócios serem da área de educação. "As pessoas não sabem, por exemplo, que a PUC-PR, o colégio Arquidiocesano e a editora FTD pertencem ao mesmo grupo", disse Marco Antonio Barbosa Cândido, superintendente do Grupo Marista. "Podemos aproveitar as salas dos colégios que ficam ociosas no período da noite para ministrar aulas dos cursos técnicos da PUCTEC", complementou. Tanto Cândido quanto Balestrin tomaram posse dos respectivos cargos há cerca de um mês.
Além dessas sinergias, há os ganhos operacionais. Eles informaram que ainda não sabem quanto podem economizar com a escala maior. Mas já sabem a importância de compras em grandes volumes. A União Marista do Brasil, associação que congrega as três unidades administrativas da ordem religiosa no país, já negocia vários tipos de compras e serviços e consegue preços diferenciados por conta do volume. A associação compra, por ano, 5 mil bolas (de futebol, de vôlei, de basquete) para os 86 colégios maristas. O gasto anual com licenças da Microsoft é de US$ 1,1 milhão.
A maior parte da receita de R$ 1,240 bilhão do Grupo Marista é gerada no setor de educação - R$ 975 milhões vêm de colégios particulares. Em geral, as escolas são bem conceituadas, cobram mensalidades caras que subsidiam as ações sociais do grupo. Mais R$ 230 milhões são provenientes de hospitais; e R$ 35 milhões vêm de negócios suplementares (como as rádios).
Para trabalhos sociais - que incluem concessão de bolsas de estudo, atendimento em hospitais e serviços de assistência social a pessoas carentes - o investimento somou R$ 180 milhões, no ano passado. Esses recursos são provenientes do próprio caixa do grupo que registra anualmente superávit de cerca de 10% sobre a receita líquida. O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) é de 14% sobre a receita líquida.
Na área da saúde, o grupo é filantrópico: 75% dos seus atendimentos são feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os hospitais fazem 375 mil atendimentos subsidiados pelo governo, mas como esse pagamento não cobre as despesas do SUS, o Grupo Marista inaugurou no ano passado um hospital privado, batizado de Marcelino Champagnat (o fundador da ordem dos maristas) para complementar as despesas. "Nessa nova etapa de profissionalização, todos os irmãos já se conscientizaram que precisamos crescer economicamente para expandir nossas ações sociais", diz irmão Délcio.
Apesar de já ter feito algumas parcerias (há dois anos fechou uma com o centro universitário Católica de Santa Catarina), a meta do grupo é crescer organicamente e sozinho. Entre os projetos, estão a construção de um colégio em Joinville para 1,5 mil alunos; e mais dois colégios em cidades localizadas no Sul e Centro-Oeste do país. O sistema de ensino profissionalizando PUCTEC será ampliado para outras regiões fora do Paraná. E um teatro será inaugurado em novembro em Curitiba.
A origem dos irmãos maristas
O Instituto dos Irmãos Maristas foi fundado por Marcelino Champagnat no vilarejo de La Valla, na França, em 1817. O nome Marista é originário de Maria, mãe de Jesus, da qual Champagnat era um grande devoto. Aos 27 anos, foi ordenado padre e logo em seguida tornou-se vigário na região em que nasceu, caracterizada pelo isolamento e carência cultural. Mas ao contrário de Champagnat, os maristas não são padres. Eles são conhecidos como irmãos e o ponto em comum com os padres é que eles também não podem se casar ou ter bens em seus nomes.
A missão dos maristas é evangelizar por meio da educação. Dentro da hierarquia eclesiática, o posto mais elevado é o de Superior Geral, em Roma, na Itália. Desde a morte de Champagnat em 1840, aos 51 anos, 13 irmãos foram nomeados para o posto de Superior Geral, hoje ocupado pelo catalão Emili Turú.
É de Roma que saem as ordenações para os 4 mil irmãos maristas presentes em 79 países. No mundo, há 26 unidades administrativas, denominadas províncias, que podem englobar vários países. No Brasil, um país de grandes dimensões, há três unidades administrativas.
O Brasil é o país com o maior número de pessoas atendidas pelos maristas, que somam aproximadamente 400 irmãos. Nas unidades administrativas, o cargo de maior relevância é o de Superior Provincial, nomeado a cada três anos pelo Superior Geral, de Roma. Cumpridos os três anos, volta a atuar como irmão.
Sem internet, o livro viajava de navio
A trajetória da FTD no Brasil, uma das maiores editoras de livros didáticos do país, é recheada de histórias interessantes desde a sua fundação, em 1902.
A editora foi trazida pelos irmãos maristas que tinham criado na época os colégios Carmo (que não existe mais) e Glória, ambos em São Paulo. "Os irmãos franceses queriam bons livros escolares para suas escolas, mas não encontravam no Brasil. Decidiram, então, desenvolver os próprios livros que vinham da França e iam para a França diversas vezes durante a revisão. A impressão e o acabamento eram feitos em Lyon. Isso tudo aconteceu durante quase 30 anos e era feito de navio, não havia e-mail na época", brinca o irmão Dario Bortolini, vice-presidente da FTD, de 73 anos, sendo 55 de vida marista.
Um dos irmãos mais velhos na comunidade marista e com passagem em diversos cargos na comunidade, Bortolini disse que a profissionalização é essencial para a sobrevivência do grupo. "Vejo claramente a necessidade da profissionalização. Não podemos ficar parados", disse o irmão que fez curso de gestão no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e em outros países.
O nome FTD é uma homenagem as iniciais do nome do frère (irmão) Théophane Durand, Superior Geral do Instituto Marista entre 1883 e 1907.
O primeiro livro da FTD foi de matemática e intitulado "Exercícios de Cálculo sobre as Quatro Operações". Outra obra que marcou a editora na época foi uma sobre logaritmo.
A FTD na França não pertence mais aos irmãos maristas. Atualmente, está presente em outros países, mas com outro nome, como, por exemplo, Progresso no México. As editoras dos maristas têm forte presença na Espanha, Argentina, México e Brasil.
"Tinhamos uma presença bem maior no mundo, mas aconteceram muitos episódios. Na Revolução Espanhola queimaram muitos livros nossos e em Cuba fomos expulsos. O Fidel [Castro, ex-presidente de Cuba] pegou todos os nossos livros", lembrou o irmão que no início de sua vida marista ministrava aulas de Biologia nos colégios.
No mercado nacional, a FTD está sempre entre as líderes na venda de livros escolares para o governo e mercado privado. Por ano, a casa editorial vende cerca de 32 milhões de exemplares para as livrarias e o governo. Somente para o MEC a editora fechou vendas de R$ 162 milhões no último programa de livros escolares. No ano passado, a FTD registrou um lucro líquido de R$ 44,4 milhões, o que representa um aumento de 83% sobre o desempenho de 2010. A receita líquida da empresa cresceu 29%, atingindo R$ 424,6 milhões no ano passado.
Além dos didáticos, a FTD vem diversificando sua atuação entrando nos segmentos de sistemas de ensino (apostilas) e literatura juvenil.
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Grupo Marista profissionaliza comando para gerir R$ 1,2 bi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU