30 Junho 2012
A cúpula em nível de chanceleres começou com um fato previsível e com uma surpresa. O previsível foi a confirmação de medidas para evidenciar a repulsa sul-americana à ruptura institucional no Paraguai. A surpresa, a renúncia do brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães (foto) ao seu cargo de alto representante (chefe máximo com missão de negociação) do Mercosul.
A reportagem é de Martín Granovsky, publicada no jornal Página/12, 29-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Diplomata de carreira e filiado ao Partido dos Trabalhadores, Pinheiro Guimarães foi vice-ministro das Relações Exteriores e depois secretário de Assuntos Estratégicos com posto de ministro durante os oito anos do governo Lula.
Seu desgosto à baixa consistência do Mercosul não é novo. Ele tinha deixado escapar isso em público como faz um diplomata, isto é, dizendo que seria bom incorporar um maior nível de intercâmbio social e político, e assinalando assim que a coesão não era o forte do mercado comum. Ele também costumava comentar a falta de políticas para com os dois países menores, Paraguai e Uruguai.
A oportunidade escolhida por esse diplomata com peso intelectual não entusiasmou, justamente, nem ao governo brasileiro nem ao argentino. No caso brasileiro, além disso, não eram simétricas as expectativas de Pinheiro e as do governo liderado por Dilma Rousseff sobre os planos concretos e a autonomia prática do alto representante.
De todos os modos, inclusive a crise menor dentro da crise maior, a renúncia dentro da interrupção da ordem institucional em um dos quatro sócios, serve como uma revisão do tabuleiro.
Em 1991, a constituição do Mercosul em meio a regimes neoliberais diluiu a coordenação político prévia entre a Argentina e o Brasil, e deu um tom comercial a uma relação econômica que se baseava na integração administrada de setores produtivos.
A coordenação dos tempos de Raúl Alfonsín e de José Sarney voltou com Lula e Néstor Kirchner, foi reinstalada e continua. O Brasil e a Argentina, embora sejam mais díspares em tamanho relativo do que em 1985, exibem uma sintonia política muito fina sobre a América do Sul e sobre o mundo, e o volume de seu comércio é hoje 13 vezes maior do que em 1991. No entanto, não encontraram uma saída para a situação do Uruguai e do Paraguai, países que, aliás, não têm semelhanças políticas, econômicas e institucionais. Por exemplo, o Uruguai é uma democracia consolidada, e o Paraguai nunca estabilizou totalmente o regime constitucional que começou com a derrubada de Alfredo Stroessner pelo general Andrés Rodríguez em 1989.
O establishment paraguaio nestes dias levanta o assunto com afronta. Dirigentes colorados ou blancos defendem que não importa se o Mercosul irá castigar o Paraguai, porque o Paraguai já foi castigado desde sempre.
A afronta é que eles se baseiam em um argumento com fundamentos em parte reais para encobrir a estratégia de que "aqui não aconteceu nada". É um modo de reagir ao isolamento político em que o governo de Federico Franco ficou depois da destituição relâmpago de Lugo. Relâmpago nas formas finais, claro, porque antes houve 23 pedidos de julgamento político que haviam se tornado mais frequentes quanto maior era a debilidade política do ex-bispo.
Hoje é improvável que surja como conclusão do Mercosul um bloqueio econômico e comercial. Primeiro, porque os vizinhos, incluindo a Argentina, disseram que descartam essa opção. E, segundo, porque, se quisessem, não poderiam fazer isso. Como seria possível bloquear uma economia porosa onde o contrabando tem seu peso? Como desconectar um país de onde vem 15% da energia elétrica argentina e 20% da brasileira?
O Mercosul enfrenta um desafio que não é novo, mas que a crise paraguaia mostra em toda a sua crueza. Nesse ponto, crescem as chances de entrada da Venezuela como membro pleno, como o Página/12 informou, embora ainda não se saiba se por meio da suspensão de direitos do Paraguai, cujo Senado havia desaprovado, ou mediante uma mudança no regulamento de incorporação de novos membros, mecanismo já acordado por sugestão formulada em uma cúpula anterior pelo presidente uruguaio, José "Pepe" Mujica.
Também nesse ponto se entendem melhor os motivos da construção da Unasul, uma forma de integração política em primeiro lugar a partir dos chefes de Estado que não só protege os afins a Lugo, mas também os afins, em geral, às regras da democracia. Lugo é um espelho em que nenhum presidente, de Hugo Chávez a Sebastián Piñera, desejaria se ver.
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Mercodilemas, mercosurpresas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU