27 Junho 2012
O presidente deposto Fernando Lugo recebeu Zero Hora às 16h40min (17h40min em Brasília) na sede do Partido País Solidário. O prédio, no centro de Assunção, foi transformado em quartel-general da resistência. Diferentemente do fim de semana, quando dezenas de jornalistas se aglomeravam à espera da uma declaração de Lugo, ontem, apenas alguns poucos repórteres paraguaios esperavam pelo presidente.
A entrevista é de Rodrigo Lopes e publicada pelo jornal Zero Hora, 27-06-2012.
Na parte de dentro do prédio, de um andar apenas, uma mesa longa para reuniões, na qual estavam sentados alguns assessores. Ao centro, um pequeno notebook, no qual estava sendo editado o áudio de uma fala do ex-presidente. Ao fundo, uma mesa com café, chá e alguns biscoitos.
Lugo recebeu ZH em uma sala envidraçada, sentado a uma mesa, tendo como fundo um cartaz com o símbolo de uma mão segurando uma rosa, da Internacional Socialista. Ao lado, a bandeira do Paraguai.
Apesar da solidariedade internacional que recebeu, o novo governo e seus aliados ganham cada vez mais legitimação interna e tentam projetá-la para o Exterior.
Ontem, um grupo de produtores rurais brasiguaios circulou por Brasília para defender que o Paraguai não sofra punições no Mercosul e que o Palácio do Planalto reconheça o novo presidente, Federico Franco.
Eis a entrevista.
O senhor acredita que é possível reverter a situação? É possível, a esta altura, voltar a ser presidente?
Aqui, no Paraguai, há uma frase muito comum na classe política: em política, tudo é possível, inclusive fazer um julgamento injusto, sem argumentos. É possível destituir o presidente sem ter ferramentas jurídicas racionais. Se isso é possível, também o outro (voltar a ser presidente) é possível.
Como?
Há dois caminhos. Há o caminho jurídico, que neste momento está fechado. A Suprema Corte ratificou a constitucionalidade do que decidiu o Congresso. O caminho político é que o parlamento pudesse reverter sua decisão. É muito difícil, mas, como lhe disse, não é impossível.
E levar o caso a cortes internacionais de Haia e à OEA, o senhor vai tentar?
Sim, vamos analisar. Neste momento, estamos escutando o debate na OEA (que decidiu enviar uma missão ao Paraguai). É interessante que um veículo de comunicação perguntou a Federico Franco quais os presidentes que o felicitaram por assumir a presidência. E ele foi pego de surpresa. Nenhum. Aqui algo aconteceu. Não é como alguns veículos de comunicação locais que querem dizer que aqui não ocorreu nada, que a vida segue normal. Aqui ocorreu algo, aqui foi rompida a ordem constitucional, a ordem jurídica, a ordem democrática. Mas teve uma roupagem formal, legal.
O senhor recebeu algum telefonema da presidente Dilma ou do ex-presidente Lula?
Temos nos comunicado, hoje mesmo, com Marco Aurélio Garcia (assessor especial da Presidência). Com ele mantemos mais a comunicação. Na sexta-feira, quando os chefes de Estado estavam na reunião da Rio+20, o presidente Mujica (presidente do Uruguai, José Mujica) me telefonou. A presidente Dilma já estava analisando a situação do Paraguai.
Lula não ligou?
Não conversei com Lula, mas ele estava na manifestação em frente à embaixada paraguaia, qualificando como um verdadeiro desastre o que aconteceu no Paraguai, destituindo o presidente Lugo.
Nesta tarde, o senhor desistiu de ir à Cúpula do Mercosul, em Mendoza. A sua ausência não tira força da resistência?
De jeito nenhum. Isso reforça a resistência local.
Como?
Porque vou estar com as pessoas aqui. Não vou por três motivos: primeiro, porque o Mercosul tem informação de primeira mão. Se eles querem que eu vá por uma questão testemunhal, para ter informação..., os chanceleres estiveram aqui nesses dias. Patriota (chanceler brasileiro, Antonio Patriota), Timerman (chanceler argentino, Héctor Timerman), o de Uruguai também, do Chile, de todos os países de Unasul. Eles visitaram os partidos políticos e foram ao Congresso Nacional. Falaram comigo também. Eles têm análises e fotografias dos fatos. Também os embaixadores foram chamados, do Brasil, da Argentina, do Uruguai. E aí eles têm a informação, não apenas da semana passada, têm a informação dos três anos e meio de governo. Em terceiro, minha presença lá. Não quero que considerem uma pressão para suas decisões. Para que os presidentes do Mercosul possam decidir com liberdade e autonomia que consideração merece o governo que se instalou no Paraguai.
Para que o parlamento volte atrás, não falta mais resistência popular, pessoas nas ruas?
Há uma equipe política que está trabalhando nisso. Nesse momento, as manifestações estão ocorrendo nos departamentos. Há em Misiones, em Caaguazú, amanhã será em San Pedro, em Concepción. Não está descartado que decidam se é conveniente ou não que venham também a Assunção, para a frente do parlamento, fazer escutar sua indignação.
O senhor convocou?
Não. É iniciativa deles, cidadã, do exercício de seus direitos, o direito de falar, de se manifestar, direitos saudáveis para uma democracia.
É verdade que o senhor insuflava a xenofobia e ocupações de sem-terra contra os brasiguaios? Hoje, eles vieram apoiar Franco. O senhor apoiava os carperos (sem-terra) contra os brasiguaios?
Não. Este presidente, Fernando Lugo, em acordo com Lula, foi quem garantiu aos brasiguaios todas e absolutas garantias para que possam realizar seus trabalhos no agronegócio no Paraguai, sua produção e que possam viver dignamente. Além disso, eles mesmos dizem que não são brasiguaios, são paraguaios. Então, não poderiam dizer que estive a favor dos carperos. Este presidente não esteve contra ninguém. Sempre estive a favor de todos, tratando de buscar soluções pacíficas, tratando de desenvolvimento do país com harmonia, com os brasiguaios, coreanos, com os sírio-libaneses, com todos os imigrantes. Os imigrantes deram uma grande contribuição ao desenvolvimento econômico do país e uma grande contribuição cultural. Por isso, a contribuição dos brasiguaios é importantíssima.
O senhor está cansado de tudo isso?
Não (risos).
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“Sempre estive a favor de todos”, diz Lugo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU