31 Mai 2012
A brutal demissão do "banqueiro do papa" e, depois, a prisão do mordomo de Bento XV provocaram estupor. Esses escândalos trazem à tona graves disfunções internas, que prejudicam a clareza da mensagem do pontífice.
A reportagem é de Frédéric Mounier, publicada no jornal católico francês La Croix, 29-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por que o banqueiro do papa foi demitido?
Na quinta-feira passada, Ettore Gotti Tedeschi, presidente do IOR ("Instituto para as Obras de Religião"), foi brutalmente expulso do conselho de supervisão do "Banco do Papa", composto por quatro banqueiros. Parece que essa decisão sobre esse fiel servidor de Bento XVI foi tomada sem o consentimento nem do papa nem do cardeal secretário de Estado, Tarcisio Bertone.
Segundo um dos participantes, "Gotti não se ocupava do seu trabalho. Ele falava muito de transparência, mas não a praticava". No entanto, Ettore Gotti Tedeschi, "grande banqueiro" do papa, profissional reconhecido internacionalmente, próximo ao Opus Dei, colunista do L'Osservatore Romano, havia sido chamado a esse sensível cargo no dia 24 setembro de 2009 pelo papa, que queria que fossem respeitadas as normas internacionais nas finanças vaticanas, suspeitas, a partir dos escândalos dos anos 1970, de práticas pouco transparentes.
Ettore Gotti Tedeschi havia se oposto duramente ao cardeal secretário de Estado, Tarcisio Bertone, sobre a possível aquisição pelo Vaticano do hospital católico San Raffaele, de Milão. Mas, na realidade, a disputa se referiria fundamentalmente à implementação da transparência financeira desejada pelo papa, enquanto a "linha dura" de Ettore Gotti Tedeschi se opunha àqueles que se preocupavam com a perda de poder por parte dos cardeais.
Qual o significado da prisão do mordomo do papa?
Apenas 12 horas depois, tomava-se conhecimento, na sexta-feira, da prisão de mordomo de Bento XVI, Paolo Gabriele. Foi-lhe contestada a subtração e a divulgação da correspondência pessoal do papa, transmitida ao jornalista Gianluigi Nuzzi, cujo último livro (Le carte segrete del papa) já é um sucesso de vendas. Teriam sido encontrados na sua casa muitos documentos reservados. No entanto, duvida-se que esse homem de 46 anos, casado, pai de três filhos, tenha podido agir sozinho.
A sua prisão, porém, é a resultada consequência concreta da nomeação da comissão cardinalícia encarregada pelo papa, no dia 25 de abril, de conduzir a investigação sobre o vazamento de documentos. Essa comissão dispõe de poderes muitos extensos. Seus membros, o cardeal espanhol Julián Herranz Casado, do Opus Dei, presidente emérito do Pontifício Conselho para a Interpretação dos Textos Legislativos, o cardeal eslovaco Jozef Tomko, ex-prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, e o cardeal italiano Salvatore De Giorgi, arcebispo emérito de Palermo, prestam contas diretamente ao papa.
Como explicar esses escândalos?
Poderia se tratar da vontade de desestabilizar o número 2 do Vaticano, o secretário de Estado, Tarcisio Bertone. Desde a sua nomeação por Bento XVI, pesa sobre ele um pecado original que os defensores da "velha guarda", que se mantém desde os tempos de João Paulo II, não deixam de lhe repreender: o fato de não ser um diplomata.
Daí deriva essa fuga em massa de documentos, destinada a pôr em discussão a sua capacidade de gestão. Outros cardeais se preocupam – aparentemente – com a fraca sensibilidade do papa diante da hemorragia silenciosa dos fiéis ocidentais, acompanhada pela onda de "desobediência" dos seus padres. Outros ainda, mas defensores de um poder maior, gostariam de ajudar a colocar as coisas novamente de volta em seu lugar. Não que tenha sido aberto uma espécie de pré-conclave, mas, como o papa já superou os 85 anos, a presença dessas diversas tendências nos trabalhos internos da Cúria Romana também poderia explicar o vazamento de documentos.
Que disfunções esses escândalos trazem à tona?
A priori, os dois escândalos não têm qualquer relação entre si. No entanto, esses episódios evidenciam uma dupla fraqueza do governo da Santa Sé: acima de tudo, a sua fraqueza estrutural. Além das aparências enganadoras do poder imperial do Vaticano, a realidade cotidiana do menor Estado do mundo é constituída de uma equipe pouco numerosa, raramente coordenada, que muitas vezes trabalha com um impressionante improviso, acompanhada por lentidões burocráticas.
O escritor italiano Vittorio Messori, autor de livros com Karol Wojtyla e Joseph Ratzinger, entrevistado pelo site italiano Vatican Insider, manifestou a sua preocupação pela dificuldade encontrada por muitas dioceses do mundo ao enviar a Roma os seus melhores elementos. Aqui se encontra uma das origens das dificuldades operacionais do sistema curial.
Há outras, como a falta de "interdicasterialidade", ou seja, de relações entre os diversos ministérios do papa. Ele reúne o Conselho apenas duas vezes por ano, de uma forma muito formal. Os prefeitos dos dicastérios e os presidentes das congregações trabalhar com uma autonomia muito ampla, mesmo quando as suas atribuições se sobrepõem.
E cada um, em média, só pode contar com cerca de 15 funcionários, nem todos operacionais. Os diplomatas credenciados se admiram ao ver que ainda se usa o fax no Vaticano, a seu ver, instrumento pouco confiável com relação à segurança.
Uma outra fraqueza é a mistura entre assuntos italianos e vaticanos, que se reforçou com Bento XVI: 46% das lideranças da Cúria, e 40,7% dos seus subordinados diretos já são italianos. Os jogos de poder entre os clãs, as influências dos assuntos internos da Igreja italiana e das suas relações com o Estado italiano ofuscam a missão universal da Santa Sé.
Quais são as consequências desses acontecimentos?
Bento XVI se disse "entristecido, desconcertado e chocado" com esses episódios, segundo o Pe. Lombardi, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé. Pode-se facilmente compreender até que ponto o papa pode se sentir chocado com a demissão de um dos seus "grandes leigos" e com a traição de um membro do seu círculo íntimo, extremamente reduzido.
No sábado de manhã, diante de milhares de membros da Renovação Carismática Italiana, ele lembrou que a Igreja está "fundamentada sobre a rocha". No dia seguinte, durante a missa de Pentecostes, em que os observadores notaram a ausência incomum do cardeal Angelo Sodano, ex-secretário de Estado de João Paulo II, decano do Colégio dos Cardeais e notório opositor de Bertone, Bento XVI evocou o sentimento de "desconfiança, de suspeita, de medo recíproco" que se difunde entre os homens.
"Quando a casa não é bem governada, como ter confiança no seu dono?", preocupa-se observador. Entre diplomatas que temem a divulgação de informações confidenciais e simples burocratas perplexos diante da linha a seguir, muitos estão se interrogando. As lutas internas ao Vaticano, como em um espetáculo de luzes e sons que lembra o Renascimento, referem-se ao debate sobre as orientações do pontificado (nova evangelização, mão estendida aos lefebvrianos, diálogo inter-religioso, avaliação do Vaticano II etc.).
Hoje, sendo a Igreja intimamente atingida no nível mais alto, há o risco de um grave descrédito que se referiria tanto à instituição quanto à sua missão. E é no próprio coração do aparato, em Roma, que está posto o problema.
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''Governo'' do Vaticano posto em discussão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU