23 Mai 2012
Se a presidente Dilma Rousseff vetar o projeto de lei aprovado na Câmara que reforma o Código Florestal e retomar um texto nos moldes do votado no Senado no fim de 2011, a perda de produção agrícola no País pode ficar em torno de 3 milhões de hectares - cerca de 10% do que os ruralistas têm anunciado como o tamanho do prejuízo da recuperação do passivo ambiental. Dilma tem até sexta-feira para se posicionar sobre o Código.
A reportagem é de Giovana Girardi e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 23-05-2012.
O número, que considera a recuperação de matas ciliares, foi obtido com base em análise de especialistas em cima de cálculo do Ministério do Meio Ambiente sobre quanto deveria ser recomposto de vegetação natural no cenário do texto do Senado.
Projeção feita no Departamento de Florestas da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do MMA considerou que, ao todo, seriam necessários recuperar cerca de 31,5 milhões de hectares (Mha), sendo 18 Mha de Reserva Legal (RL) e entre 12,5 Mha e 15 Mha de Área de Preservação Permanente (APP), explica João de Deus Medeiros, que era diretor de Florestas na ocasião.
Especialistas ouvidos pelo Estado ponderam que a mudança ocorrerá de fato só na APP, pois o texto do Senado prevê a possibilidade de o déficit de RL ser compensado em outra área no mesmo bioma. A ideia, no entanto, é rebatida por ruralistas.
A questão é delicada porque faltam dados exatos sobre a ocupação do solo no Brasil. Cálculos feitos com base em imagens de satélite não são 100% precisos e ainda não há uma adesão dos proprietários ao cadastro rural.
Pastagem improdutiva. Já em APPs, pesquisas apontam que o grosso de sua ocupação não é para produzir arroz e feijão.
Segundo estimativas de Gerd Sparovek, da Esalq/USP, ainda não publicadas, sobre o déficit de área protegida em propriedades agrícolas, faltam cerca de 55 Mha de APP. Desses, 45 Mha seriam ocupados por pecuária e 10 Mha, por agricultura, considerando o Código vigente.
É a projeção dessa proporção - de que mais ou menos 80% do uso irregular de APP é de pecuária de baixa produtividade e só os 20% restantes seriam ocupados por agricultura - sobre os 15 Mha do início do texto que permite calcular que a perda de área para produção agrícola seria de cerca de 3 Mha. Só nas matas ciliares a recuperação de fato representaria a perda de áreas que contam com produção agrícola.
Recuperar pastagem, dizem os cientistas, é um bom negócio para o próprio produtor. Como em geral no Brasil a produtividade dessas áreas é muito baixa, em torno de uma cabeça de gado por hectare, investimentos que pudessem ao menos dobrar isso liberariam cerca de 70 Mha no País e compensariam a "perda" com a recuperação de mata.
"A resposta para os nossos dilemas são a pecuária e sua intensificação. A partir disso, poderemos promover rearranjos produtivos, até mesmo para atendar as demandas justas de aumento da produção", diz o agrônomo Arnaldo Carneiro Filho, assessor científico da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. "As coisas não são assim", rebate a senadora Kátia Abreu (PSD/TO). "Existe a tecnologia, mas precisamos de dinheiro e mercado consumidor. De tudo o que produzimos de pecuária, só 20% é exportado. Onde vamos abrir mais mercado?"
Quando lembrada de que a ideia seria só adensar o gado para abrir terra para a agricultura, ela volta a lembrar a falta de dinheiro. Perguntada, então, se não seria melhor, em vez de mudar o Código, brigar por mais dinheiro, Kátia simplesmente gargalhou e lembrou as dificuldades do setor. "Não existe dinheiro para a agricultura. Não tem a menor possibilidade de fazer esse ganho da produtividade. "
Trabalhos com recomposição de APP trazem uma visão mais otimista. O pesquisador Ricardo Rodrigues, da Esalq, conduz projetos de recuperação com canavieiros em São Paulo, com pecuaristas em Paragominas (PA) e com sojeiros em Santarém (PA) e em Lucas do Rio Verde (MT).
"A realidade que notamos é que as propriedades têm entre 2% e 3% de irregularidade para APPs. Para Paragominas, a média foi um pouco menor, entre 1% e 2%", diz Rodrigues.
Quem está no meio agrícola tem dúvidas quanto à estratégia das ruralistas. "Foi um erro dizer que haverá impacto na produção. A discussão deveria ser reconhecer que APP é importante, que a recomposição é necessária, mas tem custos, e o setor agrícola deveria cobrar quem vai arcar com esses custos", afirma André Nassar, do Instituto Ícone.
Compensação de Reserva Legal é polêmica à parte
Para a bancada ruralista do Congresso, cuja principal porta-voz é a senadora Kátia Abreu (PSD/TO), se voltar o texto do Senado, o País terá de abrir mão de toda a área prevista pelo Ministério do Meio Ambiente para ser recuperada (de 31,5 Mha a 33 Mha).
Um dos motivos pelos quais ela defende que há risco de ocorrência de um cenário mais sombrio é porque ela não acredita ser válida a alegação de que é possível compensar o passivo de Reserva Legal em outras áreas fora da propriedade rural, desde que seja dentro do mesmo bioma.
"Só temos 27,7% de área de produção agrícola no País, descontados os 11% que já são preservados nas propriedades particulares. O resto é terra devoluta do Incra, terra de índio, parques nacionais ou terras de Marinha e Exército e cidades. Onde eu vou arrumar floresta para compensar? É lógico que é em área de produção."
A análise considerada pela comunidade científica é bem diferente. De acordo com cálculos do agrônomo Gerd Sparovek, da Esalq/USP, sobram áreas para fazer essa compensação.
"Fora de APP e RL e de Unidade de Conservação, há cerca de 294 milhões de hectares de vegetação natural. Não é tudo propriedade privada, claro. Isso inclui terra pública que não tem titulação e não sabemos quanto é exatamente", afirma.
"Mas tem área suficiente em todos os biomas. O que ocorre é que alguns Estados não têm, como São Paulo e Paraná, mas dá para compensar no mesmo bioma", complementa.
O texto do Senado prevê isso. E pressupõe que a compensação é um mecanismo de mercado. "O proprietário que ceder sua terra para outro proprietário resolver seu déficit vai receber por isso. Não é bondade", diz.
O próprio censo agropecuário do IBGE de 2006 - o mais recente - conta uma história diferente. Segundo o levantamento, os proprietários rurais declararam a existência em suas terras de 94 Mha de florestas, sendo 50,2 Mha destinadas para APP ou RL; 8,2 Mha de florestas consorciadas com pastagem; e 35,6 Mha de matas e florestas fora de APPs. Em teoria, a compensação poderia também ocorrer aí.
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Código restritivo impactaria menos produção do que preveem ruralistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU