Por: Jonas | 22 Mai 2012
Um pôster de Hugo Chávez decora o escritório de Sofia Sakarafa (Trikala, 1957), no bairro de Exarchia, onde não há uma fachada sequer que esteja livre do grafite anarquista. Ex-deputada do Pasok, pertence à coalizão de esquerda radical Syriza. Foi a parlamentar mais votada no dia 6 de maio. Ex-lançadora olímpica de dardo, foi a primeira a se rebelar contra o Pasok, o que levou à sua expulsão, depois de votar contra o primeiro plano de ajuste. “Não podia ficar num partido que se moveu para a direita e aplicou uma política neoliberal que rompe com sua tradição e programa”.
A entrevista é de Gemma Saura, publicada no sítio Viento Sur, 19-05-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O Syriza é uma coalizão de diversos grupos, alguns dos quais defendem a saída do euro. Ele não deveria estar unido num tema tão crucial?
É muito saudável que um partido tenha opiniões diferentes. A antítese é o Partido Comunista, que conta somente com uma linha dogmática e ninguém pode discuti-la. No Syriza existem muitas opiniões. Discute-se e quando é decidida uma linha, todos a respeita.
Até que ponto o euro é uma prioridade para a Syriza?
Queremos ficar com a Europa e, por dentro, mudar as relações de poder e as duras políticas neoliberais que estão sendo decididas por um reduzido núcleo de políticos. Não vamos tolerar que o crescimento da Alemanha ou França seja à custa da sobrevivência da Grécia ou de outros povos, como a Espanha. Estar na zona do euro não pode significar, para o povo, que as pessoas morram de fome. Agora, a questão não é o euro, nós estamos lutando para sobreviver. Se ficar no euro significa a destruição da Grécia, teremos que sair.
Segundo uma pesquisa, 78% dos gregos acreditam que o Governo deve fazer o que falta para manter o euro.
Não entendo como alguém pode querer permanecer no euro se o preço é um salário de 200 euros por mês. Porém, o Syriza não irá decidir pelo povo. Se a situação se coloca de forma tão difícil, e pensamos que o melhor para a Grécia é sair, pediremos ao povo que se pronuncie nas urnas. Não vamos dizer uma coisa e em seguida, no governo, fazer outra.
O Syriza disse que a UE não pode permitir que a Grécia seja expulsa, mas, cada vez mais, na Europa existem pessoas que acreditam que essa é a única solução.
Estão dizendo que se nós não aceitarmos a receita da “troika”, iremos morrer de fome, que se sairmos do euro, não teremos futuro. Pessoas que não possuem nenhum cargo na UE, como Schäuble, o ministro de Finanças alemão, nos ameaçam. E para cada ameaça segue um desastre. Alguém tem que dizer, para as pessoas, que não existe um mecanismo para expulsar um membro da UE. Como eles não podem tirar-nos, tentam fazer com que nos afastemos.
Por que vocês negam renegociar o acordo com a "troika", como sugerem o Pasok e a Nova Democracia?
O acordo não pode melhorar. O que pode melhorar quando a destruição já é quase total? Não existe dinheiro para pagar as pensões, os direitos trabalhistas, adquiridos durante séculos pelos povos da Europa, estão sendo perdidos... O acordo contradiz os princípios fundamentais da UE, que falam sobre a proteção do direito, a cobertura social, a proteção das crianças...
Vocês pretendem jogar ao lixo os acordos firmados?
Não dizemos que antes tudo era melhor. Também queremos reformas, que o país seja mais competitivo, o Estado mais funcional, que haja meritocracia. Porém, o memorando está destruindo o Estado. Nada mais funciona. Os hospitais são um caos, não existem funcionários para arrecadar impostos. Queremos um tempo para nos organizar e seguir adiante.
Vocês também desejam deixar de pagar os juros.
Nós pedimos uma auditoria internacional da dívida. Estão dizendo para o povo grego, que é quem paga, que existe uma dívida, mas ninguém sabe como se formou ou o que está sendo pago. Pretendemos esclarecer qual parte da dívida é ilegal e execrável. Também é necessária uma investigação política: gastou-se naquilo que se diz? Sabemos, por exemplo, que a empresa alemã Siemens conseguiu contratos, com a Grécia pagando um sobrepreço, porque subornou os políticos. Tudo deve ser investigado porque são os gregos que pagam, o mesmo povo acusado de vadio, corrupto, de passar o dia bailando, apesar das estatísticas mostrarem que somos o segundo, na Europa, em horas trabalhadas.
Não falta uma autocrítica? Por que o povo tolerou durante tantos anos a corrupção?
Não entendo por que castigam os gregos pela corrupção de seus políticos ou de alguns funcionários, sendo que a Europa não castigou o povo alemão depois da guerra que matou milhões de pessoas e destruiu o continente. A Europa fez bem, pois não era culpa do povo alemão, mas de seus políticos. Só se a Grécia for o único país onde tem corrupção...
Além da auditoria da dívida, quais são as outras condições que o Syriza apresenta para a “troika”?
São cinco pontos. Primeiro, a abolição do memorando, de todos os cortes e reformas trabalhistas que estão destruindo o país. Segundo, a nacionalização dos bancos: a partir do momento que eles recebem ajuda pública, o Estado deve ter voz em seu conselho executivo, pelo menos até devolverem o dinheiro. Terceiro, a mudança da lei eleitoral. Quarto, a abolição da imunidade para ministros. E quinto, a auditoria.
E com a negativa da “troika”? Existe um plano B?
Responderei com uma anedota. Uma mulher percebe que seu marido está passando dias sem poder dormir. Ele diz que deve para o vizinho e que está muito angustiado. Ela abre a janela e grita: “Vizinho! Meu marido disse que deve para você. Nós não podemos pagar”. Então, fecha a janela e diz: “Agora é o vizinho que não pode dormir”. Nós só conseguiremos isto com a auditoria da dívida. Temos que mostrar que grande parte da dívida foi adquirida de forma ilegal. Inclusive, a Alemanha reconhece que sua economia está se beneficiando da situação grega. Estamos comprando a 100% de seu valor os bônus que o Banco Central Europeu adquiriu pela metade do preço. O BCE não surgiu para ganhar dinheiro de um país destruído. Não queremos mais a especulação com o povo grego.
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“O que pode melhorar quando a destruição já é quase total?” Entrevista com Sofia Sakarafa, deputada da Syriza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU