09 Mai 2012
Quando o cardeal Joseph Ratzinger foi eleito para o papado em abril de 2005, a previsão popular indicava um clima de tempestade pela frente. Ele era, afinal, o executor vaticano, que estava liderando uma "luta livre contra a heresia desde 1981", nas palavras de camisetas e de canecas comercializadas por um fã-clube de Ratzinger. Sua ascensão provocou temor em alguns setores e alegria em outros, mas praticamente todos concordavam que coisas grandes estavam em ação.
A análise é de John L. Allen Jr., publicada no sítio do jornal National Catholic Reporter, 29-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Durante a maior parte dos últimos sete anos, no entanto, essa reviravolta antecipada pareceu ser muito mais como um cão que não ladra. Ainda em fevereiro de 2006, o falecido padre Richard John Neuhaus manifestou um "desconforto palpável" entre os mais eufóricos com a eleição de Ratzinger, e esse desapontamento perdurou em uma fileira da opinião católica que havia começado a se desesperar pelo fato de papa jamais impor ordem.
Recentemente, no entanto, muitos observadores acreditam que o "Ratzinger real" finalmente resolveu sair à tona. Considere-se o tumulto do último mês:
Pode-se acrescentar a essa lista mais um episódio de março: as lideranças dos Padres e Irmãos Maryknoll votaram a remoção do padre Roy Bourgeois, um ativista da paz que estava sendo investigação pelo Vaticano pela sua defesa da ordenação de mulheres.
Colocando tudo isso em um mesmo contexto, o veterano escritor italiano Andrea Tornielli tirou o pó de uma homilia de Ratzinger de 1979: "Dizer da opinião de alguém que ela não corresponde à doutrina da Igreja Católica não significa violar os direitos humanos", disse ele à época. "Cada um deve ter o direito de formar e de expressar livremente a própria opinião. A Igreja, com o Concílio Vaticano II, se declarou decisivamente a favor disso e ainda o é hoje. Mas isso não significa que toda opinião externa deva ser reconhecida como católica".
O fato de Tornielli ter se sentido compelido a remontar a três décadas para descobrir esse mot juste capta perfeitamente a "volta para o futuro" sentida no mês passado.
Tudo isso, é claro, está se desenrolando ao mesmo tempo em que o Vaticano está negociando um acordo com a tradicionalista Fraternidade São Pio X, popularmente conhecida como os lefebvrianos, o que poderia abrir caminho para uma nova união com a Igreja. Em paralelo com a decisão de Bento XVI em 2009 de acolher anglicanos tradicionalistas, é tentador concluir que a sua política equivale a acomodar a discordância à direita e esmagar a da esquerda.
Então, a tão esperada "Revolução Reagan" está por chegar no catolicismo? Pode ser útil pensar nisso mediante cinco pontos de perspectiva.
"Revolução Ratzinger"
Primeiro, uma cascata de medidas disciplinares de uma só vez pode produzir uma sensação enganosa de proporção. Medidas durante os sete anos do papado de Bento XVI, o número total de ocasiões em que Roma censurou alguém severamente permanece relativamente limitado. Só houve um teólogo publicamente repreendido pelo Vaticano com Bento XVI, o padre jesuíta liberacionista Jon Sobrino, de El Salvador, em 2007. Um punhado de outros casos, como o da Ir. Elizabeth Johnson, dos Estados Unidos, ou do padre Andrés Torres Queiruga, da Espanha, têm sido tratados pelos bispos locais, e poucos escritores de publicações promovidas por ordens religiosas tiveram suas "asas cortadas" a mando de Roma.
Além de teólogos, também houve um bispo demitido por Bento XVI: Dom William Morris, da diocese australiana de Toowoomba, em maio de 2011, que foi removido como chefe da diocese por, dentre outras, coisas, ter questionado o ensino da Igreja sobre a ordenação de mulheres.
Em segundo lugar, quando a disciplina foi imposta, mesmo perante os padrões históricos recentes, ela foi muitas vezes bastante leve. Ninguém teve arrancada a sua licença para lecionar teologia publicamente, como aconteceu com Hans Küng em 1979, e ninguém foi demitido de um cargo de ensino por ordem do Vaticano, como aconteceu com Charles Curran, da Universidade Católica dos EUA em 1987. Na maior parte das vezes, a censura oficial dos teólogos nos dias de hoje normalmente assume a forma de resenhas de maus livros.
Começando na década de 2000, a Congregação para a Doutrina da Fé adotou informalmente uma política de preferir visar as ideias ao invés das pessoas, na crença de que as mordaças ou as demissões muitas vezes tiram o foco do conteúdo do caso e o colocam no processo. Em geral, essa abordagem continuou com Bento XVI. (No caso de Sobrino, a Congregação criticou o conteúdo de dois de seus livros, mas não lhe impôs medidas disciplinares.)
Em outras situações, tanto Roma quanto alguns dos protegidos do papa ao redor do mundo mostraram moderação. Na Áustria, por exemplo, nem o Vaticano nem o cardeal de Viena, Christoph Schönborn, um dominicano intelectual que estudou com Ratzinger em Regensburg, impuseram até agora quaisquer penalidades canônicas sobre o movimento dos padres dissidentes. O líder do grupo, Pe. Helmut Schüller, basicamente deu de ombros à repreensão de Bento XVI na Quinta-Feira Santa, dizendo: "Não vejo isso como uma expressão muito dura".
Em terceiro lugar, algumas medidas recentes são o resultado de circunstâncias únicas, em oposição a uma decisão sistemática de acionar a Inquisição. A repressão sobre os padres irlandeses faz parte do resultado de uma visitação apostólica à Irlanda motivada pela massiva crise dos abusos sexuais nesse país. A nova Comissão Cardinalícia reflete o fato de que o escândalo dos vazamentos do Vaticano tem sido uma causa célebre na Itália, gerando notícias de primeira página e dominando o horário nobre da TV em grande parte de fevereiro e março. Ambos os casos foram "tempestades perfeitas" que provavelmente não deverão se repetir tão cedo.
Em quarto lugar, ainda pode ser muito cedo para dizer exatamente se essas novas medidas irão se revelar como muito draconianas. À primeira impressão, por exemplo, o decreto vaticano sobre a LCWR parece deixar muito pouco espaço de manobra. No entanto, quando uma arrebatadora visitação às ordens religiosas femininas dos EUA foi anunciada há quatro anos, ela despertou ansiedades semelhantes, mas, agora que acabou, ela não parece ter produzido a opção nuclear que alguns previram – não ainda, pelo menos.
Em quinto lugar, uma parte da recente fermentação pode ter uma explicação burocrática prosaica. Chefes dos escritórios vaticanos tendem a se tornar incomumente ativos pouco antes de se aposentarem, devido a um senso de obrigação de deixar a mesa limpa para o próximo ocupante. Os tempos das recentes medidas da Congregação para a Doutrina da Fé podem ser explicados por essa luz, já que o cardeal William Levada vai completar 76 anos no dia 15 de junho.
Em outras palavras, os eventos do mês passado podem não ser necessariamente os primeiros tremores de um terremoto maior.
Um papa de ensino, não de governo
Em geral, Bento XVI é um papa ensinante, não governante. Especialmente aos 85 anos de idade, ele tende a deixar as questões administrativas nas mãos de outros. Na verdade, o papa não tem se mostrado hesitante diante do apoio a uma medida disciplinar quando ela chega à sua mesa. No entanto, há poucos indícios de que Bento XVI está pessoalmente buscando novas oportunidades para bater o martelo.
As principais prioridades de Bento XVI para 2012 incluem um Sínodo dos Bispos em outubro sobre a "Nova Evangelização", no sentido de reviver as energias missionárias da Igreja, assim como a declaração de um "Ano da Fé" que irá começar no dia 11 de outubro de 2012, no 50º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II. Quaisquer que sejam os impactos reais dessas iniciativas, ela se parecem mais a um convite para a catequese e para o alcance pastoral do que a exercícios de "caça à heresia".
O que tudo isso sugere é que, se há, de fato, uma purificação em desdobramento, ela provavelmente será esporádica e irregular, impulsionada por mais alguns departamentos vaticanos e por alguns bispos ou ordens religiosas locais, do que outros. Uma forma de ler isso seria como a consequência natural de 30 anos de nomeações de lideranças eclesiais mais "evangélicas" com João Paulo II e Bento XVI, ou seja, figuras profundamente preocupadas com a identidade católica e com supostas ameaças a ela em um ambiente secular, do que com qualquer nova campanha orquestrada de dentro do apartamento papal.