10 Abril 2012
O Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transnacional e da Cultura do Capitalismo (NIEG), do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UNISINOS, comenta o filme Margin Call - O Dia Antes do Fim, de J.C. Chandor.
Eis o artigo.
Da eclosão dos problemas causados pelo capitalismo financeiro em 2007 até este ano, vários foram as produções audiovisuais que contaram parte desta história. Os exemplos mais claros, e até mais esperados, acabam por ser os documentários, que buscam entrevistar os personagens envolvidos com a jogatina e quem os denunciou antes de qualquer efeito em grande dimensão.
Mas não se para por aí. A indústria hollywoodiana também produz, com direito a estrelas de cinema, longa metragens sobre o que chamamos de “a farsa com o nome de crise”, explicando, inclusive, quais agentes econômicos tinham informação privilegiada e como tentaram escapar do descontrole por eles mesmos criados.
Um dos mais recentes é “Margin Call – O Dia Antes do Fim” (Margin Call - EUA, 109min, 2011), dirigido pelo estreante J. C. Chandor e lançado no fim de 2011. O filme “cai como uma luva” para quem quer entender como funcionou a economia americana horas antes do colapso. Nitidamente baseado no Lehman Brothers, o drama narra o dia anterior à quebra de um dos maiores bancos de investimentos estadunidenses.
O termo “margin call” é um jargão do universo dos investimentos. O “pedido de cobertura” significa um pedido para que um cliente forneça valores a um corretor após ter sido feita uma compra ou venda a descoberto, ou seja, sem recursos de lastro. A margem é chamada na ocasião de a operação não ter tido sucesso. Vale lembrar que recursos lingüísticos como estes, criando neologismos, jargões e depois dando ares de “ciência econômica” a estas manobras, são recorrentes dos operadores da jogatina influenciados pela doutrina da economia neoclássica. Maquiados os dados das empresas/países que atuavam no mercado, o rombo nas contas, quando apareciam, mostrava um prejuízo que, em dias, superavam todo o patrimônio.
O filme inicia com a demissão em massa no banco de investimentos, centralizando no chefe responsável pela gestão de riscos. Eric Dale (Stanley Tucci) preocupa-se principalmente com o estudo que estava fazendo sobre “muita coisa podre”, repassando suas análises para o jovem Peter Sullivan (Zachary Quinton), engenheiro especialista em propulsão que desistiu da profissão para receber mais no mercado financeiro. Mesmo sendo avisado para ter muito cuidado, o funcionário resolve descobrir mais sobre a análise que estava sendo feita e acaba resolvendo as lacunas que faltavam.
De novo ressaltamos o fascínio exercido pela capacidade de pôr em modelo, rodando variáveis infindáveis através de logaritmos gigantescos, atrai os cérebros de recém formados endividados pelas caríssimas faculdades estadunidenses. Easy Money como dizem por lá, é mais atrativo do que a hard blue collar working life, matando o “espírito protestante” do capitalismo, trocando-o pela aura da ave de rapina.
Ao concluir sua análise, o engenheiro re-configurado em analista de investimentos descobre o grande prejuízo projetado para a empresa, devido aos papeis podres, que na ponta dos negócios tinha a aposta sobre empréstimos (para hipotecas) feitos a pessoas que dificilmente poderiam pagá-los (vem daí o termo sub-prime). A grande alavancagem feita pelo banco (superando os limites de qualquer bom senso), colocando os números desses papeis para maquiar o balanço, ultrapassa o valor de 10% a 15% aceitável (esta margem varia de acordo com a legislação de cada país), tendo em conta o histórico da empresa, a ponto de causar a falência em questão de semanas muito acima do nível aceitável. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a Grécia, que maquiou dados, com a “ajuda” do Goldman Sachs, para entrar na União Europeia e não pode cobrir os valores posteriormente. A fórmula utilizada para o cálculo, a VAR (“Value at Risk”) não servia.
Com isso, o filme ajuda a mostrar uma das principais discussões envolvendo o tema. Esta é, a de que inundar o mercado de títulos com papéis podres pode até ter gerado muito lucro para agentes financeiros, criando uma falsa sensação de que o mercado estaria muito bem sem qualquer regulação, mas acabou provocando a paralisia de todo o sistema financeiro. No final os Estados pagam, como pagadores de última instância, e os “bandos de hienas famintas” transferem os prejuízos para a população, retirando direitos sociais e socializando as perdas através de medidas de “ajuste e austeridade”.
Voltando para a narrativa cinematográfica, a discussão sobre cair sozinho ou adiar a queda enquanto outros bancos de investimentos também caem (gerando o famigerado risco sistêmico, a exemplo da argumentação para o PROER no Brasil) envolve funcionários de vários níveis, mostrando as diferentes relações de poder e seus interesses, ou seja, na prática, quem manda e ganha salários astronômicos, quem ganha bônus e quem ganha pouco e será demitido sumariamente. Materializa-se assim o conceito de relações assimétricas e de portas giratórias, a exemplo de Hank Paulson, dentre outros.
A partir daí, a trama se desenrola subindo o nível de risco vertiginosamente nível, passando por várias cenas dialogadas (muito didáticas, explicitamente didáticas) que tendem a explicar para “uma criança ou até para um cachorro” como se chegou até tal nível e quais as possibilidades reais de se evitar o colapso da “firma”. Assim, abusando do talento de poder de síntese, a obra demonstra como o “banco fictício” faz para evitar que os problemas encontrados naquele banco não afetem os outros negócios do grupo empresarial e de seus acionistas.
Com um grande elenco trabalhando no filme, dotado de nomes conhecidos como Demi Moore e Kevin Spacey, “Margin Call” mostra exatamente as horas de tensão vividas por agentes econômicos antes do estouro da crise e seus efeitos, não explicando propriamente as causas (da farsa com nome de crise), e sim a relação entre um grupo de pessoas que tomam decisões muito importantes e ganham milhões sem muito esforço. É interessante notar no filme o empenho das personagens em se salvarem, individualmente (SAS, save your ass, é a gíria de Washington que “contamina” Wall Street), do colapso para não perderem seu próprio dinheiro. Não há preocupação alguma com o sistema financeiro global, os direitos das pessoas (a saber, os contribuintes e pequenos investidores) e a regulação da insanidade coletivizada.
Para quem tiver interesse em ver este filme rapidamente comentado na coluna desta semana, o NIEG-CEPOS promoverá no dia 14 de abril (sábado) um cine debates com a exibição de “Margin Call – O Dia Antes do Fim” no Parque Getúlio Vargas (Capão do Corvo). A entrada é franca.
Nota da IHU On-Line: O filme será exibido, no mês de maio, em várias sessões, e debatido no Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Todos os textos desta coluna são de autoria coletiva, sendo responsabilidade do conjunto dos membros do NIEG-CEPOS. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. – www.grupocepos.net
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O desespero para resolver o descontrole no “Dia Antes do Fim” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU