07 Março 2012
Nós, mulheres, certamente não somos melhores do que os homens, mas, nas sociedades masculinas, permanecem resíduos de medos que nem Darwin fez desaparecer. Os responsáveis pelas religiões devem purificá-las das sombras do sagrado antropológico.
A opinião é da escritora, jornalista e ex-deputada italiana Giancarla Codrignani, em artigo publicado na revista Adista Segni Nuovi, nº. 10, 10-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Em Bolonha, um islâmico observante sentiu como "impura" a sua relação com uma mulher cristão-ortodoxa e tentou decapitá-la "como Abraão fez com Isaac" (a mulher, uma ucraniana de 45 anos, se se salvar, corre o risco de ficar paraplégica).
Não é só um caso de fundamentalismo maníaco. Nestes dias, abre-se em Palmi um processo de estupro que testemunha a persistência itálica da maldição de Eva: em San Martino di Taurianova, uma menina de 12 anos (que hoje tem 24 anos e vive sob proteção porque alguns dos perseguidores que ela denunciou eram mafiosos) foi considerada durante anos por toda a cidade como culpada pelos estupros em grupo, pelas violências e pelas chantagens sofridas, e até o pároco ao qual ela havia tentado se confiar julgava pecadora uma menina de 12 anos violentada que só a penitência podia redimir.
Parece incrível, mas, na santidade das religiões, abrigam-se tabus ancestrais que os estudos antropológicos e a secularização não conseguiram eliminar. São os piores tabus, porque são responsáveis pelos preconceitos sexofóbicos e misóginos que, sacralizados, produziram, em nome de deus, discriminações e violências.
No terceiro milênio, as religiões deveriam fazer análise e se perguntar o quanto a sexofobia e a misoginia corrompem profundamente a sua possibilidade de futuro. O conceito de "pureza" que reprimiu, na hipocrisia mercantil e proprietária dos valores familiares, milhões de meninas certamente não nasceu da escolha das mulheres. À Lucy das origens, menstruada e responsável pela reprodução, jamais teria pensado em se sentir suja ou culpada. Talvez já percebia como culpa, certamente não sua, a violência que conotava a baixa qualidade de muitas atitudes masculinas. Quando se inventasse o direito, muito menos, ela não distinguiria os "seus" filhos entre legítimos ou ilegítimos.
Porém, continua-se acreditando que a menstruada faça amarelar as folhas e azedar o leite; na África, "naqueles dias", ela é confinada em cabanas especiais para não contaminar as casas; em Roma, Paulo a queria velada e silenciada, enquanto os papas, talvez sem saber por que, proibiram que elas se consagrassem. Ainda estamos aqui, fazendo as contas sobre o puro e o impuro, e repetindo o bode expiatório no corpo de algum outro Isaac por vontade de algum Abraão que acreditava interpretar Deus, de alguma outra Ifigênia propriedade de Agamenon, senhor da sua morte.
Nós, mulheres, certamente não somos melhores do que os homens, mas, nas sociedades masculinas, permanecem resíduos de medos que nem Darwin fez desaparecer. Os responsáveis pelas religiões que pretendem salvar a fé para as gerações futuras devem purificá-las das sombras do sagrado antropológico: o papa católico deve não condenar, mas sim acolher como serviço de verdade nas escolas uma educação sexual que valorize a afetividade não só biológica das relações entre os gêneros e o respeito pelas diversas tendências sexuais; o Islã que faz aprender de cor, desde pequeno, as suras do Alcorão, deve se dar conta de que os tabus violentos produzem efeitos estranhos se um homem se sente um deus punidor diante de mulheres-Isaac; os rabinos deveriam acertar as contas com Lévy-Strauss e deixar de pedir ônibus separados por gênero e de insultar as meninas não veladas; na China e na Índia, não se deve perpetuar a insignificância feminina transferindo os infanticídios das recém-nascidas à "escolha" ecográfica, mortal só para as meninas. São todas escolhas de morte. Por razões de gênero.
Mas, se a responsabilidade das religiões monoteístas é particularmente grave para a imagem mesmo que não representada de uma divindade de fato masculina, mais precisa é a dos cristãos. Disse-se infinitas vezes: por que o nosso clero, ainda tão pronto a pedir cerimônias reparadoras por espetáculos que não viu, não pensa em evangelizar os homens, em vez de suspeitar constantemente de pecados dos quais não pode ser juiz, condenado como é ao masoquismo celibatário por medo da pureza original da sexualidade humana?
Há um salto lógico – certamente não ilógico para as mulheres que estão lendo os artigos sobre o 8 de março –, mas a sociedade civil também persevera muito na negação do corpo das mulheres: os três cabos do 33º Regimento Acqui investigados pelo estupro de Pizzoli (L'Aquila) retornaram ao serviço nos serviços de patrulhamento do centro histórico no âmbito da operação "Estradas Seguras"...
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8 de março de 2012: ainda bruxas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU