06 Março 2012
"A consequência desastrosa da aversão que os economistas tradicionalmente sentem por tecnologia é a incapacidade que tem o Brasil hoje (e, pelo jeito, continuará tendo no futuro) de competir no campo de manufaturados e outros produtos de alto valor agregado, por falta de competência tecnológica", Rogério Cezar de Cerqueira Leite, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), membro do Conselho de Ciência e Tecnologia da República, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 06-03-2012.
Citando Mário Henrique Simonsen, ministro dos governos militares, que teria argumentado: "Se pagamos apenas US$ 200 mil de royalties, então para que gastar com pesquisas em ciência e tecnologia?" ele afirma: "Mantega imita Simonsen, para a desgraça do Brasil".
Eis o artigo.
Em relação ao ano de 2011, o orçamento federal de 2012 para o setor de ciência e tecnologia teve um acréscimo de cerca de 20%.
Exultaram os membros da comunidade acadêmica nacional. Todavia, esse aumento meramente corrigia uma redução de cerca de 10% ocorrida entre 2010 e 2011, além das perdas devidas à inflação ocorrida em 2010 e 2011.
Ou seja, o orçamento de 2012, que aparentemente apresenta um ganho de 20% com relação a 2011, apenas restaura o valor de 2010. Fomos iludidos.
Pois bem, não bastasse esse logro, a administração atual impôs um corte de 22% no orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Como 70% desses recursos se referem a custos fixos (salários, impostos etc.), pouco ou nada resta para os projetos, mesmo aqueles que já estão em andamento.
Isso terá como consequência a existência de perdas não só de tempo, mas até mesmo de investimentos já realizados.
É interessante notar a diferença entre educação, que não teve cortes, e o setor de ciência e educação. Nenhum cidadão consciente proporia cortes em educação. Mas é bom notar que, se educação tem consequências imediatas, algo que se exprime no acesso ao emprego, a ciência e a tecnologia representam o desenvolvimento econômico e social futuro do país.
A forte correlação entre o investimento em pesquisas e PIB per capita das nações é prova suficiente.
Mas de quem seria a culpa senão de David Ricardo (1772-1823), com seu "teorema dos custos comparativos"? Essa é a única doutrina sobre a qual todos economistas, exceto talvez Arghiri Emmanuel, estão de acordo. Mas ela, não obstante, é obtusa.
Explico-me. De acordo com essa teoria, se o Brasil produz soja a custos menores que o Japão e o país asiático produz eletrônica a custos menores que o Brasil, então o ganho global será maior se o Brasil se concentrar na produção de soja - e se o Japão se dedicar à eletrônica.
Adotando-se essa doutrina para todos os itens de troca internacional, o Brasil estará sendo condenado indefinidamente à produção de itens de baixo valor agregado, ou seja, ao subdesenvolvimento.
Isso acontecerá inexoravelmente se o Brasil continuar sendo impedido de realizar pesquisas.
Diz-se que Mário Henrique Simonsen, o gênio, teria argumentado: "Se pagamos apenas US$ 200 mil de royalties, então para que gastar com pesquisas em ciência e tecnologia?".
Hoje, pagamos US$ 10 bilhões de royalties. Mas isso é apenas a ponta do "iceberg".
A consequência desastrosa da aversão que os economistas tradicionalmente sentem por tecnologia é a incapacidade que tem o Brasil hoje (e, pelo jeito, continuará tendo no futuro) de competir no campo de manufaturados e outros produtos de alto valor agregado, por falta de competência tecnológica. Mantega imita Simonsen, para a desgraça do Brasil.
Enquanto na China 80% dos cargos de decisão são ocupados por engenheiros, no Brasil são economistas, quando não advogados, que decidem.
Talvez esse fato explique o desenvolvimento modesto do Brasil em comparação com o da China.
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