18 Fevereiro 2012
A profundidade dos males que as pessoas sofrem e fazem, e a qualidade transcendente da liberdade humana são o lugar em que as explicações do mundo devem ser construídas.
A opinião é do jesuíta australiano Andrew Hamilton, em artigo publicado no sítio Eureka Street, revista eletrônica dos jesuítas australianos, 01-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O problema do mal sempre esteve conosco. As aflições que acontecem conosco e o monstruoso mal que as pessoas fazem são um problema, porque desafiam a crença de que a vida tem um sentido mais alto. Eles são particularmente corrosivos para a crença em um Deus amoroso.
O problema da bondade raramente é debatido. No entanto, ele contesta a visão de que o único significado que podemos encontrar no mundo está no nível do que pode ser percebido e medido.
O mal desafia grandes marcos de significado, porque o sofrimento aleatório e a brutalidade humana são experimentadas e imaginadas com muita intensidade. Explicações de como eles são consistentes com um Deus amoroso e atencioso podem ser intelectualmente satisfatórias. Mas, quando as pessoas experimentam o sofrimento e a brutalidade em suas próprias vidas, elas muitas vezes são repelidas pelos grandes argumentos.
As explicações, que atuam em um nível de abstração e assumem uma ampla visão do mundo, podem parecer superficial para elas em sua perda e dor profundas. Como elas acreditam que o custo de aceitar que o seu sofrimento tem um sentido maior seria negar a sua realidade e obscenidade esmagadoras, elas rejeitam todas as grandes explicações.
Teorias que negam qualquer significado superior podem então ser atraentes. Se podemos dizer que não há nenhuma outra realidade humana além das pequenas causalidades e das interações do acaso em níveis atômico, genético e outros, o mal e o sofrimento deixam de ser um problema. Eles podem ser explicados em termos materiais e fisiológicos, sem a necessidade de uma razão maior, nem de um propósito inteligível no qual possam se encaixar. Então as pessoas ficam aliviadas do fardo do significado.
Então, há a bondade. Nesse contexto, eu compreendo a bondade como algo concretamente experimentado e não como uma abstração.
A maioria de nós conhece pessoas que só poderíamos descrever como boas e cujas qualidades causaram uma impressão indelével em nós. Nós as experimentamos como generosas, serenas, altruístas e infalíveis em sua consideração e estima pessoal pelos outros, mesmo quando isso custa para elas e, aparentemente, não é do seu próprio interesse. Vemos nelas uma grande e notável liberdade e consistência interiores. Podemos descrever nossas relações com elas como uma experiência da bondade.
A bondade é uma experiência encorajadora, assim como o mal é prejudicial Mas ela se torna um problema se a nossa compreensão do mundo e das nossas próprias vidas se limita à interação entre causalidade material e acaso. Certamente podemos esperar encontrar evidências das predisposições genéticas para o comportamento amigável, para a influência do hábito na modificação dos caminhos do cérebro de formas que nos inclinam ao altruísmo, e para o papel da criação e do ambiente em ajudar a moldar as formas como vivemos.
Mas o que experimentamos em pessoas que são translucidamente livres em sua bondade não é adequadamente explicado por esses fatores.
Assim como os argumentos para o significado mais amplo podem deixar de ir ao encontro da experiência concreta do sofrimento e do mal, os argumentos que jazem sobre o acaso e o determinismo podem deixar de fazer justiça à experiência concreta da bondade humana. Os relatos são muito fragmentados e reduzem a bondade a algo muito menor do que é experimentado.
Obviamente, os problemas nem sempre furam o casco do navio do significado. A medida até onde a experiência da perda ou do mal esmagadores vai ameaçar a crença de alguém em um Deus que cria o mundo por amor, por exemplo, depende em grande parte da força da experiência que esse alguém associa com um Deus afetivo. Pode ser também que uma experiência igualmente forte do poder explicativo do pensamento científico sustente outros que se confrontam com o desafio oposto.
A importância da experiência também sugere por que a resposta inicial adequada das Igrejas aos grandes desastres naturais como os tsunamis é uma resposta de solidariedade para com as vítimas e de fornecimento de espaço simbólico para que as pessoas experimentem e lamentem a escala de sofrimento, e rezem. É melhor deixar para depois a resposta aos argumentos de que os desastres desacreditam a fé cristã.
Ao argumentar que a bondade apresenta um problema para alguns relatos do mundo, eu não estou tentando apresentar um argumento sorrateiro e desonesto para a existência de Deus. Estou argumentando simplesmente que qualquer relato do mundo deve dar a devida importância às experiências que são problemáticas para ele. Ele não deveria diminuir as dimensões da experiência para que ela se encaixe em seu quadro teórico.
A profundidade dos males que as pessoas sofrem e fazem, e a qualidade transcendente da liberdade humana são o lugar em que as explicações do mundo devem ser construídas, e não em que se construam materiais a serem cortados para encaixar exatamente.
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O problema da bondade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU