Por: Cesar Sanson | 11 Fevereiro 2012
A premiação póstuma oferecida pela ONU aos ambientalistas brasileiros José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, assassinados no Pará em maio de 2011, trouxe à tona a realidade de ameaças de mortes sofridas pelos familiares do casal, que tentam manter em pé a herança ambientalista do casal em Nova Ipixuna (PA). Laíssa Santos Sampaio recebeu uma medalha em nome da irmã e do cunhado nesta quinta-feira (10).
A reportagem é de Glauco Araújo e publicada pelo portal Globo Natureza, 10-02-2012. Foto: Reprodução/Nações Unidas
Ela voltou a morar no assentamento Praialta Piranheira, na mesma casa onde sofreu um atentado em agosto do ano passado, e continua enfrentando o que a família considera como ira de fazendeiros e madeireiros da região. "A Laíssa teve de voltar para a roça [assentamento] porque ela não tinha para onde ir e não tinha como se manter na cidade. Eu saí de lá para não morrer", disse Claudelice Silva dos Santos, 29 anos, que permanece no Pará, em local não divulgado por razões de segurança.
"Ela [Laíssa] saiu do assentamento, mas voltou para lá. Agora, ela também é vítima, pois precisou voltar com medo. As autoridades nunca fizeram nada sobre essas ameaças. Não são só os três que estão no inquérito policial sobre a morte de meu irmão que fazem as ameaças. Tem uma quarta pessoa, que já foi identificada pela Polícia Federal, mas que não aparece no inquérito da Polícia Civil. Esse fazendeiro ainda está lá e faz ameaças diretas para ela, não é ameaça indireta, é direta mesmo, coisa de passar na porta da casa, de jogar a caminhonete para cima da moto dela [Laíssa]", disse Claudelice.
Fuga para viver
"As providências sobre a morte de meu irmão e de minha cunhada não foram tomadas como deveriam ser. Nem mesmo sobre as ameaças que sofremos. Eu tive de sair da minha cidade para sobreviver, para não morrer por conta dessas ameaças. Tive de arrumar emprego fora", afirmou Claudelice.
Ela contou que precisou se afastar das duas filhas e da mãe, que ainda sofre com a perda do filho José Claudio. Os encontros familiares, atualmente, são feitos na calada da noite, cada vez em um local diferente. "A gente se encontra em dias alternados, sem rotina, e articula a proteção do meio ambiente da região ainda hoje. Não posso ficar sem ver minhas duas filhas e minha mãe, que está péssima por causa da morte de meu irmão. Todos os dias ela chora, a família está toda separada. Chega a dar um nó na garganta", disse Claudelice, emocionada.
Marcados para morrer
"Nós temos mais de 100 nomes de pessoas na lista de marcados para morrer. Meu irmão era ameaçado de morte desde 2000 e nunca saiu dessa lista. Nunca nada foi feito. Agora não adianta mais, temos de cuidar de quem está vivo. Esperamos que essa premiação da ONU chame a atenção para isso. É um trabalho super reconhecido lá fora e no nosso país. A gente nunca superou, a família está totalmente destruída, esfacelada", afirmou Claudelice.
A premiação
Durante a cerimônia de encerramento do Ano Internacional da Floresta, em Nova York, a organização exibiu um vídeo sobre a vida e o assassinato do casal de extrativistas e exaltou o trabalho dos dois na preservação da floresta amazônica. A irmã de Maria do Espírito Santo, Laíssa Santos Sampaio, recebeu uma medalha em nome do casal assassinado.
"Na Amazônia tem se intensificado casos de assassinato de pessoas que, como eles, defendem a floresta. A Amazônia é manchada de sangue e essa mancha continua se espalhando", disse Laíssa durante o evento nesta quinta-feira. "Estamos felizes e ao mesmo tempo tristes. Essa premiação é um misto de sentimentos, mas um reconhecimento do trabalho deles ainda em vida", disse Claudelice.
Heroi da floresta
Paulo Adario, diretor do Greenpeace no Brasil, também foi homenageado. Ele recebeu o título de “Heroi da Floresta” da América Latina e Caribe, em reconhecimento ao trabalho realizado na Amazônia.
De acordo com Jan McAlpine, diretora do Fórum das Florestas da ONU, Adario foi pioneiro na campanha para proteger a Amazônia e usou diversas estratégias, que vão desde realizar expedições em campo a fazer reuniões com empresários e trabalhar diretamente com governos. “O trabalho de Paulo é crucial. Ele se comprometeu nos últimos 15 anos para a salvar a floresta amazônica”, declarou.
Ao receber a homenagem, ele pediu novos modelos de desenvolvimento e sugeriu um "Occupy Rio” ("Ocupe o Rio") durante a Rio+20, em junho. A referência é ao movimento “Occupy Wall Street”, que ocupou áreas próximas ao centro financeiro dos Estados Unidos para protestar contra o sistema econômico e pedir um novo modelo de desenvolvimento.
José Cláudio e Maria do Espírito Santo
O vídeo em homenagem ao casal mostrou uma entrevista de José Cláudio. Nela, ele falava das ameaças de morte que sofria devido às denúncias contra madeireiros e carvoeiros.
“Sou castanheiro desde os sete anos, vivo da floresta e a protejo de todo jeito. Por isso, vivo com a bala na cabeça, a qualquer hora. Porque eu vou para cima, denuncio madeireiros, carvoeiros. A mesma coisa que fizeram no Acre com Chico Mendes querem fazer comigo. Posso estar hoje conversando com vocês e, daqui um mês, vocês podem saber que eu desapareci”, declarou José Cláudio no vídeo.
Segundo o vídeo, José Cláudio mantinha o ouvido atento para o som da motosserra e tentava dialogar com madeireiros quando encontrava caminhões com toras de árvores. Enquanto isso, Maria do Espírito Santo tentava registrar as cenas com uma máquina fotográfica. O material também exibiu imagens da área onde os dois foram assassinados e mostrou depoimentos sobre o crime.
“[O desmatamento na Amazônia] gera vítimas todo dia. Chico Mendes, Dorothy Stang, José Cláudio e Maria Aparecida. Todos lutavam para manter viva a ideia de que a floresta e as pessoas estão interconectadas”, disse ele. “Além de pessoas anônimas, que estão lutando diariamente”, disse Paulo Adario, durante a premiação.
Ele afirmou que a “Amazônia vive um massacre diário” e que o título de herói é “um reconhecimento de que a floresta ainda está em grande perigo”. Apesar disso, ele comemorou a queda do desmatamento verificada nos últimos anos no Brasil e considerou que "podemos ir para casa sabendo que nós estamos mais fortes”.
O ativista ainda declarou que a presidente Dilma Rousseff tem se mantido ausente de “discussões que estão sendo puxadas pelo lobby do agronegócio no Congresso” e pediu que ela vete o Código Florestal. “A menos que ela aja, o Brasil será o país que poderia ter acabado com o desmatamento, mas não o fez”, disse Adario.
'Occupy Rio'
"Ao redor do mundo, as pessoas, principalmente os jovens, estão pedindo um futuro justo e sustentável. Essa mesma mensagem eu ouço quando viajo pela Amazônia. Precisamos de novos modelos para que o planeta abrigue essa geração (...), [precisamos] de um novo paradigma de desenvolvimento”, afirmou.
Ele também pediu que a sociedade pressione os governos por mudanças. “Espero que os jovens peguem em suas mãos a luta pela floresta e pelo futuro. Occupy Rio”, afirmou.
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Família de extrativistas premiados na ONU ainda recebe ameaça no Pará - Instituto Humanitas Unisinos - IHU