12 Janeiro 2012
"A alusão ao casamento homossexual (no discurso do Papa aos diplomatas) é no máximo indireta, e mesmo assim questionável", constata o texto da Equipe da Diversidade Católica que publicamos a seguir.
"Por que esta união atentaria contra a família tradicional? Os gays não têm obrigação de se tornarem héteros e de se casarem com pessoas de outro sexo. Até porque, para o direito eclesiástico, um matrimônio assim é nulo", afirma o breve artigo.
Eis o texto.
O discurso anual do papa Bento XVI aos diplomatas no Vaticano (1) recebeu uma dura manchete de uma agência internacional de notícias: casamento homossexual é 'ameaça' à humanidade, diz papa. E ainda: declarações são as mais fortes proferidas por Bento XVI contra união gay (2).
Quem se der ao trabalho de ler o pronunciamento do papa, vai encontrar uma gama de questões internacionais sob a ótica de um humanismo de inspiração cristã. São temas como a crise econômica mundial e sua incidência sobre as nações e sobre a juventude, os conflitos do Oriente Médio e da África, as manifestações em favor da democracia, as migrações, o acesso universal à educação, a liberdade religiosa, os desastres ecológicos, e a luta contra as alterações climáticas e contra a pobreza extrema. Há até uma menção à “Rio+20”, a próxima Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável.
O que supostamente disse o papa sobre a ameaça do casamento gay à humanidade? Eis o trecho:
[...]“a educação tem necessidade de lugares. Dentre estes, conta-se em primeiro lugar a família, fundada sobre o matrimônio entre um homem e uma mulher; não se trata duma simples convenção social, mas antes da célula fundamental de toda a sociedade. Por conseguinte, as políticas que atentam contra a família ameaçam a dignidade humana e o próprio futuro da humanidade”.
A alusão ao casamento homossexual é no máximo indireta, e mesmo assim questionável. Por que esta união atentaria contra a família tradicional? Os gays não têm obrigação de se tornarem héteros e de se casarem com pessoas de outro sexo. Até porque, para o direito eclesiástico, um matrimônio assim é nulo. Além do mais, as terapias de reversão são proibidas, pois a homossexualidade não é doença. Os héteros, por sua vez, não são gays enrustidos prestes a debandarem diante da possibilidade de união homo. Portanto, casamento homo e casamento hétero são de naturezas distintas e não concorrem entre si. Não há ameaça.
De qualquer maneira, o papa não disse aos diplomatas que o casamento gay é uma ameaça à humanidade, ainda que outras vezes tenha se manifestado contra esta forma de união. Há, no entanto, um ranço moralista que só enxerga proibição e condenação no ensinamento da Igreja, sobretudo a respeito de sexo. E todo o resto é irrelevante. Este ranço não está somente nos segmentos ultraconservadores da Igreja, mas também em certa imprensa facciosa que só quer fazer alarde para vender notícia.
Quantas questões de suma importância não foram levantadas pelo papa? Quantos desses assuntos não merecem séria reflexão e engajamento das nações, da opinião pública e dos organismos internacionais? Mas tudo isso é omitido pelo ranço moralista, que embolora as mentes e aliena as pessoas. Que Deus nos livre deste triste empobrecimento humano.
Notas:
1- http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2012/january/documents/hf_ben-xvi_spe_20120109_diplomatic-corps_po.html
2- http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/01/casamento-gay-ameaca-a-humanidade-diz-o-papa-1.html
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O Papa e o casamento gay - Instituto Humanitas Unisinos - IHU