05 Janeiro 2012
O Twitter queimava e José Luis Rodríguez Zapatero, então presidente do governo (primeiro-ministro) da Espanha, era testemunha do incêndio. O cheiro de queimado talvez tenha chegado a ele mais nitidamente do que em outras ocasiões. Porque, como ele reconheceria mais tarde, a polêmica provocada nessa rede social foi determinante em sua decisão de não aprovar o regulamento de aplicação da chamada lei Sinde, que busca impedir o download e oferta sem autorização de conteúdos protegidos por direitos autorais. Uma norma que havia sido autorizada pelo Parlamento e cuja paralisação, sob esses argumentos, serviu de combustível para o debate sobre a legitimidade do sistema eleitoral, especialmente vivo na Internet. Não por acaso, o slogan mais famoso do movimento 15-M, cujo catalisador foi a rede, é um aviso aos deputados: "Não nos representam".
A reportagem é de Carmen Mañana, publicada pelo jornal El País e reproduzida pelo Portal Uol, 04-01-2012.
A lei Sinde é o último e mais destacado exemplo do crescente número de decisões empresariais, editoriais e políticas que são tomadas por influência das opiniões publicadas no Twitter, ou usando-as como desculpa. Mas se justifica a influência que essa rede social adquiriu? Pode ser aceita como ferramenta de amostragem de opinião? Representa realmente o sentimento social?
"O que se opina na rede é o que se opina na rede. Trata-se de um dado relevante, mas não é extrapolável à população geral", diz o secretário de comunicação do Partido Popular, Carlos Floriano. Francisco Polo, diretor da Actuable, uma plataforma ativista online, concorda em parte. "O Twitter não é a sociedade em absoluto, mas que milhares de pessoas demonstrem em uma rede que há algo que não lhes parece certo é sintoma de que há algo muito maior por trás."
Segundo diversas estimativas, na Espanha há cerca de 3 milhões de pessoas inscritas nessa página de mensagens instantâneas abertas. O Twitter não fornece dados sobre seus seguidores e é famoso por sua opacidade, mas sabe-se que há mais homens que mulheres, mais habitantes de um entorno urbano do que rural, e que a maioria tem entre 20 e 40 anos, como explica Juan Antonio del Moral, responsável pela Alianzo, firma que mede e analisa redes sociais. Isto deixa de fora quase toda a terceira idade e os adolescentes. "Uma proporção significativa do país, tão importante quanto o resto e que não tem a oportunidade de influir nos políticos, mídia, etc, através das redes sociais", defende Luis Miguel González de la Garza, doutor em direito constitucional e especialista em sufrágio eletrônico.
Esperanza Aguirre é um claro exemplo da desconexão que às vezes existe entre o Twitter e o mundo real. A política do PP se transformou em um dos personagens mais criticados nessa rede social. Existe inclusive um falso perfil dela em tom sarcástico: Espeonza Aguirre. Mas sua impopularidade online não pode ser extrapolada para o conjunto do eleitorado: ganhou com folga a presidência da Comunidade de Madri.
Apesar de tudo isso, para o especialista em comunicação Antonio Gutiérrez Rubí, o Twitter funciona como um poderoso sensor social e constitui uma pista sociológica a se levar em conta. "Toma muito bem a temperatura da reação provocada pelos fatos da realidade." E o faz com rapidez, quase em tempo real. Provoca eco em função da participação das pessoas, de seu interesse pelos temas. "O fato de que a parte mais criativa e influente de nossa sociedade participe dessa rede social" é o que a torna especialmente relevante, continua. "É um estudo das pessoas que têm capacidade de criar opinião." Mas não de todas. Zapatero nunca levou em conta o Twitter, apesar de que agora diz que vai criá-lo, "porque é preciso estar lá". Mariano Rajoy abriu o seu em setembro, e o ministro da Justiça, Alberto Ruiz-Gallardón, fechou o seu depois das eleições.
"Do Twitter participa muita gente que gosta de jogar a popularidade, influir e difundir sua opinião, porque quem não influi não gosta de estar", declara Del Moral. A prova de que esse site reúne líderes sociais e que já há empresas que oferecem "bastante dinheiro" para que falem em seus perfis de determinados produtos, como conta Enrique Dans, consultor de novas tecnologias que tem mais de 144 mil seguidores no Twitter.
Essa rede social não só permite publicar como também se inscrever nas publicações de outras pessoas de forma automática. Pode ser que, como distingue Gutiérrez Rubí, ter muitos leitores não transforme ninguém em representantes de nada - "os seguidores não são eleitores" -, mas sim o transformam em referência e, portanto, em uma pessoa influente. Dans afirma que, se destaca em seu perfil do Twitter um site ou um blog, cerca de 1 mil ou 2 mil pessoas o visitarão porque ele o recomendou. "A difusão da informação nas redes sociais não é asséptica nem anônima. Vem de alguém com um prestígio concreto e que gera uma confiança determinada, por isso a credibilidade que você lhe dá e a atitude com que recebe e compartilha com seu grupo de amigos ou seguidores é diferente."
"Retuitar" (replicar uma informação para seus seguidores) é um ato de autonomia, diz Gutiérrez Rubí. "A diferença com o passado é que você dá sua reputação e sua identidade na Internet a essa informação, inclusive a reinterpreta, tornando-a sua. Você toma uma decisão. O slogan da CNN era 'Está acontecendo, você está vendo', mas no Twitter é 'Está acontecendo, o estou fazendo'. É um cenário para a ação, essa é a mudança."
A chave, segundo Francisco Polo, é que os cidadãos estão começando a usar as redes sociais como ferramenta para exercer o poder que têm na sociedade. "Nas últimas décadas as pessoas tinham a impressão de que não podiam mudar seu entorno. Agora com essas plataformas podem influir e expressar sua opinião de uma forma simples e rápida."
Mesmo assim, Ignacio Escolar, blogueiro e ex-diretor do jornal "Público", lembra que basta juntar a audiência de três ou quatro tuiteiros como Dans para superar a de qualquer jornal nacional.
Exatamente um tuíte deste último, no qual vazava que o Conselho de Ministros iria aprovar o regulamento da lei Sinde, ajudou a reacender a mecha do movimento cuja pressão dissuadiria Zapatero. "Mas pensar que, por mais seguidores que tenha, você sozinho pode montar uma revolução é não entender nada. Eu posso atirar uma pedra, mas para me transformar em 'trending topic' preciso que muita gente diferente me retuíte".
O "trending topic", ou tema do momento, é o equivalente aos 37,5 graus no termômetro social do Twitter. Quando algum tema (ou "hashtag") se transforma em TT é sinal de que há febre. Algo acontece. Alerta de que os tuítes sobre um tema aumentaram muito em um momento concreto. Não de que esse seja o tema do qual mais se está falando. O TT mede um pico de audiência.
Por exemplo, o hashtag #justinbieber é um dos mais populares em nível mundial, mas se mantém constante quanto à quantidade de comentários ao longo do tempo. Além disso, as pessoas que participam dessa conversa são quase sempre as mesmas. Por isso não é trending topic. No entanto, um tema do qual quase não se fala pode se acelerar com menos gente coordenada de uma vez, e se transformar então em TT. Os TT sempre aparecem destacados na página inicial de cada usuário. Uma visibilidade muito tentadora dentro do maremoto de 94 milhões de tuítes que são publicados por dia nessa rede social.
Tentar manipular os tuiteiros para conseguir que algo se torne TT parece muito tentador, mas segundo os especialistas é complexo. O Twitter não revela quais são os algoritmos matemáticos que determinam que temas vão destacar nem que valores são levados em conta para tanto. Além disso, segundo Del Moral, é mais difícil manipular a Internet que outros formatos. "Há tanta gente, gente com uma atitude crítica e receosa, que é fácil descobrir quando há pessoas trabalhando de forma coordenada e premeditada para montar uma campanha." Como reconhece Carlos Floriano, afinal, "quando você mente a rede o expulsa". Podem ocorrer casos como os dos hashtags #pregúntaleamariano e #rubalcabacontesta, criados durante a campanha eleitoral espanhola. Transformaram-se em TT, não porque tiveram êxito entre afiliados e simpatizantes, mas porque os internautas os utilizaram para fazer piadas e brincadeiras.
"A viralidade existe, se existir a gasolina que lhe permite incendiá-la. Não surge porque sim: primeiro é preciso haver um fato indignante que passe a ser conhecido e que faça as pessoas se ligarem, se envolverem", explica Polo. O diretor da Actuable considera que para que funcione deve mostrar que a visualização dessa indignação pode chegar a mudar a realidade. Por isso, na opinião de Polo, dizer que quatro tuiteiros são capazes de derrubar uma lei aprovada pelo Congresso é tão simplista quanto dizer que um punhado de jornalistas fez isso.
A secretária de inovação do PSOE, María González, revela que existe uma equipe que monitora as conversas sobre o partido na rede. Os TT fazem "disparar os alarmes", mas afirma que a opinião da cidadania no Twitter é levada em conta "assim como a de uma associação que se reúne com representantes políticos para transmitir suas preocupações". É relevante. É valorizada, mas não é vinculante.
Para González Rubí, "o governo anterior não reagiu demais à Internet, mas durante muito tempo reagiu a menos", aponta. E isso que a preocupação com as opiniões transmitidas na Internet se materializou pela primeira vez em 2009, quando representantes do Ministério da Cultura se reuniram com internautas influentes para falar, precisamente, da pirataria digital.
Escolar insiste em que não se deve desprezar a rede nem o Twitter porque "o que acontece na Internet tem muita influência nos meios de comunicação tradicionais, e portanto em toda a sociedade".
Polo conta que a Actuable começou uma campanha para que se retirasse de venda o livro "Compreender e Curar a Homossexualidade". Através do Twitter e do Facebook, conseguiram que milhares de pessoas assinassem essa petição. Em menos de um dia El Corte Inglés e La Casa del Libro retiraram o livro. "As empresas têm necessidade de responder em tempo real porque as pessoas confiam ou deixam de confiar nelas em tempo real. Não é como os políticos, que só precisam de referendo uma vez a cada quatro anos", argumenta.
O programa da Telecinco "La Noria" conhece bem o poder condensado nos 140 caracteres que podem ser publicados no Twitter. Um blog criticou duramente a entrevista realizada nesse espaço com a mãe de El Cuco, um dos acusados pela morte de Marta del Castillo. O texto foi retuitado até a saciedade e deu lugar a um animado debate nessa rede. Alguns internautas, como lembra Dans, deixaram mensagens de reprovação nos muros do Facebook das marcas que eram anunciadas durante a transmissão do programa, e muitas delas decidiram retirar seus anúncios.
Quase todos os jornais nacionais veicularam a polêmica no Twitter. De fato, é cada vez mais fácil ver um tuíte como declaração em uma reportagem. Às vezes que um tema tenha sido TT é suficiente para que se fale dele em um veículo. Muitos olhos estão atentos nas redações ao que acontece nessa rede social. "É muito cedo para dizer até que ponto estamos superdimensionando a importância informativa. Pode haver um fator moda. Há sete anos era notícia que um site fosse pirateado ou que a Wikipédia publicasse algum dado errado ou absurdo. Hoje, com a distância, não nos parece relevante", indica Escolar.
Mas o que está fora de qualquer dúvida, para o doutor em direito González de la Garza, é que o Twitter e outras redes configuram uma nova forma de opinião pública que está demonstrando sua capacidade de "forçar a classe política, empresarial e a mídia a levar em conta as manifestações que nelas ocorre".
O especialista em votação online acredita que terão cada vez mais influência, até adquirir uma eficácia equivalente à televisão quanto à formação e articulação dessa opinião. Constituir-se-ão em uma ferramenta para pressionar e influir em política em tempo real, e não só uma vez a cada quatro anos. Mas, apesar de cada vez mais vozes exigirem a mudança do sistema democrático e eleitoral, González de la Garza considera que está muito longe de constituir uma fórmula eficaz e segura de representatividade democrática.
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Twitter influi cada vez mais em decisões políticas e empresariais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU