19 Novembro 2011
Quando os eclesiásticos querem dizer a uma pessoa (ou a um grupo de pessoas) que tem que obedecer cegamente à hierarquia, recorrem ao termo comunhão. E comunhão total foi o que o Vaticano pediu, pela boca do núncio de Sua Santidade na Espanha, Renzo Fratini, às religiosas e aos religiosos espanhóis, reunidos em assembleia geral. “Comunhão filial com a Igreja e com os seus pastores”, exigiu o representante papal. Ao que o presidente da Conferência dos Religiosos da Espanha - Confer, Elías Royón, jesuíta, respondeu, em nome dos religiosos, com uma promessa: “Contribuir com a comunhão eclesial é um dos objetivos que a Confer mais aprecia”.
A reportagem é de José Manuel Vidal e está publicada no sítio espanhol Religión Digital, 15-11-2011. A tradução é do Cepat.
Após a eleição de Elías Royón como presidente da Confer e de dom Vicente Jiménez como presidente da Comissão Episcopal para a Vida Consagrada, se acreditava que a tensão entre os bispos e os religiosos havia amainado. Mas parece que não, ao menos pelo que se viu e ouviu na abertura da 18ª Assembleia Geral da Confer.
Sempre que as autoridades hierárquicas se reúnem com os religiosos parece pairar no ar um certo clima de reprovação por excederam a liberdade, por estarem demais nas fronteiras, por não pregarem totalmente as diretrizes da hierarquia. Essa sensação se converteu hoje em um fato, após o evidente puxão de orelhas do núncio Fratini, que presidiu a eucaristia e a sessão de abertura da Assembleia, flanqueado por dom Jiménez, pelo presidente da Confer, Elías Royón, pela vice-presidente, Margarita Bofarull e pela secretária geral, Julia García, e pelo apresentador, o claretiano Gonzalo Díez.
Diante de uma sala completamente cheia, com a presença de 320 superiores e superioras maiores, o núncio começou reconhecendo “a fidelidade dos presentes à vida consagrada”. Mas imediatamente destacou que “o Evangelho não passa” e “seus critérios são para sempre”. E extraiu a primeira conclusão, indiretamente reprovatória: “Não se pode fazer releituras do Evangelho para conformá-lo com o que pede o mundo”. E, por isso, pediu aos presentes “afirmar a própria identidade, assim como o amor e a adesão à Igreja”.
Ao amparo da recém celebrada JMJ, dom Fratini recordou que os jovens estão dispostos a abraçar apenas formas religiosas autênticas e vividas na radicalidade evangélica. Uma radicalidade que, segundo o núncio, “se expressa na comunhão filial com a vida da Igreja e com seus pastores”, assim como na missão.
“Parcela fecunda da vinha do Senhor”
Mais conciliador, o novo presidente da Comissão Episcopal da Vida Consagrada e bispo de Santander, Vicente Jiménez, também recordou o “clarão de luz” que foi a JMJ e assinalou que assume o cargo “com alegria, para servir a esta parcela fecunda da vinha do Senhor”. Porque “os bispos olhamos para a vida consagrada como algo nosso”, que “está no coração mesmo da Igreja” e é “um elemento decisivo de sua missão”.
Um dos temas mais urgentes para a vida religiosa é a incorporação de novas vocações. Para consegui-lo, dom Jiménez pediu “um testemunho, que deve ser significativo, em uma sociedade marcada pela secularização e pela indiferença religiosa”. O prelado reconheceu que a pastoral vocacional é difícil e delicada e, portanto, é “fácil esmorecer”. Talvez por isso, convidou “a manter viva a chama da esperança em meio às dificuldades”. E concluiu sua intervenção com o evangélico “duc in altum” (vão para águas mais profundas) de Jesus a Pedro.
Elías Royón: “Vida religiosa em e para a Igreja”
O jesuíta Elías Royón foi eleito, há dois anos, para melhorar a sintonia da vida religiosa com os bispos e, especialmente, com o setor mais conservador da Conferência Episcopal. E, num longo discurso, belo e bem trabalhado, quis colocar as grandes questões da vida religiosa atual e, de passagem, responder, indiretamente, ao pedido de obediência do núncio de Sua Santidade.
E, após saudar os participantes, abordou diretamente a questão colocada pelo núncio: “Me compraz recordar neste momento, que contribuir com a comunhão eclesial é um dos objetivos que a Confer mais aprecia, acreditamos em sua necessidade e apostamos em que seja cada vez mais possível. A vida religiosa é essencialmente um serviço na Igreja e para a Igreja. Um serviço que os religiosos prestam nas Igrejas locais, a partir de seu ser de consagrados e de sua atuação missionária, de acordo com os carismas que lhes são próprios”.
A partir desta atitude de “conversão que exige a comunhão eclesial no fazer pastoral”, o presidente da Confer agradeceu, inclusive, os puxões de orelha dos bispos. “Reconhecemos e agradecemos quando, com caridade e na fraternidade evangélicas, desde o serviço da autoridade, nos indicam lacunas, nos advertem para atuações a serem corrigidas; como confiamos, com igual gratidão, que nossos pastores nos animem e acompanhem a continuar encarando, desde a nossa própria peculiaridade que enriquece a comunhão, as urgências missionárias das fronteiras da nova evangelização”. Para isso pediu para “dissolver os preconceitos” e “criar ambientes construtivos”.
Em compensação, se queixou de que haja congregações religiosas que continuam fora da Confer. Trata-se de algumas congregações que pertencem ao âmbito mais conservador da Igreja e que, há alguns anos, ameaçaram inclusive criar outra Confer paralela.
“Não posso ocultar a vocês, no entanto, a preocupação que produz em nós o fato de constatar que algumas Congregações Religiosas vêm se colocando à margem da Confer como Instituição e estão ausentes de suas atividades. Nos alegraria se, com a colaboração de todos, esta situação fosse mudando, como igualmente que se estabelecessem relações respeitosas e fraternas com outros grupos e movimentos eclesiais. Da nossa parte, devemos examinar e refletir sobre os obstáculos que podem impedi-las ou dificultá-las”, explicou Royón.
E conclui: “Construir e ampliar a comunhão na Igreja, também em suas dimensões horizontais, não é algo opcional, deixado à discrição de pareceres e apreciações particulares ou conjunturais, mas que é exigido pelo próprio fato de ser Igreja”.
“Samaritanos da esperança”
Após deixar claro a total comunhão da Confer com Roma e com os bispos, Royón convidou os seus a serem “samaritanos da esperança”. E dessa perspectiva abordou “a lógica preocupação com as vocações”. “Conscientes, contudo, de que o futuro da vida consagrada não se joga, como alguns pretendem, no número de pessoas com que as Congregações contam”, disse. E destacou que a falta de vocações é algo que afeta a toda a Igreja e que responde a diversas e muito complexas causas.
Entre estas e outras causas, Elías Royón concluiu: “Por conseguinte, é possível afirmar com objetividade que a crise vocacional não pode ser atribuída aos defeitos e debilidades dos religiosos, como às vezes se escreve e se diz. É preciso reconhecer que a maioria das causas, por sua origem e natureza, escampa à nossa capacidade de mudá-las ou fazê-las desaparecer”.
Na sua opinião, portanto, a preocupação vocacional tem que ser “mais com a qualidade do que com a quantidade de vocações”, porque “não se pode ter noviços a qualquer preço”. Por isso, sem “cair na resignação ou na desilusão”, pediu “um salto de qualidade na pastoral vocacional”, que passa pelo “testemunho” da vida comunitária, pela pobreza e pela simplicidade.
E Royón colheu uma sonora salva de palmas. Um religioso, sentado ao meu lado, dizia, enquanto aplaudia: “Muito bem, muito bem”. Mas, no banco de trás, outra religiosa resumia assim as intervenções da sessão de abertura: “Já está bem de tanta comunhão, como se não a estivéssemos vivendo já no máximo!”.
Um puxão de orelhas do núncio?, perguntou a duas religiosas. Uma delas responde: “O núncio é muito próximo da Confer. Acontece que está preocupado com o fato de os bispos espanhóis não nos valorizarem”. O que explica, pelo que parece, a bronca ‘nuncial’.
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O Vaticano exige obediência total dos religiosos espanhóis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU