06 Novembro 2011
Das escadas da Catedral de St. Paul em Londres e da reunião do G-20 em Cannes capto esta mensagem para os banqueiros: vocês têm de nos dar alguma coisa de volta.
O comentário é de Timothy Garton Ash, professor de Estudos Europeus na Universidade Oxford, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 06-11-2011.
Por "banqueiros" quero dizer todos os que enriqueceram muito no setor financeiro nos últimos 25 anos. Por "alguma coisa" quero dizer dinheiro, como no belo suplemento de compras do Financial Times com seu título além da paródia: "Como gastar seu dinheiro". Por "de volta" quero dizer de volta para a sociedade - nos seus países de origem ou no exterior -, que hoje está sofrendo com o resultado de uma crise iniciada com essas instituições financeiras; sociedade que depois teve de emprestar para algumas dessas instituições porque elas eram "grandes demais para falir". E "dar" significa dar. Com o Natal já chegando, saquem seus talões de cheques, usem suas contas bancárias online, procurem instituições de caridade que realmente ajudem os pobres, os fracos, os aflitos, e doem apenas uma modesta parte dos seus (usem seus próprios adjetivos) ganhos. Será um pequeno passo para vocês, mas um passo enorme para aqueles que passam necessidade.
Existem pessoas muito ricas que doam com grande generosidade, às vezes sem desejar reconhecimento público. Muito louvável. Mas parece que fazer caridade não combina com riqueza - ao menos, não na Grã-Bretanha. Uma pesquisa do Conselho Nacional de Organizações Voluntárias e da Fundação de Ajuda às Instituições Beneficentes indica que, enquanto aqueles que ganham menos de £ 32 mil (US$ 51 mil) por ano doam em média mais de 1% da sua renda a instituições beneficentes, os que ganham mais de £ 52 mil (US$ 83 mil) anuais doam em média só 0,8%. Em proporção à renda, os menos favorecidos doam mais que aqueles em melhor situação.
O cálculo, sem dúvida, é complicado porque grande parte da riqueza das pessoas consiste em participações acionárias e outras formas não facilmente mensuráveis de capital ou propriedade. A Lista de Doações do Sunday Times, elaborada com base na sua Lista de Ricos (mais longa), estima que as doações feitas pelos cem principais filantropos do país totalizaram £ 2,49 bilhões (US$ 3,99 bilhões). Isso equivale a quase um quarto do total estimado de doações feitas por pessoas individualmente no mesmo ano, que totalizaram £ 10,6 bilhões (US$ 16,9 bilhões). O que não sabemos é quanto foi calculado para o restante das aproximadamente 5 mil pessoas com um patrimônio pessoal de no mínimo £ 20 milhões (US$ 32 milhões), cujas obrigações fiscais são geridas por uma unidade de monitoramento dos contribuintes que têm as maiores receitas líquidas dentro da receita federal britânica. Mas muitos deles podem doar muito mais sem que isso afete seu estilo de vida.
John Low, diretor executivo da CAF, pediu essa semana que as pessoas doassem ao menos 1,5% de sua renda às instituições de caridade todo ano, com o porcentual aumentando para os mais ricos. Uma iniciativa que se originou em Oxford chamada Dando o que se Pode (www.givingwhatwecan.org) estabeleceu uma meta ainda mais ambiciosa: você se comprometeria a doar pelo menos 10% de seu rendimento anual.
Com um utilitarismo inflexível e rigoroso, esse grupo, liderado pelo filósofo de Oxford Toby Ord, sugere que se deve doar para as instituições de caridade que têm um impacto mensurável em termos de salvar vidas e outros índices. O grupo fornece uma ferramenta de cálculo online (http://www.givingwhatyoucan.org/resources/what-you-can-achieve.php), que indica que se você doar um décimo de uma renda de £ 100 mil libras (US$ 160 mil) por ano nos próximos dez anos, poderá salvar 368 vidas - ou financiar 55.193 anos de ensino para crianças nos países em desenvolvimento. Se a consciência o levar a concentrar sua atenção nos que passam por necessidades no seu país (desenvolvido), o retorno quantitativo será menor, mas ainda assim, substancial.
Por que destacar os banqueiros? Não são apenas eles, naturalmente. O argumento ético serve para todos em boa situação. E se aplica com força aos diretores executivos com salários absurdos das maiores companhias. Mas há algo particular no caso dos banqueiros, cuja conduta coletiva e erros de julgamento tiveram um papel fundamental para nos lançar nessa confusão.
Eles tinham acesso mais rápido a ativos líquidos enormes do que as pessoas que trabalham na maioria das outras atividades. E ficaram com a parte do leão dos lucros. Esses lucros foram calculados sobre os ganhos anuais das instituições, com provisões inadequadas contra os riscos de longo prazo. Os negócios que aumentaram esses lucros foram motivados pelo conhecimento de que se traduziriam, em questão de meses, em imensas bonificações que esses executivos levariam para casa. "Sejamos honestos", disse John Nelson, novo diretor do mercado de seguros do Lloyd"s, à rádio BBC, "a crise foi criada tanto pelas remunerações quanto por tudo o mais".
E, quando o colapso ocorreu, eles simplesmente sumiram, com nada mais sério do que um nome levemente sujo. Que diferença em relação àqueles sócios anteriores com responsabilidade individual ilimitada na imperturbável velha City londrina, onde meu pai e avô trabalharam nos dias em que as operações eram mais corretas.
Outros desses banqueiros do novo estilo seguiram trabalhando, tendo seus bancos resgatados por nós, os contribuintes. Neste Natal voltarão para casa com bonificações imensas, para as quais não há justificativa. E, quando digo que não há justificativa, quero dizer que não há justificativa. Somos constantemente lembrados de que essas imensas recompensas devem ser pagas porque há um pequeno grupo de super-homens e supermulheres que seriam cooptados por Frankfurt, Nova York ou Xangai caso não recebessem tanto. Conversa fiada, baboseira. Existe um pequeno grupo de fantásticos violinistas, autores, empreendedores e jogadores de tênis. Estes merecem colher recompensas. Roger Federer, J. K. Rowling, Yehudi Menuhin, valem cada centavo do que recebem. Já os banqueiros....
Tive amigos na universidade que decidiram se tornar banqueiros 30 anos atrás. Estavam entre os mais brilhantes e mais trabalhadores de nós. Mas será que eram de fato insubstituíveis? Não. De excepcional, apenas a opulência com a qual essa profissão específica, neste momento específico, os presenteou. Em questão de poucos anos, me sentei com um deles em meio a uma série de encartes oferecendo propriedades multimilionárias nos subúrbios, e o ouvi explicar: "Pois é, a City tem me tratado bem". Ah, a glória do eufemismo.
Não estou dizendo, como dizem muitos dos manifestantes diante de St Paul"s, que precisamos de uma alternativa ao capitalismo. Em vez disso, o que precisamos é um capitalismo alternativo, mais para o da Escandinávia que para o dos cassinos. Não estou dizendo, nos moldes neovitorianos, que a caridade individual poderá solucionar os problemas subjacentes. Para tanto, precisamos de mudanças estruturais: barreiras, ou mesmo uma separação completa, entre os bancos comerciais e os bancos de investimento (de modo que possamos deixar que esses últimos quebrem); o reembolso das bonificações que se mostrarem injustificadas distribuído em múltiplos anos; um imposto para as transações financeiras; e assim por diante. Outra coisa que não estou dizendo é que esses banqueiros fossem más pessoas. Diante de tamanhas tentações, quantos de nós teriam resistido?
Tudo que estou dizendo é: eis aqui algo que um particular grupo que enriqueceu muito depressa, ao que tudo indica, às custas dos outros, pode fazer para ajudar imediatamente. Chame de reparação, se quiser. Chame de fazer a coisa certa. Chame do que preferir. O importante é que seja feito.