03 Novembro 2011
Não é preciso ter medo de "mudar o jogo" para evitar que continue a hegemonia cultural da direita anti-Estado. Fora do Ocidente, descobrem-se perspectivas diferentes: os países emergentes inventam formas para crescer ecologicamente compatíveis. O novo livro de Federico Rampini é um olhar cosmopolita sobre os modelos alternativos para superar a crise.
A reportagem é de Barbara Spinelli, publicada no jornal La Repubblica, 01-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há muitos anos, Federico Rampini nos acostumou a ser nômades, com os livros sobre China, Índia, EUA. Mas, desta vez, ele se detém, mistura as coisas vistas e extrai uma síntese. Desta vez, o jornalista errante quer influir sobre a polis e, especialmente, sobre a província da polis que lhe é mais próxima: a esquerda.
O seu último livro é uma carta (Alla mia sinistra, Ed. Mondadori), e o nômade se transforma em pedagogo, que ensina a preciosa arte que aprendeu: o olhar cosmopolita.
O seu cosmopolitismo não nasce de uma doutrina, da qual pode-se deduzir a abertura, curiosa, ao diferente. No seu caminho rumo à condição de cidadão do mundo, Rampini adota o método indutivo. É explorando a realidade e os fatos distantes que as lentes cosmopolitas se impõem, como único método para entender o presente: graças a elas, descobrimos que Itália, Europa, Ocidente são fragmentos de um mosaico mais vasto e surpreendente.
Encerrados nas cercas nacionais, acreditamos ver, mas não vemos. Essa é uma das lições do livro. O leitor ficará impressionado com a quantidade de notícias sobre o milagre econômico da Índia, China, Brasil, ou sobre a globalização que se torna um caos cruel entre o México e os Estados Unidos (vem à mente a atroz série de mortes em 2666 de Roberto Bolaño). Parece que nós também conhecemos um pouco da sua "Chíndia" (China + Índia), do seu Brasil, dos seus EUA, quando fechamos o livro: ao penetrar seus esplendores e misérias.
Vemos um capitalismo que segrega ao mesmo tempo prodígios e degradações inauditos, em movimento incessante. Vemos melhor a nós mesmos e como ainda nos iludimos de ser o centro do mundo. O belo do livro é que saímos dele como leitores em metamorfose: uma condição estranha, não diferente da descoberta, na pintura pré-renascentista, da perspectiva.
A perspectiva é feita de antinomias: de espaços descobertos. Costumamos falar de recessão, depois do colapso de 2007-2008, mas nem todos a vivem assim. Para uma grande parte da terra (o Bric, isto é, Brasil, Rússia, Índia e China), a crise não é a Grande Contração. É um novo começo, prometido a milhões de rejeitados.
É uma formidável "redistribuição da esperança", escreve o autor. Ela é acompanhada por reviravoltas geopolíticas das quais recém nos damos conta: não são só os nossos consumos ou o nosso welfare que se contraem. A América do Norte se enruga, assim como a Europa depois das guerras do século XX. Passaram-se apenas dez anos desde que Washington se autoproclamou a nova Roma imperial: a melancolia agora também a captura, como capturou a Europa. Os espíritos animais do capitalismo, eufóricos, se mudaram para o Brasil, China, Índia. Ai, a história começa novamente.
Há uma interrogação crucial posta por Rampini: "Poderia ter sido de outra forma?". Eram fatais, no Ocidente, o naufrágio das esperanças e da política, o predomínio de poderes financeiros anônimos aos quais, durante décadas, foi concedida a desregulamentação, a fraude dos impunes, o abismo, enfim, que engoliu o nosso capitalismo?
De fato, não era inevitável, tudo poderia ter sido diferente se houvesse prevalecido a lei, a ética pública. Quem viu o terrível filme de Charles Ferguson sobre a crise, Inside Job, sabe do que estamos falando. Não era fatal que a esquerda se atolasse no mimetismo, cedesse ao caos do mercado: sobretudo a elogiada esquerda reformista de Clinton, Blair, que facilitou a hegemonia da direita e a sua letal desregulamentação.
Rampini não hesita em falar de plutocracia: um termo, talvez, muito incandescente (também foi usado pelos fascismos contra a democracia). O que é obsceno, no poder da riqueza, é o uso que se faz dele: a desigualdade patológica que ela produziu, a arrogância imperial, a ausência de limites, e, portanto, de moral. A crise revelou uma corrupção mental profunda das elites, e o declínio da moral ocidental é o evento do século.
No dia 29 de janeiro de 2002, pouco depois do 11 de setembro, Paul Krugman escreveu um memorável artigo no The New York Times (The Great Divide): não foi o 11 de setembro que "mudou tudo". O ponto de viragem que desmascarou a nossa podridão, lembra Rampini, foi o escândalo Enron, a gloriosa sociedade ligada a Bush e Dick Cheney, que ruiu no dia 2 de dezembro de 2001 pela falsa contabilidade.
Tudo poderia ter ocorrido diferentemente: é preciso partir dessa análise autocrítica. A história não é feita com os "se", mas a consciência histórica sim. A Europa seria diferente se tivesse sido implementado o plano Delors sobre os investimentos comuns, financiados por euro-obrigações. Se o euro não tivesse ficado sem Estado. Se alguém realmente tivesse querido "mudar o jogo". Rampini reserva palavras duras para o que Tommaso Padoa-Schioppa disse quando era ministro da Economia: "Os impostos são uma coisa muito bonita". Talvez ele se esqueça que "muito bonita" para ele não era a ação de pagar, mas sim a ideia de que o consumidor se sentisse contribuinte dos bens comuns (estradas, escolas, transportes): frases desse tipo, heréticas, "mudam o jogo".
O próprio Rampini denuncia a revolta americana do Tea Party contra o estatismo e o fisco. É a confirmação de que muitas vezes votamos contra nós mesmos: "Por uma ilusão de ótica desconcertante, ou uma miragem coletiva, 16% dos norte-americanos está convencido de pertencer ao 1% dos mais ricos (...). A ideia de que qualquer impedimento à liberdade de mercado nos torna a todos um pouco mais pobres e prisioneiros de um Estado opressivo tem uma força irresistível na cultura de massa norte-americana".
Se as coisas poderiam ter sido diferentes ontem, ainda mais hoje. A descoberta da perspectiva (de um planeta não mais dominado pelo Ocidente) ajuda a encontrar formas de viver diferentes, adaptadas à Grande Contração. Formas as quais Rampíni dedica o belo capítulo final: baseadas na subtração, não na adição do supérfluo. São caminhos viáveis, e não tristes, contrariamente ao que se disse quando Berlinguer ou Carter falaram (em 1977 e 1979) de austeridade. Justamente os países emergentes inventam, hoje, crescimentos ecologicamente vigilantes. O Brasil pensa no automóvel de biofibra, ou no bioetanol feito de cana de açúcar. Para descobrir novas ideias, basta olhar para onde a esperança renasce. Basta colocar os óculos cosmopolita.
De uma coisa, o autor está convencido: foi a direita anti-Estado que conquistou a hegemonia cultural, depois da crise do petróleo de 1973. E o fracasso não parece afetá-la. Esse é o verdadeiro desafio que a esquerda tem pela frente. Mas, assim como no século XIX e XX, a social-democracia é talvez a solução. O Brasil de Lula é social-democrata. O modelo alemão, austero guardião do Estado social, mesmo quando governam os democratas-cristãos, é social-democrata: a única alternativa para a China, segundo Rampini.
Tudo isso, Rampini escreve para a esquerda, para que não tenha medo de "mudar o jogo". Para que aprenda a perspectiva. Para que não viva, ela também, como os populistas, na "mentira permanente". Para que não se torne, como Obama, um soldado "desaparecido em combate", que não dá mais sinal de vida: ou por ter morrido em batalha, ou por ter caído em mãos inimigas, ou por ser um desertor.