A deputada
Luiza Erundina (PSB-SP) desconfia da pressa do governo para aprovar o projeto de lei que cria a
Comissão Nacional da Verdade. Em sua avaliação, a correria não se deve a uma preocupação sincera com o esclarecimento de violações de direitos humanos ocorridas na ditadura militar. O objetivo verdadeiro seria dar uma satisfação rápida à
Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e evitar constrangimentos internacionais ao Brasil.
A reportagem é de
Roldão Arruda e publicada pelo jornal
O Estado de S. Paulo, 08-09-2011.
No ano passado, em resposta a ação movida por familiares de desaparecidos na
guerrilha do Araguaia, aquela corte determinou ao País que investigue e puna os responsáveis por crimes contra a humanidade cometidos na ditadura. O prazo para que o governo comece a atender à ordem com ações acaba em dezembro.
"É possível que, em dezembro, quando a corte cobrar o Brasil, o governo responda que criou a
Comissão da Verdade, tentando evitar um vexame político internacional", diz a deputada e ex-prefeita de São Paulo. "Mas é pouco provável que a comissão tenha condições de atender ao que está sendo exigido."
A desconfiança de
Erundina é baseada em três pontos. A primeira é que a comissão não terá autonomia orçamentária: ficará dependente de verbas da Casa Civil da Presidência. Em segundo lugar, disporá de prazo de apenas dois anos para concluir seu trabalho. A terceira e última questão é que contará com poucos integrantes - serão sete - para uma missão muito ampla.
"Em países da América Latina que realizaram investigações semelhantes, as comissões chegaram a ter 200 integrantes", diz a deputada. "Aqui serão sete, sem orçamento próprio e com pouco prazo. Tudo leva a crer que não acrescentarão nada àquilo que os que os familiares já sabem sobre os crimes."
Nos seus comentários sobre a movimentação do governo para aprovar o projeto de lei em regime de urgência urgentíssima, sem debates, ela recorda a forma como nasceu: "O
presidente Lula enviou o projeto para o Congresso em maio do ano passado, no momento em que a Corte da OEA começava a deliberar sobre o Araguaia. O governo temia a repercussão no exterior".
A ex-prefeita é uma voz isolada nesse debate - mas das mais autorizadas. Ao assumir a Prefeitura, em 1989, ela criou uma comissão especial para investigar as denúncias de que opositores políticos do regime haviam sido enterrados sem identificação numa vala clandestina do
Cemitério Dom Bosco, região de
Perus.
Integrada por representantes do poder público e dos familiares, a comissão foi auxiliada no trabalho de identificação das ossadas pelo Departamento de Medicina Legal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para isso,
Erundina assinou um convênio especial com a escola.
O esforço deu resultado: foram identificados dois desaparecidos - os primeiros de uma lista que chega a 159. Em seguida, os trabalhos se estenderam para outras valas de
Perus e outros cemitérios, mais uma vez com resultados positivos: mais sete desaparecidos acabaram identificados.
Membros da comissão ainda integraram expedição à região da
guerrilha do Araguaia, no Pará. Voltaram após identificação dos restos mortais de mais três desaparecidos. Foram os últimos.
Desde que
Erundina deixou a Prefeitura, em janeiro de 1993, não ocorreu mais nenhuma identificação. Para ela, isso se deve à falta de vontade política: "Os resultados que tivemos há 20 anos estiveram ligados sobretudo à determinação política de ir atrás e esclarecer os fatos. Eu era apenas prefeita, num período de liberdade democrática menor do que a de hoje".
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Erundina vê "jogo" com Comissão da Verdade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU