31 Julho 2011
Os brados do terrorista Anders Breivik contra o multiculturalismo e o Islã trazem de volta à capital norueguesa a discussão sobre os já endurecidos limites de liberdade na fronteira.
A reportagem é de Steven Erlanger publicada no The New York Times, traduzida e reproduzida pelo jornal O Estado de S.Paulo, 01-8-2011.
Essa é uma das mais plácidas e agradáveis capitais da Europa, mas está dividida. A zona oeste da cidade é rica, segura e predominantemente branca. O lado leste é mais pobre, menos seguro e povoado de imigrantes, na maior parte muçulmanos.
Recentemente, a Noruega endureceu suas normas de imigração e asilo em meio a um antigo debate sobre integração e multiculturalismo. Apesar da riqueza vinda do petróleo e o baixo índice de desemprego, a população está cada vez mais preocupada com o crescimento do contingente de imigrantes muçulmanos, principalmente depois dos atentados de 11 de Setembro, e com a crise dinamarquesa que eclodiu com a publicação, em 2005, de caricaturas do Profeta Maomé.
Mas a população muçulmana cresce e o islamismo hoje é a segunda maior religião do país. O impacto dessa população sempre em aumento e cada vez mais visível contribuiu para o avanço do Partido do Progresso - que combate a imigração e hoje é o segundo maior partido no Parlamento -, e parece ter sido uma das causas indiretas do massacre perpetrado contra a elite branca da Noruega. O suspeito, Anders Behring Breivik, alega ter sido compelido a agir diante do fracasso dos políticos - incluindo o Partido do Progresso -, em conter a maré islâmica.
Em muitos aspectos, esses argumentos parecem absurdamente inflados. A Noruega, com 4,9 milhões de habitantes, tem 550 mil imigrantes, cerca de 11% da população, mas 42% deles têm cidadania norueguesa. A metade dos imigrantes no país é de europeus brancos, especialmente poloneses e suecos, que vieram para a rica Noruega em busca de melhores salários.
Mas a população imigrante quase triplicou entre 1995 e 2010 e os muçulmanos, como em todas as partes da Europa, têm famílias bem maiores do que a população local.
Barreiras
Seja por problemas econômicos, o desejo de viver com outros muçulmanos ou por causa das políticas sociais equivocadas, em algumas cidades guetos de imigrantes foram formados, o que impede que eles assimilem a cultura e a língua norueguesas e se integrem plenamente a sociedade. Em Furuset, bairro localizado no ponto final da linha de metrô a leste de Oslo, o número de imigrantes supera o de noruegueses, que vêm fugindo dessa área.
Uma enorme mesquita, inaugurada recentemente, fica próxima de um centro comunitário logo acima da estação de metrô, cercada por um pequeno parque com bancos. Nesse parque há uma estátua de Trygve Lie, antigo primeiro-ministro exilado durante a Segunda Gurra que se tornou o primeiro secretário-geral das Nações Unidas, um símbolo da resistência norueguesa e do cumprimento das responsabilidades internacionais.
"Quando mudei para cá em 1976, essa era uma região nova e só havia cidadãos noruegueses", disse Lisbeth Norloff, professora de língua norueguesa. "Agora, eles são poucos e alguns estão saindo daqui". Ela diz que está feliz que os filhos cresceram e vivem longe dali, "de modo que não preciso me preocupar".
Nas suas aulas, entre os quarenta alunos há apenas dois noruegueses nativos, e ela diz que precisou baixar o nível de ensino pois muitos estudantes não falam o norueguês em casa. "Acho que os dois lados estão perdendo", disse.
"Aqui em Oslo existem muitas escolas onde a maioria dos estudantes não é de família de língua norueguesa", disse Harald Stanghelle, editor político do jornal Aftenposten. "É um fenômeno novo na Noruega e tem provocado um novo tipo de debate".
No geral, esse debate refere-se a como integrar os imigrantes em um país pequeno com uma língua difícil se eles não conseguem se expressar bem mesmo nas escolas públicas.
Diferenças
Embora a discussão seja similar à observada em outros países da Europa Ocidental, a Noruega é rica, estável e com uma taxa de desemprego baixa, fatores que impedem que a competição por uma vaga de trabalho torne-se um grande problema.
Uma outra diferença importante é que esse país sempre acolheu vítimas mais pobres de conflitos como refugiados - como os vietnamitas que fugiam de barcos do seu país em guerra, décadas atrás, ou os somalis e eritreus nos dias atuais.
Esses refugiados geralmente não são pessoas cultas e muitos passaram por experiências terríveis. Dessa maneira, sua integração é mais difícil, pelo menos até a segunda ou terceira gerações. Por exemplo, muitos vietnamitas tiveram problemas no início, mas seus filhos e netos estão se saindo muito bem na escola e bem integrados na vida norueguesa.
Um membro do Partido do Progresso que não quis que a política se introduzisse no luto e solidariedade nacionais, e pediu para não ser identificado, afirmou que agora há um maior consenso no sentido de políticas mais severas e mais restritivas. "As nossas políticas de imigração e integração são extremamente ingênuas, e agora isso é admitido por todos os partidos políticos", afirmou.
No passado, qualquer crítica às políticas de asilo e imigração era taxada de racista, "mas essa crítica foi retificada". Estamos levando adiante um debate de fato sobre a imigração e integração e uma eleição a cada quatro anos. Somos um país de consenso, essa é a Noruega e estamos unidos frente ao problema", disse ele.
Ataque
Para Arne Strand, antigo editor político do jornal Dagsavisen, Anders Breivik é um "cavaleiro solitário", cujo caótico manifesto não representa uma real corrente de pensamento na Noruega, exceto de uma minúscula direita marginal. Mas, mesmo que os noruegueses odeiem a ideia, ele acha que o massacre terá algum impacto na política. "Esse ataque, essa carnificina, vai provocar de novo um debate, e no próximo mês haverá eleições locais", afirmou.
Mas existe também um debate entre os imigrantes em Furuset, que temem que a fuga de noruegueses nativos do bairro possa prejudicar as chances de uma vida melhor para os seus filhos.
Yemane Mesghina, 39 anos, chegou ao país há nove anos, como refugiado da Eritreia e está imensamente grato aos noruegueses pela hospitalidade. Ele trabalha como faxineiro e vive em Furuset com um bebê e sua namorada, porque, diz ele, "é barato" numa cidade muito cara. Ele se sente em casa na Noruega? Yemane sorri.
"A cultura e a língua são diferentes", afirma. O bairro é dominado por paquistaneses, diz ele, que vieram ao país como trabalhadores convidados nos anos 70 e 80, quando a Noruega precisava muito de mão de obra. Cerca de 90% das pessoas no edifício em que mora são paquistanesas, diz ele. E o bairro também é tristemente célebre por causa de uma gangue criminosa paquistanesa, conhecida como "B Gangue".
Para Yemane, o aspecto positivo dessa maioria muçulmana é que "não existe álcool por aqui". Mas ele se preocupa com o filho. "Fico preocupado que ele não consiga aprender a língua do país, incuindo até as piadas", disse. Mas, como muitos no bairro, Yemane não ficou excessivamente preocupado com a possibilidade de os assassinatos se traduzirem em nova pressão contra muçulmanos. "O mais importante é o que a maioria pensa", disse. "E a maioria nos trata bem".
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Dividida, Oslo debate o papel da imigração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU