Do papa aos formadores de seminaristas, as autoridades da Igreja Católica se preocupam com as tendências homossexuais de candidatos ao sacerdócio e à vida religiosa, mas não conseguem apontar o que se deve fazer para enfrentar as mudanças no campo afetivo que invadem seminários e conventos.
A reportagem e a entrevista é de
José Maria Mayrink e publicada pelo jornal
O Estado de S.Paulo, 25-06-2011.
Numa visão psicoterapêutica e pedagógica, o padre e psicólogo
Edênio Valle discute no livro
Tendências Homossexuais em Seminaristas e Religiosos (Edições Loyola), escrito em colaboração com
Deolino Baldissera,
Eliana Massih e
Ênio Brito Pinto, também psicólogos, o desafio enfrentado pela Igreja. Para os autores, os escândalos de pedofilia no clero forçaram o Vaticano a tomar posição, mas a questão é mais ampla.
Eis a entrevista.
A Igreja se esforça para acompanhar os seminaristas com tendências homossexuais?
Há uma preocupação e um esforço. Mas os documentos e instruções oficiais não são suficientes do ponto de vista do que se deve fazer. Tendem a ficar na repetição do que é essencial e a permanecer no campo dos princípios e da doutrina.
Esses textos tratam mais dos escândalos de pedofilia ou se estendem à formação e acompanhamento de portadores de tendências homossexuais?
Os escândalos provocados pelo comportamento do clero de vários países foram o estopim de algumas tomadas de posição da Igreja. A respeito da homossexualidade, existem documentos da autoridade eclesiástica que se referem aos problemas e polêmicas sobre o assunto. São posicionamentos independentes da questão da pedofilia ou da homossexualidade no clero. Eles representam uma reação aos debates que se dão na opinião pública. Têm a ver também com a força política que o movimento gay adquiriu nos últimos tempos. Outro ponto que mexe com a Igreja é a veemência com que a maior parte do fogo se concentra contra a Igreja Católica e contra o papa. Os documentos sobre a pedofilia, de cunho mais jurídico, tendem a ser cada vez mais duros e exigentes no plano dos procedimentos a serem observados. Já não é o que ocorre nos documentos referentes à homossexualidade, mais voltados para a formação e o acompanhamento dos seminaristas e padres.
Há resistência da Igreja e dos formadores a recorrer ao auxílio de psicólogos e outros especialistas nos seminários e conventos?
Houve e ainda há resistência, tanto na Igreja Católica quanto nas protestantes históricas. Julgo ser, em boa parte, uma questão de desinformação. Vejo algo análogo em setores não religiosos e acadêmicos mais conservadores. Há uma concordância quanto à necessidade de se condenar a homofobia. Até o catecismo da Igreja Católica reconhece e afirma os direitos de pessoas com tendência homossexual dentro e fora da Igreja. A questão da união civil entre indivíduos do mesmo sexo não encontra concordância tão grande, em especial se sob essa designação fala de casamento, no sentido católico de sacramento e/ou no sentido adotado pela Constituição brasileira.
Não houve uma evolução?
Muitos seminários católicos têm hoje psicólogos acompanhando os jovens. Há exceções, naturalmente. O problema é que alguns casos são bastante complicados e precisam de tratamento. "Sair do armário" só não resolve o problema psicológico de fundo.
Qual é a orientação da Igreja se um seminarista não parece capaz de assumir o compromisso do celibato?
As normas quanto às condições afetivas/sexuais a serem exigidas de um candidato ao presbiterado são as mesmas para todos, independentemente de sua orientação sexual. Na prática, a tendência homossexual acaba ocupando mais espaço e gerando mais preocupação.
Como a Igreja reage à manifestação de movimentos gays que reivindicam a ordenação de homossexuais como um direito?
A Igreja tem sido firme quanto ao princípio em si e não há indícios de mudança. A mera pressão gay não deve mudar seu ponto de vista. Na prática, porém, essa firmeza já não é tão radical. Daí talvez o fato de haver uma preocupação maior com os candidatos de tendência homoafetiva.
O fim do celibato seria solução para a sexualidade no clero?
É preciso distinguir o fim do celibato do fim da lei do celibato. Na Igreja Católica, só uma minoria propõe seriamente o fim do celibato. Na espiritualidade cristã, o que conta é a liberdade e não a lei. Enquanto lei canonicamente imposta, o celibato precisa ser revisto. Sendo livre, o celibato ajudaria no sentido de uma melhor vivência da sexualidade por parte dos ministros da Igreja.
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"Há concordância quanto a condenar a homofobia" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU