24 Abril 2011
De chefe de gabinete de uma secretaria do governo federal para o comando de um dos principais ministérios da Esplanada, com orçamento de cerca de R$ 77 bilhões. Em cinco anos, a ascensão do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, foi meteórica e o petista é tido como aposta do partido para disputar a eleição em São Paulo. Filho da geração que lutou contra a ditadura, seguiu a mesma cartilha da presidente ao conciliar a militância com a formação profissional e ao conquistar projeção no governo em pouco tempo. Sem nunca ter disputado uma eleição, Padilha está em seu segundo ministério desde a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ministro tomou gosto pela política em casa e a história de seus pais se cruza com a da presidente Dilma Rousseff.
A reportagem é de Cristiane Agostine e publicada pelo jornal Valor, 25-04-2011.
Nos anos de chumbo, a mãe de Padilha, Macilea Chaves, trocou o quinto ano da faculdade de medicina, em Maceió, pelo chão de fábrica, em São Paulo. Militante da Ação Popular, envolvida com a Juventude Universitária Católica (JUC), a estudante de 25 anos queria viver perto dos operários e ganhar as massas para derrubar o regime, sem armas.
Em São Paulo, foi acolhida por Anivaldo Padilha, protestante da igreja metodista, que articulava uma rede internacional de apoio aos perseguidos políticos. O estudante de ciências sociais, ligado à Ação Popular, buscava abrigos no exterior e denunciava torturas cometidas pelos militares. Entre a conscientização dos operários e a articulação de redes de apoio, Macilea e Anivaldo casaram-se e tiveram Alexandre Padilha em 1971, em um dos momentos mais difíceis do AI-5.
Macilea fazia a comunicação da Ação Popular com os trabalhadores, apesar de nunca ter conseguido trabalhar como operária numa fábrica. Anivaldo foi perseguido pela ditadura e, em 1970, foi torturado no DOI-Codi, e encarcerado por dez meses no presídio Tiradentes. Teve Dilma como vizinha de parede.
Quando Anivaldo saiu do Tiradentes, Macilea engravidou. A perseguição continuou e ele teve que se exilar. Saiu do país em 1971, pouco tempo antes nascimento de Padilha, e só pode voltar de vez em 1983. "É uma das grandes dívidas que a ditadura tem comigo", emociona-se.
Padilha foi criado pela mãe, com ajuda de amigos e militantes da Ação Popular. Macilea voltou para Maceió para terminar o curso de medicina e depois retornou a São Paulo. Nesse período, Lula despontava como liderança sindical e política. "Eu levava o Alexandre no colo para ver Lula na Vila Euclides", lembra Macilea.
O ministro militou desde a juventude, mas sem abdicar da formação profissional. Na Unicamp, estudou medicina e ascendeu como liderança estudantil. Antes de completar 18 anos, em 1989, engajou-se na campanha presidencial de Lula, coordenando os jovens no PT. Na faculdade, trancou o curso para militar, a exemplo do que seus pais fizeram. Por três anos, cursou poucas matérias para dedicar-se à Direção Nacional dos Estudantes de Medicina. "Ele dizia que não queria terminar a faculdade muito jovem, com 22 anos. Queria ter outro tipo de experiência", lembra o pai.
Padilha tentou comandar a União Nacional dos Estudantes (UNE) pouco antes de a entidade se envolver na campanha pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Sua chapa perdeu para Lindbergh Farias e ele não quis compor a direção, como era de praxe. "Estávamos em campos opostos. Ele dizia que comigo a UNE andava de marcha ré", lembra Lindbergh, senador pelo PT do Rio. "Ele era ligado ao PT e eu, ao PCdoB. Era hiperativo, articulador e extremamente inteligente", diz. Padilha era cotado para sucedê-lo, mas optou por não disputar. "Uns defendiam que eu presidisse a UNE, outros que eu fosse para a direção do PT. Não conseguiria me formar se ficasse na UNE", comenta o ministro.
No PT paulista, Padilha integrou a direção entre 1991 e 1995 e novamente coordenou os jovens na campanha de Lula, em 1994. Com formação católica e contato com as comunidades eclesiais de base, aproximou-se de Gilberto Carvalho, atual ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência.
Em paralelo à militância, Padilha optou na faculdade pela área de infectologia e fez residência na USP. Na universidade, conheceu o médico Marcos Boulos, atual diretor da Faculdade de Medicina, que o convidou para atuar no combate a uma epidemia na Amazônia. "Precisava de voluntários. Ele pediu férias e foi para lá", lembra Boulos. Depois da residência, Padilha fez pós-graduação no Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias na USP e mudou-se para Santarém para montar, com Boulos, um núcleo de extensão em medicina tropical da USP, em 1997. O ministro conciliava meses de trabalho no Pará com o estudo em São Paulo.
Junto ao atendimento a populações ribeirinha e indígena, Padilha fez um trabalho científico sobre medicamentos para combater a malária, em parceria com o médico Wilson Alecrim, atual secretário estadual de Saúde do Amazonas. Com um barco pequeno, ia de casa em casa nos povoados. "O resultado foi publicado em uma das revistas científicas de medicina tropical mais importantes do mundo", conta Alecrim. "Foi extremamente importante porque constituiu a base para o tratamento da malária", explica. O petista teve de negociar com indígenas e ambientalistas, a prefeitura e o Ministério da Saúde para dar andamento ao projeto e destacou-se ao controlar um surto de malária que afligia o povo indígena Zo é. Na cidade, ganhou fama de bom articulador. "Ele era carismático e tornou-se uma referência na área. Trabalhava em condições limitadas", diz o médico Paulo Abati, que trabalhou com Padilha no Pará e é amigo da família.
Em Santarém, Padilha articulou-se no PT e coordenou as campanhas de Maria do Carmo, atual prefeita, à Assembleia Legislativa (1998), à prefeitura (2000) e ao governo do Estado (2002). "Ele se inseriu na vida da cidade. É o paulista mais `amazônico` que conheço", diz a prefeita. O vínculo de Padilha com Santarém continua e ele manteve o título de eleitor lá, assim como a filiação ao PT municipal.
O trabalho com os indígenas o cacifou para assumir a diretoria na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em 2004, na gestão Lula. A saúde indígena passava por grave crise e o petista foi convidado por um professor dele da Unicamp, Gastão Wagner, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde.
Depois de um ano na Funasa, Padilha começou a galgar postos no Planalto. O petista ingressou na articulação política do governo quando o presidente Lula enfrentava a crise do mensalão e, em pouco tempo, aproximou-se do núcleo político da gestão e do partido.
Em abril de 2006, menos de um ano depois de chegar à chefia de gabinete, o petista assumiu o cargo de subchefe-adjunto e, em janeiro de 2007, foi para o lugar de seu chefe, Vicente Trevas, a quem já conhecia do PT paulista. Depois, Padilha foi nomeado ministro no lugar de José Múcio Monteiro, na Secretaria de Relações Institucionais, em 2009. A ascensão teve o patrocínio de Gilberto Carvalho e de Trevas, atual consultor da Caixa Econômica Federal.
Ao trabalhar em Assuntos Federativos, o petista ganhou a simpatia não só de prefeitos e governadores, mas também de Lula e de Dilma, então ministra-chefe da Casa Civil. O governo federal investiu em uma política municipalista, com contato direto entre União e prefeitos, e Padilha recebia as demandas dos gestores municipais. O petista aproximou-se de Dilma ao articular o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em reuniões com prefeitos e governadores. "Tínhamos o papel de facilitar o contato", explica Trevas. "Ele construiu uma relação estreita com prefeitos e governadores. Era voz do governo nas prefeituras e, no governo, era um braço da Casa Civil", diz Múcio.
Meses depois de assumir seu primeiro ministério, Padilha mergulhou na campanha de Dilma e tirou férias para fazer articulações políticas pelo país. Com o empenho na campanha, era cotado para continuar no cargo, mas viu no apetite do PT, para retomar do PMDB a Saúde, uma chance para viabilizar seu nome. "A Pasta era prioridade do PT desde a campanha", lembra o senador e ex-ministro Humberto Costa (PE). No lobby pelo cargo, pesou a proximidade com Dilma e Lula e a não rejeição do PT.
O petista começou a gestão com boas notícias da presidente: a saúde ficou fora do corte orçamentário de R$ 50 bilhões e foi escolhida para que as promessas de campanha começassem a ganhar corpo. Dilma lançou a Rede Cegonha (programa de atendimento a gestantes e bebês), campanhas contra o câncer de mama e de colo de útero e expandiu a entrega gratuita de medicamentos a hipertensos e diabéticos no programa Aqui Tem Farmácia Popular.
Os embates, no entanto, já começaram. O primeiro foi com o PMDB. Contrariado por perder a Pasta e a Funasa, o líder do partido na Câmara, Henrique Alves (RN), bateu boca com o ministro. O petista, por sua vez, diz que não vai ceder à pressão de partidos e que a Funasa, feudo do PMDB, passará por uma "reformulação".
Outro confronto se deu no Conselho Nacional de Saúde. O ministro assumiu a presidência do conselho, responsável pelo controle social do Sistema Único de Saúde (SUS), e foi alvo de críticas. Para o secretário do conselho do Rio Grande do Sul, Paulo Humberto da Silva, o controle social será prejudicado. "Como ele pode presidir um órgão que tem de fiscalizar o ministério? E a isenção? O fiscalizado vai se fiscalizar?", questiona.
O antecessor de Padilha, José Gomes Temporão, enfrentou a resistência do conselho em sua gestão, ao defender as fundações estatais. A pressão do conselho foi tanta que o projeto não vingou. "Houve um conflito absurdo, que tentamos contornar, mas o conselho reagiu de maneira muito aguda", lembra Temporão. O ex-ministro, no entanto, não é favorável à presidência do órgão por um ministro. "É o único conselho da Esplanada com um ministro no comando. Havia o desejo de que não fosse com alguém do governo", diz.
A polêmica enfrentada por Temporão sobre o aborto é outro ponto que Padilha tenta evitar. Ao ser questionado sobre o tema, que marcou a campanha presidencial, o petista tem um discurso pronto. "Vamos fazer cumprir a lei que existe e não mudaremos as regras. Temos que atender as pessoas que chegam às unidades de saúde. Elas têm de ser acolhidas e tratadas. Não podemos discriminar ninguém por qualquer escolha", declara. "Ministro não tem opinião pessoal. É a opinião do governo. Temos de evitar a morte, complicações e doenças, sem abordagem moral ou religiosa", diz.
O ministro diz que quer deixar como marca na saúde a redução no tempo de atendimento à população, um dos grandes problemas do SUS. "Vamos trabalhar no planejamento para que as pessoas tenham acesso aos serviços de saúde em tempo adequado", diz. Para ajudar no controle, Padilha anunciou a criação de um índice nacional de saúde, para checar a qualidade dos serviços prestados por Estados e municípios e premiar quem tiver bom desempenho. "Nosso esforço será melhorar a percepção das pessoas sobre o SUS e ter unidades de saúde mais próximas da população." O petista pretende pressionar os planos de saúde para ampliar o ressarcimento. O ministério quer identificar as pessoas que usam o SUS e que têm plano de saúde para depois cobrar das operadoras os serviços prestados. Padilha costuma dizer que sua Pasta precisa mais de melhorias na gestão - que não passam pelo projeto das fundações estatais - do que de recursos e evita discutir a criação de um imposto para financiar a área.
Ao propor mudanças no repasse de recursos, por avaliações de desempenho, Padilha deve enfrentar a resistência de prefeitos, governadores e parlamentares. "O meu relacionamento com o Congresso era dificílimo. Foi a questão mais delicada", comenta o ex-ministro e deputado Saraiva Felipe (PMDB-MG). "Padilha vai sofrer muitas pressões pelo financiamento do SUS. Vai ter que pensar em formas de agregar recursos e ter muita habilidade no relacionamento com o Congresso", opina.
Apesar das propostas anunciadas por Padilha desde sua posse, existe a percepção entre especialistas na área da saúde de que as ações estão "apagadas". O presidente da Sociedade de Medicina de Família e Comunidade, Gustavo Gusso, faz três críticas: "Ele ainda não apontou quais os caminhos para financiar a saúde - hoje está apenas apagando incêndios, com campanhas de prevenção já conhecidas -, não se abriu para o diálogo e paralisou novos incentivos para profissionais da saúde. Tudo o que era dinheiro novo mandou bloquear."
A ascensão rápida no governo e a projeção que ganhou no PT nacional fazem do ministro uma das apostas do partido para futuras eleições. Sem nunca ter disputado uma eleição, nem ter cargo de comando no PT, é cotado para disputar a Prefeitura de São Paulo, em 2012, ou o governo paulista, em 2014. Petistas costumam comparar o perfil do ministro da Saúde com o do ministro da Educação, Fernando Haddad, outra aposta eleitoral. Em conversas reservadas, dizem preferir Padilha. "Ele é uma máquina política. Passa o dia em ligações, não deixa de receber um político, fala com todo mundo, transita bem no partido. Haddad não é unânime nem dentro do partido", resume um dirigente, repetindo um discurso comum no PT.
Padilha descarta disputar a próxima eleição. "Tenho plena noção do desafio a enfrentar na saúde. Quero ficar os quatro anos. Não seria justo com a presidente, pela confiança que ela me dedicou, sair do ministério. Isso nem passa pela minha cabeça", diz. Sobre 2014, Padilha desconversa.
A agenda do ministro em São Paulo tem sido intensa. Só no último mês, teve atividades em praticamente todas as semanas na capital, litoral, Campinas e Osasco, na região metropolitana - regiões que concentram a maior parcela da população paulista. Petistas destacam que o ministro, solteiro e sem filhos, "se entrega" ao trabalho e às missões partidárias. "E ao Corinthians", brincam. Mesmo em São Paulo, Padilha mal tem visto os pais. A mãe, que trabalha na rede estadual de saúde, comprou um laptop para se comunicar com ele por e-mail. O pai, referência do movimento ecumênico, à frente na ONG Koinonia, aposta na comunicação via Twitter, já que Padilha passa o dia "tuitando".
Dentro do PT, avalia-se que, se Padilha souber aproveitar a chance, terá projeção nacional no ministério tido como prioridade por Dilma. A saúde foi uma das áreas mais criticadas do governo Lula e a presidente disse que colocaria a Pasta "no centro da agenda de desenvolvimento do país". A pressão não será fácil, como mostra um "aliado". "Padilha é jovem e bem intencionado, mas acha que pode tudo. É a onipotência aliada à falta de experiência", diz um ex-ministro de Lula.
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O meteoro petista da Esplanada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU