23 Julho 2013
“Pediculose é um problema grande de saúde pública, mas as autoridades não levam isso em consideração”, adverte o biólogo.
Foto de carinhoacadapasso.com.br |
Confira a entrevista.
Apesar de ser considerado um problema de saúde pública, a pediculose, infestação de piolhos, ainda é abordada “de uma forma extremamente equivocada associada à pobreza, à baixa renda, e à falta de higiene”, assinala Júlio Vianna Barbosa (foto abaixo), pesquisador da Fiocruz, que participará do II Seminário do Mercosul sobre pediculose, escabiose e tungíase: uma abordagem interdisciplinar, na Unisinos, nos dias 26 e 27 de setembro deste ano. Segundo ele, os casos de infestação no país chegam a 40%, índice “não muito diferente do de outros países, independente de serem desenvolvidos ou não”.
De acordo com o biólogo, os casos de pediculose são mais comuns entre crianças na faixa etária escolar, que compartilham objetos de uso pessoal. “Não existe uma escola no Brasil em que não tenham casos de pediculose; o que há é a ocultação dos casos e, consequentemente, a proliferação”, informa na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line. Barbosa esclarece que o “piolho é uma praga milenar”, se multiplica rapidamente, e é difícil controla-lo “pela falta de orientação e pelo ocultamento dos casos por conta da vergonha e da timidez. Além disso, as pessoas não sabem utilizar os medicamentos de forma correta e, principalmente, porque nenhum medicamento no mercado nacional ou internacional tem o efeito sobre a lêndea”.
O controle da pediculose compreende uma proposta de abordagem interdisciplinar, e políticas de promoção à saúde. Para Barbosa, “a pediculose não deve ser tratada por uma área médica específica, mas tem de ser interdisciplinar e transdisciplinar. Ela deve ser trabalha principalmente nas escolas”.
Júlio Vianna Barbosa estará na Unisinos no dia 26 de setembro, participando das mesas-redondas sobre Pediculose: processo de infestação, problemas decorrentes, medidas de controle e as questões socioambientais, às 10h, e sobre Escabiose, Ácaros Domiciliares e Carrapatos: processo de infestação, problemas decorrentes, medidas de controle e as questões socioambientais, às 14h.
Júlio Vianna Barbosa é graduado em Licenciatura Plena e Bacharel em Ciências Biológicas pela- Faculdades Técnico Educacional Souza Marques, mestre e doutor em Medicina Veterinária (Parasitologia Veterinária) pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. É pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz, chefe do Departamento de Biologia do Instituto Oswaldo Cruz/ Fundação Oswaldo Cruz - IOC/FIOCRUZ , coordenador da Pós-graduação Stricto sensu em Biociências e Saúde - IOC/FIOCRUZ (2005-2008), e professor adjunto dos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas e Bacharelado em Biologia Marinha das FAMATHs, e do Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação - IBMR, nos cursos de Biomedicina, Nutrição e Psicologia. Tem experiência na área de Educação e Saúde com ênfase em Parasitologia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O que é pediculose?
Foto de www.fiocruz.br |
Júlio Vianna Barbosa – Pediculose é uma infestação pela presença do piolho em pessoas, principalmente crianças na faixa etária escolar. Os especialistas no assunto afirmam que basta ter mais de três piolhos para que se tenha uma infestação da pediculose. Os pesquisadores brasileiros dizem que bastam ter dois piolhos, um macho e uma fêmea, porque o macho vai acasalar a fêmea, a qual, num espaço de quatro horas, começa a colocar os ovos. Depois de uma semana, nascem novos piolhos. Como a fêmea pode viver trinta dias, por dia ela pode colocar dez lêndeas, ou seja, 150 a 300 ovos.
IHU On-Line - Qual a situação da pediculose no Brasil? Esse ainda é um problema de saúde pública?
Júlio Vianna Barbosa – No Brasil ocorre a ocultação dos dados porque ainda hoje, por incrível que pareça, a pediculose está de uma forma extremamente equivocada associada à pobreza, à baixa renda, e à falta de higiene. É comum ouvir que as pessoas que têm piolho não tomam banho, são pobres. Não tem nada a ver. Piolho gosta até de cabeça limpinha.
Hoje se tem uma incidência de pediculose no Brasil, segundo alguns trabalhos, de 30%. Nós estamos publicando um trabalho até o final do ano, que aponta até 40% de infestação. Esse valor não é muito diferente do de outros países, independente de serem desenvolvidos ou não. Nos EUA há cerca de 40 a 50% de pediculose, na Argentina o índice chega a 70%. Não existe uma escola no Brasil em que não tenham casos de pediculose; o que há é a ocultação dos casos e, consequentemente, a proliferação.
IHU On-Line - Quais são as causas da pediculose? 40% é valor elevado?
Júlio Vianna Barbosa – É um índice elevado porque trata do contato direto. As pessoas pegam piolho compartilhando objetos de uso pessoal, o que é comum na faixa etária escolar, quando as crianças compartilham pentes, bonés, presilhas de cabelo. Mas se compararmos com outros países, o Brasil não tem um caso exorbitante.
O primeiro sintoma de que alguém tem piolho é a coceira, que começa atrás da orelha ou abaixo da nuca. O piolho se alimenta do nosso sangue e, dependendo da infestação, a pessoa pode ter um quadro de anemia profunda. Outra consequência é o baixo rendimento escolar das crianças, porque à noite a criança coça muito a cabeça enquanto dorme e acaba perdendo o sono; quando vai à escola, não presta atenção na aula. Também são comuns os casos de exclusão, por causa do piolho. Além disso, por causa da coceira, há possibilidade de infecção no couro cabeludo.
Hoje estamos desenvolvendo um trabalho educacional nas escolas, de utilizar o pente fino diariamente, porque se a criança passá-lo diariamente no cabelo, poderá retirar os piolhos e os filhotes em estágio de desenvolvimento. É verdade que alguns pentes finos não retiram as lêndeas, que estão presas no fio do cabelo, mas o uso consequentemente diminui a presença dos piolhos adultos, encerrando o ciclo de reprodução. Passar o pente fino diariamente, portanto, é uma medida preventiva.
99% dos medicamentos que existem para piolho vendem um pente fino, mas eles podem causar alergia nas crianças e, muitos deles, cientificamente, não apresentam mais efeitos. Desde a época de Cristo há pediculose. Conforme aponta na Bíblia, entre as dez pragas que existem, uma delas é o piolho.
IHU On-Line – Por que os piolhos estão resistentes aos medicamentos?
Júlio Vianna Barbosa – O piolho é uma praga milenar, porque ele se multiplica muito rápido e não conseguimos controlá-lo pela falta de orientação e pelo ocultamento dos casos por conta da vergonha e da timidez. Além disso, as pessoas não sabem utilizar os medicamentos de forma correta e, principalmente, porque nenhum medicamento no mercado nacional ou internacional tem o efeito sobre a lêndea. O piolho leva em torno de sete dias para nascer. Então, a fêmea colocando dez ovos por dia, não tem como controlar, porque eles não nascem todos ao mesmo tempo.
IHU On-Line - Como a pediculose é abordada pela área da saúde, especialmente no que se refere à promoção da saúde? Há uma política para o tratamento de pediculose?
Júlio Vianna Barbosa – Não há uma política no Brasil. Na Europa e nos EUA existem políticas bem definidas. Inclusive, quando as crianças são identificadas com piolho nas escolas, elas não frequentam as aulas durante o período em que estiverem com piolho. As escolas fazem diariamente a vistoria na cabeça das crianças, para você ver que esse não é um problema restrito ao Brasil. Mas há uma lei que respalda isso, enquanto que no Brasil não existe. Se na escola, qualquer professor ou profissional da área de educação passar o pente fino no cabelo de uma criança, ele pode ser processado, porque a pediculose não é considerada uma doença infecto infecciosa, que possa afastar o aluno da escola.
Pediculose é um problema grande de saúde pública, mas as autoridades não levam isso em consideração. Os trabalhos de pediculose são muito pontuais, e dizem respeito à incidência e prevalência. Desenvolvemos no Instituto Oswaldo Cruz esse trabalho de conscientização no sentido de levar esclarecimento à população, porque as pessoas passam na cabeça das crianças uma infinidade de produtos, desde os farmacêuticos até os caseiros, como álcool, plantas, as quais, diga-se de passagem, algumas têm apresentado efeito no tratamento de pediculose, porém os dados ainda são incipientes, embora a população venha usando. A população tem a impressão de que a planta, caso não faça bem, mal também não fará. Isso é um engano, porque plantas podem matar por conta da toxidade, e o nosso couro cabeludo é como uma esponja e absorve os produtos.
É por isso que esse evento, o segundo que estamos fazendo, é importantíssimo para trazer isso à tona e contar com a participação dos órgãos governamentais para que apoiem este tipo de ação para a promoção da saúde. A cada quatro anos, as pessoas que trabalham com pediculose no mundo – e para se ter uma ideia não passam de 200 a 300 pessoas – se reúnem para discutirem piolho. Eu e outros pesquisadores estaremos representando o Brasil no congresso de 2014.
IHU On-Line – Por que é difícil controlar a pediculose?
Júlio Vianna Barbosa – Embora não seja raro algumas pessoas assumirem que tiveram piolhos, a maioria das pessoas não admite, porque está associado a coisas do tipo “não toma banho”, “é pobre”.
Nós temos três tipos de piolho: piolho da cabeça, chamado vulgarmente de piolho; o piolho do corpo, conhecido como muquirana e, este sim, restrito às pessoas que não têm assepsia correta; e o piolho da região pubiana, o chato. O problema é que ninguém procura um médico para isso, sem contar os mitos que existem em torno do piolho. Um grande mito é de que o piolho voa de uma cabeça para outra; não é verdade. O piolho é um inseto que não voa nem pula, pois não tem o corpo adaptado para isso. A infestação é grande porque as crianças compartilham os objetos de uso pessoal na escola, principalmente, as meninas. Os adolescentes, atualmente, gostam de fazer fotos com celular e para isso encostam uma cabeça na outra para se fotografarem. Esses momentos de contatos são suficientes para passar o piolho de uma pessoa para a outra. Outro fator epidemiológico que favorece a infestação mais em meninas que em meninos é o comprimento do cabelo, quanto maior for o cabelo maior é a capacidade da fêmea por ovos na cabeça. Por essa razão é muito difícil controlar, fora que não há um apoio do Estado com a implementação, por exemplo, de um programa de promoção à saúde, mas um programa que faça um resgate ao trabalho educacional. E, por isso, torno a dizer que esse evento é de extrema importância.
IHU On-Line – Pediculose pode causar mortalidade?
Júlio Vianna Barbosa – A pediculose já foi a causadora de uma alta mortalidade na primeira e segunda Guerra Mundial, matando cerca de 12 mil soldados. Como disse, há três tipos de piolho e o piolho do corpo foi o causador dessa mortalidade. Nós não temos no Brasil casos de doenças transmitidas pelo piolho da cabeça provocando mortalidade. A doença do piolho do corpo que causa morte é chamada de Tifo exantemático (http://drauziovarella.com.br/letras/t/tifo/), que é uma bactéria. Nós temos estudos experimentais em laboratórios, que o piolho da cabeça conseguiu transmitir essa bactéria além do piolho do corpo, mas nenhum dado científico encontrando referente à transmissão dessa bactéria pelo piolho da cabeça para o homem.
Alguns pesquisadores, entre eles o brasileiro Rocha Lima, saíram do país para estudar essa pediculose do corpo em diversas partes do mundo. O pesquisador Rocha Lima batizou a bactéria que causa a morte de Rickettsia prowazekii, nome de outro cientista que também pesquisava o tema e que foi infectado. Rocha Lima também se infestou e ficou em estado de convalescência, mas conseguiu sobreviver.
Há sim casos, de piolho do corpo que levaram a óbito, embora da cabeça não. Mas é importante destacar que o uso de produtos inseticidas que os pais utilizam na cabeça das crianças, pode gerar óbito. Há vários casos notificados, inclusive na impressa. É importante lembrar que os soldados raspam a cabeça em função de evitar uma infestação de piolhos.
IHU On-Line – Como tratar a pediculose numa perspectiva transdisciplinar?
Júlio Vianna Barbosa – A pediculose não deve ser tratada por uma área médica específica, mas tem de ser interdisciplinar e transdisciplinar. Ela deve ser trabalha principalmente nas escolas. Esse tema deve estar nas áreas da saúde, mas tendo em vista a história, a geografia e até uma abordagem matemática. Em outubro vou falar desse tema em um evento de fisioterapia para crianças recém-nascidas. Esse tema deve ser discutido de modo transdisciplinar onde outras áreas deverão fazer parte e falar do tema abarcando a saúde pública e as áreas educacionais.
Na história, por exemplo, a vinda da Família Real, quando encenada em filmes, podemos perceber a Carlota Joaquina, que vem de navio ao Brasil, utiliza um turbante na cabeça. Ela vem assim porque está cheia de piolhos, mas quando a Família Real chega à Bahia, as baianas veem as mulheres da família real e pensam que o uso de turbante era moda na Europa, e passam a utilizá-lo. Essa cena não é muito diferente do que os nossos pais faziam: usavam o Deltacid – que não deveria ser usado nem em animais – e enrolavam a cabeça das crianças com uma fralda e as mandavam dormir.
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Pediculose: um problema de saúde pública. Entrevista especial com Júlio Vianna Barbosa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU