17 Setembro 2007
Milho crioulo: sementes de vida. Pesquisa, melhoramento e propriedade intelectual (Frederico Westphalen: Editora URI, 2007) é o mais recente livro de Antonio Valmor Campos, resultado de sua pesquisa feita durante o mestrado em Educação, realizado entre os anos de 2004 e 2006 na Unisinos. Nele, Antonio narra o trabalho de agricultores de Anchieta, município de Santa Catarina, na seleção e na produção de sementes de milho crioulo. Eles resistem às arbitrariedades das empresas sementeiras que obrigam muitos a comprar, a cada plantação, novas e mais sementes. Antonio teve sua dissertação orientada pelo professor Attico Chassot. Sobre este tema, Antonio falou, por e-mail, com exclusividade à IHU On-Line.
Na entrevista que segue, o professor da Universidade Regional Integrada (URI) fala ainda do desenvolvimento da sua pesquisa, da importância da propriedade intelectual aos pequenos agricultores, de biopirataria, entre outros assuntos. Ele conta, também, que a propriedade intelectual que propõe na obra, e que não está contemplada pela legislação brasileira, tem dois aspectos: evitar a apropriação, por parte das sementeiras, de mais um produto criado pelos camponeses e indígenas e possibilitar aos agricultores “constituírem uma patente de caráter coletivo, com abertura de acesso aos demais agricultores e permitindo a melhora permanente das sementes”.
Antonio Valmor Campos é graduado em Biologia, pela Fundação Educacional do Alto Uruguai Catarinense, e em Direito, pela Universidade Regional Integrada (URI). Realizou especialização em lattes sensu, pela Faculdade de Ciências e Letras Plínio Augusto do Amaral, e em Direito Público e Privado, pela URI. Seu mestrado em educação foi feito pela Unisinos. Atualmente, é professor da URI e da Escola de Educação Básica Nossa Senhora da Salete, em Frederico Westphalen, no Rio Grande do Sul.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como os agricultores de Anchieta/SC conseguiram chegar até o milho crioulo?
Antonio Valmor Campos - Muitos dos agricultores que atualmente escolheram cultivar o milho crioulo o fizeram a partir das dificuldades financeiras que passaram a enfrentar, provocadas pelas intempéries climáticas e endividamento, gerando, por conseqüência, falta de financiamento para continuar produzindo em suas propriedades. Nesse momento, era preciso optar por abandonar o campo ou engrossar as fileiras das periferias das cidades na busca de empregos de baixa renda, subemprego. Alguns cederam e aventuraram-se. No entanto, parte deles continuou firme no intuito de permanecer no campo e construir um processo de independência. A permanência dependia de criar alternativas de produção, que garantisse a sobrevivência do grupo familiar. Apoiados pela entidade sindical e movimentos sociais, resgataram a prática milenar de cultivar e melhorar sementes crioulas, especialmente o milho. De acordo com registros nos históricos do município de Anchieta, algumas famílias nunca deixaram de cultivar o milho crioulo, tendo sido herdadas as sementes dos antepassados.
IHU On-Line - O senhor pode falar da importância dessa propriedade intelectual adquirida com o desenvolvimento da semente do milho crioulo pelos agricultores de Anchieta/SC?
Antonio Valmor Campos - A importância da propriedade intelectual proposta – ainda não contemplada na legislação brasileira – tem dois aspectos: o primeiro é de evitar a apropriação por parte das empresas de biotecnologia (sementeiras) de mais um produto de ampla base genética, cultivado por milhares de anos por camponeses e indígenas. O outro aspecto está na possibilidade de os agricultores constituírem uma patente de caráter coletivo, com abertura de acesso aos demais agricultores e permitindo a melhora permanente das sementes. O parâmetro para esta pretensão é a patente do software livre e, também, as experiências de outros países nos quais já existe tal previsão legal.
IHU On-Line - Quais são as principais vantagens dessa pesquisa desenvolvida pelos agricultores em relação àqueles que se submetem às empresas sementeiras?
Antonio Valmor Campos - Os agricultores que cultivam suas próprias sementes adquirem independência, pois não precisam adquirir, anualmente, a semente para o plantio da safra. Além disso, o milho crioulo é pouco dependente de insumos e adubos e, ainda, facilita a própria manutenção da lavoura. A produtividade, mesmo não sendo nos mesmos patamares das sementes híbridas, permite ganho significativo aos agricultores, pois o investimento é significativamente menor.
IHU On-Line - Como, atualmente, a biopirataria está agindo?
Antonio Valmor Campos - Há diversos mecanismos de ação da pirataria biológica. Um deles, com relação ao milho, é buscar amparo legal para suas ações, através do patenteamento de sementes, de genes e, até mesmo, de seres vivos.
IHU On-Line - Como a nanotecnologia pode ajudar os pequenos e médios agricultores a pesquisarem e desenvolverem técnicas como as do pessoal de Anchieta?
Antonio Valmor Campos - Acredito que a nanotecnologia representa muito em termos de expectativa – talvez mais futuramente do que agora, no presente –, pois o milho crioulo, assim como as demais sementes crioulas, têm uma ampla base genética o que facilitaria as pesquisas na área biológica a partir destas sementes.
IHU On-Line - Para o senhor, quais são as principais falhas, atualmente, na legislação e no que se refere aos direitos de propriedade e cidadania dos pequenos agricultores brasileiros?
Antonio Valmor Campos - Antes da própria legislação, está o poder das empresas de Biotecnologia, que forçam o registro de patentes, mesmo não havendo possibilidade legal para tanto. É o caso de produtos genuinamente brasileiros, como o Açaí, que foi patenteado na Europa, ou da Nim, planta indiana de grande potencial industrial, que foi patenteada por empresas estadunidenses. Há ainda o patenteamento de genes humanos nos Estados Unidos, contrariando a legislação e os princípios éticos. Essa situação impacta negativamente os agricultores, que ficam constantemente ameaçados de ver as sementes cultivadas e melhoradas por milhares de anos por pesquisadores anônimos e coletivos, apropriadas por grupos econômicos com interesse meramente de exploração econômica. Pensando sob um aspecto mais abrangente, o fato de os agricultores perderem o controle sobre as sementes os coloca na dependência das sementeiras, provocando a erosão do controle sobre a genética e mesmo dos aspectos culturais. Isso, no aspecto macro, no quadro em que a maior parte do germaplasma já está patenteado, representa uma ameaça à soberania do próprio País.
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Em prol das sementes de vida. Entrevista especial com Antonio Valmor Campos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU