20 Dezembro 2015
“O corte no orçamento do Programa Cisternas significa que o governo está cortando a possibilidade de garantir os instrumentos para que a população possa armazenar água para beber”, adverte o coordenador executivo da Articulação Semiárido Brasileiro - ASA pelo estado da Bahia.
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A divulgação da notícia de que a Comissão Mista de Orçamento – CMO do Congresso Nacional pretende cortar 140 milhões de reais do orçamento do Programa Bolsa Família, 132 milhões de reais do Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e 70 milhões de reais do Programa Cisternas, foi recebida com preocupação pela Articulação Semiárido Brasileiro – ASA, que atua na gestão e no desenvolvimento de políticas públicas no semiárido.
Segundo a avaliação de Naidison Baptista, coordenador executivo da ASA na Bahia, os ajustes nos orçamentos serão prejudiciais, porque “esses são programas essenciais do governo federal, os quais têm tido uma repercussão muito forte na vida das pessoas mais pobres”. Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Baptista frisa que o semiárido ainda enfrenta uma das piores secas dos últimos tempos, que é agravada pelo fenômeno El Niño, além de uma situação de crise hídrica.
Nos últimos 12 anos, o Programa Cisternas instalou 1,2 milhão de cisternas de consumo humano no semiárido, mas ainda é preciso atender mais de 350 mil famílias que ainda não têm acesso à água. “Se instalarmos apenas as cisternas de consumo humano – cada uma custa aproximadamente três mil reais –, com um orçamento de 210 milhões – que era o orçamento previsto para 2016 – faríamos 70 mil cisternas, mas precisamos de 350 mil. Mas agora, se esse corte no orçamento for feito, não será possível construir nem 70 mil cisternas, ou seja, 20 mil famílias não irão receber as cisternas. A grande questão é que não é isso que vai fazer a diferença no orçamento do governo federal. Não são os programas sociais que desequilibram o orçamento; o orçamento está desequilibrado por outras questões”, conclui.
Naidison Baptista é coordenador executivo da Articulação Semiárido Brasileiro - ASA pelo estado da Bahia.
Confira a entrevista.
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IHU On-Line - Como a Articulação Semiárido Brasileiro - ASA recebeu a notícia de que o orçamento para o Programa Bolsa Família pode receber um corte de R$ 140 milhões, o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA, um corte de R$ 132 milhões e o Programa Cisternas, um corte de 70 milhões para o próximo ano?
Naidison Baptista – Essa é uma notícia ruim, porque esses são programas essenciais do governo federal, os quais têm tido uma repercussão muito forte na vida das pessoas mais pobres. O Programa Bolsa Família tem garantido uma educação melhor para as pessoas, enquanto o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA garante que o agricultor familiar tenha o escoamento de sua produção garantido, porque ele tem para quem vendê-la e, ao fazer isso, essa produção é destinada a quem vive em uma situação de insegurança alimentar. Ou seja, esses produtos da agricultura familiar são destinados a comunidades como abrigos de idosos, creches, e a comunidades mais pobres, como os quilombolas ou indígenas.
Em relação ao Programa Cisternas, se compararmos o orçamento de 2014 e o de 2015, posso dizer que com o orçamento do ano passado, conseguimos trabalhar de modo mais tranquilo, mas neste ano a situação já foi mais difícil. Se o Congresso cortar mais 70 milhões de reais do orçamento, o Programa ficará com um orçamento de 140 milhões, mas esse valor é praticamente nada em termos de solucionar os problemas do semiárido. O que o Congresso está fazendo – e não o Executivo – é tirar o pão da boca dos necessitados; essa é a leitura que a ASA faz da atual situação.
IHU On-Line - Qual deverá ser o impacto prático desses cortes nos orçamentos desses programas sociais?
Naidison Baptista – Estamos num ano em que a seca ainda não acabou e em que o El Niño continua forte. Além disso, regiões do Nordeste enfrentam uma crise hídrica, porque o Rio São Francisco está com o seu nível d’água mais baixo, o que significa que muitas populações estão sem acesso à água do Rio. Nesse sentido, o corte no orçamento do Programa Cisternas significa que o governo está cortando a possibilidade de garantir os instrumentos para que a população possa armazenar água para beber.
Nos três governos anteriores, conseguimos implantar 1,2 milhão de cisternas de consumo humano na porta das casas das famílias, as quais hoje não precisam mais vender seus votos para ter acesso à água, e já a recebem como direito. Mas, apesar desse avanço, ainda precisamos atender mais de 350 mil famílias que ainda não têm acesso à água no semiárido.
Se instalarmos apenas as cisternas de consumo humano – cada uma custa aproximadamente três mil reais -, com um orçamento de 210 milhões - que era o orçamento previsto para 2016 - faríamos 70 mil cisternas, mas precisamos de 350 mil. Mas agora, se esse corte no orçamento for feito, não será possível construir nem 70 mil cisternas, ou seja, 20 mil famílias não irão receber as cisternas, o que significa que 100 mil pessoas deixarão de ter acesso à água.
A grande questão é que não é isso que vai fazer a diferença no orçamento do governo federal. Não são os programas sociais que desequilibram o orçamento; o orçamento está desequilibrado por outras questões. Por que o governo sempre tem de cortar orçamentos que beneficiam pessoas que já são excluídas? Se esses cortes forem aprovados, elas ficarão numa situação de maior exclusão ainda. Nós não elegemos os deputados e senadores para aumentar a fome e a miséria; os elegemos para cuidar do Brasil e do povo. É importante lembrar que o orçamento inicial veio do Executivo sem esse corte, o qual está sendo colocado pelo Congresso e pela Comissão Mista de Orçamento.
Acesso à água para nós que desde sempre temos água em casa pode parecer algo sem importância, mas acesso à água para quem está acostumado a beber lama, ou tem de carregar água em baldes na cabeça, é uma questão de cidadania. Com esse corte no orçamento, o Congresso está cortando a oportunidade de que as pessoas tenham respeitados os seus direitos.
“Com a instalação das cisternas se reduziu drasticamente a mortalidade infantil no semiárido” |
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IHU On-Line – Que avaliação faz do Programa Cisternas, que iniciou há 12 anos? Quais foram os pontos positivos e os que ainda precisam ser melhorados?
Naidison Baptista – O Programa Cisternas foi um sucesso absoluto, porque trouxe consigo um conjunto de elementos que nem avaliávamos que ele traria. Em primeiro lugar, as cisternas têm uma tecnologia simples, barata e acessível à população, porque se a cisterna tiver algum problema, ela pode ser consertada por um pedreiro. Em segundo lugar, as cisternas possibilitam a movimentação da economia local, porque para construí-las é preciso comprar brita, cimento e a compra desse material sustenta a economia de uma determinada comunidade. Além disso, para construir as cisternas é utilizada a mão de obra de pessoas que vivem nas comunidades onde elas serão construídas e, por isso, a mão de obra dessas pessoas é valorizada.
De outro lado, temos resultados positivos em relação à saúde, por exemplo, porque com a instalação das cisternas se reduziu drasticamente a mortalidade infantil no semiárido, já que as crianças que têm acesso às cisternas deixaram de beber água contaminada. Muitas mulheres deixaram de caminhar quilômetros com uma lata na cabeça para poderem abastecer suas casas e utilizam o tempo para estudar, para acompanhar seus filhos, para trabalhar, produzir. Nesse sentido, as cisternas trouxeram outra dimensão de vida para as mulheres. Do ponto de vista político, como as cisternas não são vinculadas a deputados, senadores e governadores, mas são feitas a partir de um cadastro geral e de determinados critérios, as pessoas têm mais liberdade e não precisam mais se vender para os políticos. Essa é uma dimensão muito forte. Eu acompanho a situação das pessoas que vivem no semiárido há anos e fico muito emocionado ao ver essas mudanças significativas que acontecem na vida delas.
IHU On-Line – O que a ASA pretende fazer para tentar reverter esses possíveis cortes no orçamento?
Naidison Baptista – Nós estamos enviando mensagens a todos os deputados da Comissão Mista de Orçamento, demonstrando nossa posição contrária aos ajustes. Se o corte no orçamento for aprovado pela Comissão Mista, vamos enviar mensagens a todos os deputados da Câmara dos Deputados, dizendo que eles não foram eleitos para aumentar a miséria, mas para cuidar do povo. Nós conhecemos vários deputados, os quais estamos visitando, e estamos divulgando essa situação para que a população saiba o que o Congresso está fazendo.
O Congresso funciona na base da pressão e por isso vamos pressionar os deputados. Mas isso não garante que iremos reverter essa situação. Vamos discutir, ao longo do próximo ano, como o governo pode reverter isso, fazendo adequações. Quem sabe a presidente possa fazer adequações no orçamento e rever essa parte; tudo é possível. Vamos investir nesse conjunto de elementos, porque essa situação não pode ficar assim. O orçamento atual de 210 milhões já é uma migalha em relação à necessidade das pessoas, e cortar parte dessa migalha é o mesmo que fazer as pessoas passarem fome.
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Cortes no Programa Cisternas: 100 mil pessoas deixarão de ter acesso à água. Entrevista especial com Naidison Baptista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU