A vitória do Podemos e a expectativa de um efeito dominó contra a austeridade. Entrevista especial com Rudá Ricci

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26 Mai 2015

“O Podemos está crescendo e será o grande novo partido da Espanha nos próximos meses. Eles é que irão dirigir as principais cidades da Espanha, com um perfil jovem, inovador e de esquerda”, afirma o sociólogo.

Foto: CartaCapital
O número de votos que os candidatos do Podemos receberam nas eleições municipais e comunidades autônomas na Espanha no último domingo, 24-05-2015, não é “uma total surpresa”, avalia Rudá Ricci em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone. A surpresa, lembra, ocorreu há um ano, quando o Podemos surgiu como consequência das inúmeras manifestações que eclodiram no país com o 15M, que tomou as ruas e praças da Espanha em 2011.

De acordo com o professor, atualmente a Espanha vive uma “explosão” de novos partidos, que surgem para atender demandas territoriais. O Podemos, partido que tem maior representatividade nacional, congrega “forças de esquerda tradicionais da Espanha, com algumas forças novas” e “trouxe para dentro de si a Esquerda Unida. A Esquerda Unida, por sua vez, é um racha do Partido Comunista Espanhol com ecossocialistas e movimentos feministas”. Contudo, explica, “existem também, na Catalunha, articulações troikistas clássicas, principalmente da Quarta Internacional, que é mandelista, ligada a um economista belga chamado Ernest Mandel. Além disso, tem lideranças operárias de muitos sindicatos, e lideranças nacionais contra o arrocho econômico, que é muito parecido com esse que a Dilma criou no Brasil”.

O número de votos que elegeu a nova prefeita de Barcelona, Ada Colau, porta-voz da Plataforma dos Afetados pela Hipoteca – PHA e integrante do Podemos, deve ser entendido, de acordo com o sociólogo, a partir da presença fortíssima do movimento feminista em algumas regiões da Espanha. “A vitória dessas mulheres, Colau e Manuela, não é à toa. Uma das características da mudança da composição política de 2011 para cá na Espanha vem do movimento feminista, do movimento de autonomia e independência dessas regiões, como é o caso da Galícia e Catalunha. Esse movimento contra as hipotecas é liderado por mulheres”, pontua. Para Ricci, o país “está vivendo uma transição forte, com uma crítica forte aos partidos. (...) Mas quando você percebe a eleição dos novos, do Podemos, e do Ciudadanos, que é outro partido que também está crescendo - mas eles são mais liberais -, percebe como esses novos partidos estão corroendo a estrutura do sistema partidário vigente. Ou seja, o país está numa transição que pode ser que comece a se concluir nas eleições nacionais do final do ano”.

Rudá pontua ainda que o Podemos “vem caminhando mais próximo de uma agenda econômica social democrata”, mas que terá “dificuldades imensas para governar” por falta de dinheiro. Agora, passado o período das eleições municipais, chegou a hora de o que o sociólogo chama de “realismo político”. “Se, por um lado, a crise econômica estará na conta do Podemos, e eles terão de inovar em termos de política pública - e agora vem a prova de fogo -, por outro lado, aumentam as forças políticas da Europa que são contra os pacotes de austeridade, que estão na Grécia, na Irlanda, em Portugal, em todo o leste europeu. Neste momento é possível que estejamos vivenciando o efeito dominó, ou seja, o início de uma nova onda de políticas desenvolvimentistas antiausteridade, fazendo com que o discurso do FMI caia de uma vez por todas em desuso”.

Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica) e Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto), entre outros.

Confira a entrevista.

Foto: rededemocratica.org
IHU On-Line - Como o senhor interpreta o resultado das eleições municipais e comunidades autônomas na Espanha? O resultado foi uma surpresa em algum sentido?

Rudá Ricci – Em primeiro lugar, gostaria de dizer que o século XXI começou na Europa neste ano, com a eleição do Syriza na Grécia e com a estupenda votação que o Podemos teve em várias cidades da Espanha, especialmente no Sul do país, em Madri, em Barcelona e em outras cidades da Catalunha. Acontece que não se trata de uma total surpresa. A surpresa aconteceu em 2014.

Vamos lembrar rapidamente o que aconteceu na Espanha: em 2011 aconteceram manifestações gigantescas - algo semelhante ao que aconteceu no Brasil em junho de 2013 - e, em 2012, essas manifestações começaram a fazer uma série de ações junto ao Congresso Nacional e aos Parlamentos regionais – o que não tivemos no Brasil.

Em 2012, por exemplo, 50 mil pessoas abraçaram o que seria o Congresso Nacional em Madri e gritaram: “Vão para casa”. Nesse momento, as manifestações explodiram nas redes sociais da Espanha – várias universidades analisam essas manifestações há algum tempo e mostram mapas de como foi a repercussão desse ato nas redes.

Em 2013 nasceu o primeiro partido político que saiu das ruas, que é o partido X. Esse partido era, de certo modo, muito radical, porque não queria lideranças políticas e queria que houvesse uma participação de base ampla, especialmente nas redes sociais, ou seja, queriam uma revolução na forma de organização política da Espanha. Mas o que importa para nós é o fato de ter nascido um partido político que surgiu das manifestações de rua. Esse processo, entretanto, não ocorreu no Brasil.

Articulações políticas

Com a politização das manifestações do 15M de 2011, finalmente, em janeiro de 2014 nasceu o Podemos, um partido diferente do partido X, porque congregava forças de esquerda tradicionais da Espanha, com algumas forças novas. O Podemos trouxe para dentro de si a Esquerda Unida.

A Esquerda Unida é um racha do Partido Comunista Espanhol com ecossocialistas e movimentos feministas.

Existem também, na Catalunha, articulações troikistas clássicas, principalmente da Quarta Internacional, que é mandenista, ligada a um economista belga chamado Ernest Mandel. Além disso, há lideranças operárias de muitos sindicatos, e lideranças nacionais contra o arrocho econômico, que é muito parecido com esse que a Dilma criou no Brasil. Assim, o principal movimento social na Espanha hoje é o movimento contra a cobrança de empréstimos e hipotecas de casas próprias, porque muitas famílias estão sendo despejadas de suas casas por não conseguirem pagá-las.

Além disso, tem os movimentos feministas e os movimentos de autonomia regional, além do grupo que coordena o Podemos, que é um grupo de professores universitários de Ciência Política, Economia e Comunicação Social, cujo líder principal é Pablo Iglesias. Esse grupo do Podemos é muito inovador e foi consultor dos governos da Bolívia, do Equador e da Venezuela.

Então, eles não são qualquer grupo; são um grupo de esquerda muito hábeis na comunicação, e no Brasil pouco se sabe o que eles estão fazendo.  Por exemplo, Pablo Iglesias lançou um livro com uma série de autores que analisam o Game of Thrones, que muitos jovens estão assistindo na Europa. Veja, ele é muito esperto e organizou um livro com pessoas comentando o Game of Thrones a partir das suas militâncias, ou das suas categorias profissionais, ou seja, são economistas, ambientalistas. A capa do livro é o trono do Game of Thrones, cheio de espinhos, e quem está sentado na poltrona é o Pablo Iglesias. Veja que eles têm uma capacidade de comunicação de massa ampla, sendo muito irônicos.

Eu estou trazendo eles para o Brasil nos dias 20 e 21 de junho, mas me reuni com eles no ano passado, na Espanha. Lá, eles me disseram que não gostam de falar de esquerda e direita, mas, sim, falar de “castas dos de cima e dos debaixo”. Segundo essa interpretação, os partidos que acabaram de perder a eleição para eles são os “de cima”, que se aliaram aos grandes empresários, que estão expulsando as pessoas de suas casas.

O Podemos está crescendo e será o grande novo partido da Espanha nos próximos meses. Eles é que irão dirigir as principais cidades da Espanha, com um perfil jovem, inovador e de esquerda.

"Está tendo uma quebra do sistema partidário por dentro"

 

 

IHU On-Line - Quais as principais diferenças nas eleições de Madri e de Barcelona?

Rudá Ricci – São muito diferentes, porque Madri faz parte de uma região da Espanha que se chama Castilla y León, que é uma região muito elitizada. Anos atrás estive nessa região, em Palência, e quase fui escorraçado porque eles achavam que eu tinha cara de árabe.

Na Catalunha é o inverso, tem uma população mais solta, que se autodenomina de “os cariocas da Espanha”. Eles têm uma história de esquerda e uma série de novidades em termos de políticas públicas. A Catalunha faz parte de um dos governos estaduais autônomos e tem um tipo de governo específico, chamado Generalitat, que é quase um país, bastante organizado a partir das comissões operárias (obreras), que seria algo parecido com a Cut no Brasil. Dito isso, aí é fácil perceber porque o Podemos ganhou as eleições nessa região, especialmente em Barcelona, e ficou em segundo lugar em Madri, onde teve, inclusive, de se alinhar com o que seria o PT no Brasil, que é o PSOE, para poder governar.

O país está vivendo uma transição forte, com uma crítica forte aos partidos. O que equivale ao PSDB no Brasil, o PP, ganhou mais votos, mas perdeu 10% do eleitorado e as principais cidades. Mesmo assim, eles tiveram 27% dos votos. O que seria o PT, o PSOE, teve 25% dos votos. Mas mesmo assim, você vê que nas regiões mais conservadoras, ou que têm tradição nesses partidos, eles continuam tendo uma massa de votos muito grande. Mas quando você percebe a eleição dos novos, do Podemos, e do Ciudadanos, que é outro partido que também está crescendo - mas eles são mais liberais -, percebe como esses novos partidos estão corroendo a estrutura do sistema partidário vigente. Ou seja, o país está numa transição que pode ser que comece a se concluir nas eleições nacionais do final do ano.

IHU On-Line - Qual a representatividade da eleição de Colau, em Barcelona e de Manuela Carmena, em Madri? Qual a expectativa em torno de se ter duas prefeitas que surgiram das manifestações de rua ? Qual o significado político disso?

Rudá Ricci – Queria lembrar que no país Basco, que fica a Nordeste da Espanha, a organização feminista é muito forte e em outras regiões do país também. Em novembro e dezembro eu estive em regiões mais rurais da Espanha, em Mérida, e lá o movimento feminista é fortíssimo. Essa é uma cidade polo regional, mas ali o movimento operário e feminista foi muito forte. Com isso, quero dizer que a vitória dessas mulheres, Colau e Manuela, não é à toa.

Uma das características da mudança da composição política de 2011 para cá na Espanha vem do movimento feminista, do movimento de autonomia e independência dessas regiões, como é o caso da Galícia e Catalunha. Esse movimento contra as hipotecas é liderado por mulheres.

Em Portugal, o grupo de esquerda, que é outro partido, que tem esse estilo mais tradicional do Syriza e do Podemos, é liderado por mulheres. Inclusive, nesse evento dos dias 20 e 21 de junho, vamos trazer as duas irmãs Mortágua, que são dirigentes do Bloco de Esquerda. As mulheres estão significando uma expressão dessa mudança política que é muito maior na Europa.

No Brasil também não é conhecido o fato de que há, na Europa, uma articulação muito forte entre esses partidos de tipo novo, como o Podemos, o Syriza, o Bloco de Esquerda de Portugal e a articulação de esquerda na Irlanda. Pelo menos esses quatro grupos estão muito articulados entre si.

"A Espanha está passando por uma transição muito radical e rápida, e os partidos não estão sabendo lidar com essa novidade"

IHU On-Line - Além do Podemos, que outros partidos surgiram das manifestações do 15M, como o Barcelona em Comum? Eles compartilham uma agenda comum?

Rudá Ricci – Ao longo da Espanha há vários partidos regionais e muitos deles surgiram das manifestações, mas outros surgiram de movimentos. As manifestações surgiram de uma crise do sistema partidário e, como na Espanha há uma autonomia regional, ocorre uma explosão de movimentos de independência territorial, que se mesclam com temas ligados ao aumento da pobreza da classe média em função dos pacotes de restrições econômicas e dos investimentos sociais.

Eu lembro de uma reunião que tive com membros da Esquerda Unida e eles me disseram que uma coisa é a situação do Brasil, em que agora muitas pessoas que foram pobres começam a poder comprar carros e a poder viajar, e outra coisa é entender que uma pessoa que é engenheiro de classe média, que tem dois filhos pequenos, que vem de uma família em que o pai e o avô também eram de classe média, de repente perde a casa e tem de voltar a morar com os pais.

Essa mudança de perspectiva na vida gera revolta total. E é esse o estado de bem-estar social que está sendo quebrado na Espanha. Então, isso explodiu na Espanha vinculado à ideia de território, ou seja, as pessoas da Catalunha acham que não têm nada a ver com os de Madri. E o pessoal do país Basco acha que não tem nada a ver com o restante do país. Então, por isso surgiram muitas organizações locais. Nos país Basco existem dois ou três partidos feministas e na Catalunha tem o Barcelona em Comum, que se articulou com o Podemos. O que está acontecendo na verdade é a formação de uma frente de novos partidos. Mas como eu disse, do ponto de vista nacional, antes do Podemos nasceu o partido X, que não teve a potência do Podemos, porque este conseguiu juntar uma série de forças.

IHU On-Line – No Brasil sempre se faz referência ao Podemos como o principal partido que surge desse descrédito com os partidos tradicionais, sem se mencionar esse novo quadro político, com o surgimento de novos partidos regionalizados.

Rudá Ricci – Sim, trata-se de um quadro novo, muito regionalizado. É como se de repente surgisse uma série de novos partidos no Nordeste brasileiro. Na verdade, no Brasil está, timidamente, acontecendo algo parecido.

Por exemplo, o PSOL está ocupando um lugar em algumas regiões do Brasil, como no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, em Brasília e no Pará. Mas tem uma articulação em São Paulo e no Rio de Janeiro de autonomistas, ecossocialistas, que vieram do PT, do PCdoB, da Rede e estão formando esse novo partido que se chama Raiz. A Luiza Erundina está vindo para esse novo partido, o Roberto Amaral está discutindo a possibilidade de se vincular a ele, e alguns petistas também estudam a possibilidade de sair do PT e migrar para esse partido. Então, está tendo uma movimentação, mas principalmente do Centro Sul do país. Se vê que está tendo uma quebra do sistema partidário por dentro, porque os brasileiros não conseguem se ver dentro dos partidos criados nos anos 1980. Está tendo uma procura por novos partidos, como foi a procura pela Marina nas eleições passadas. Os brasileiros querem tentar outra via. Isso aconteceu na Espanha, mas lá teve uma explosão nacional.

Eu me reuni com o pessoal do Podemos, na Espanha. Eles marcaram comigo numa praça no centro de Mérida, no inverno. Quando cheguei na praça, não vi ninguém, aí telefonei para um dos membros do partido, que disse já estar chegando. Nesse meio tempo, dei uma olhada para os lados e vi duas pessoas, um senhor e uma jovem, que estavam abrindo um portão e acendendo uma luz numa sala em que tinha uma mesa grande, cheia de jornais. Fui até lá e perguntei se era ali que iria acontecer a reunião do Podemos. Eles confirmaram e perguntaram de que país eu era e já me convidaram para participar - eu vivi isso no início dos anos 1980, com a formação do PT. O senhor foi um líder importante da região e era do Partido Comunista Espanhol e a jovem era do movimento feminista. Essa era uma das poucas sedes físicas do Podemos na Espanha. Eles se reúnem toda semana, à noite, e cada noite um coletivo deles usa o espaço da sede. Naquela noite, era o dia da reunião das feministas. No dia seguinte seria a reunião do grupo que estava organizando a campanha da eleição que eles ganharam nesse domingo. Então, o que quero mostrar ao falar isso é que há uma autonomia impressionante do uso do espaço da sede. Não tinha um dono: e esse é o Podemos.

IHU On-Line - Como vê, por outro lado, o acordo que o Podemos fez com o PSOE?

Rudá Ricci – O Podemos, desde o ano passado, vem caminhando mais próximo de uma agenda econômica social democrata. O próprio PSOE acusou o Podemos de copiá-los. Eu vi o Pablo Iglesias rindo da cara do PSOE na televisão, dizendo que se eles não tinham conseguido cumprir a promessa, o Podemos iria fazê-lo. Veja como eles são irônicos. Mas já era previsível que eles tivessem uma aliança em algum momento. Eu vi o programa econômico do Podemos, conversei com a direção do partido e inclusive disse para eles que via que estavam se aproximando do PSOE. Aí eles responderam: “A questão é a seguinte: uma coisa era o movimento que criamos no início de 2014, questionando o sistema partidário; outra coisa é agora nós sermos poder. E para ser poder, precisamos governar para a Espanha; não dá para governar somente para os meninos. E para isso, teremos de ampliar a nossa agenda”. Com isso, já estava ficando claro que eles estavam indo para a direita e não seriam tão radicais como se mostravam no início.

Mas como eu disse, o PSOE, no final do ano passado, estava com muito medo do Podemos. Eu lembro que à época conversei com alguns amigos socialistas da Espanha, que já me diziam que iriam acusar o Podemos de ser de extrema esquerda, porque era o único jeito que viam de barrá-los. Isso demonstra como a Espanha está passando por uma transição muito radical e rápida, e os partidos não estão sabendo lidar com essa novidade.

 

 

 

 

"A Europa está numa radicalidade ideológica dos dois lados muito forte"

IHU On-Line – O 15M surgiu na Espanha recusando os partidos, mas depois, se viu o surgimento do Podemos de dentro dessas manifestações. Como vê a transição desse movimento até se chegar a constituição de um partido que poderá ganhar as eleições nacionais do final do ano?

Rudá Ricci – Primeiro, tem uma conjunção de fatores que geram a crise na Espanha, que junta o antigo com o novo. Aqui no Brasil só tem o novo surgindo, e os antigos reagindo negativamente ao novo.

O que se tem de fato na Espanha? Tem os meninos do 15M, que explodem em toda a Espanha, mas tem um movimento subterrâneo que se articula rapidamente ao 15M, que é o movimento de luta pela sobrevivência de famílias de classe média e de pessoas da terceira idade. Isso não surgiu no Brasil, porque o que aconteceu aqui foi um divórcio das pessoas de mais idade e da classe média com os jovens. O pessoal de classe média no Brasil foi para a direita. Na Espanha não aconteceu isso, porque lá  os Democratas estavam governando, um partido que equivaleria ao PSDB no Brasil, e posteriormente governou o partido que tinha iniciado essas políticas que originaram o suicídio, que equivale ao PT no Brasil.

Parece que nesse momento começa a surgir no Brasil algo parecido com o que aconteceu na Espanha, ou seja, o pessoal da direita ficou frustrado com o PSDB porque ele não aceitou o impeachment da presidente Dilma. Isso aconteceu de forma radical na Espanha, de tal modo que setores de classe média e pessoas de 40 a 60 anos de idade, que não tinham os partidos nem da direita nem da esquerda como referência, não conseguiam ver neles uma alternativa. Isso não aconteceu no Brasil. Aqui o discurso da direita pegou parte do eleitorado frustrado. Lá não, porque o pessoal foi contra os partidos tradicionais. Então, o primeiro movimento foi a articulação dos jovens, depois a junção das pessoas que estavam perdendo as vantagens do estado de bem-estar social, e há ainda uma terceiro movimento, que é o do pessoal que está lutando pelo separatismo, que é o caso do país Basco e da Catalunha, que no ano passado votou pela separação da Espanha. Esse é outro movimento que não temos no Brasil.

Então, na Espanha há uma convergência de situações. A crise econômica, agravada pelo pacote da troika, rompeu com o sistema vigente partidário e aí surgiram essas novidades regionais que se somam ao Podemos e outras se somam ao Ciudadanos. Esse partido Ciudadanos é um partido como o Podemos, mas mais à direita. Isso nós não temos no Brasil, nem uma novidade à esquerda nem à direita.

IHU On-Line - Apesar de ter tido o resultado menos expressivo dos últimos anos nas eleições municipais de domingo, por quais razões o Partido Popular - PP continua sendo o mais votado?

Rudá Ricci – Sim, ele foi o mais votado, com 27% dos votos. Essa expressividade se deve ao mesmo motivo que acontece no Brasil. O PT parece ser o partido mais odiado hoje, mas mesmo assim reelegeu a presidente Dilma. Existe uma inércia e um charme dos partidos que estão no poder, porque eles têm a caneta, os compromissos locais e uma rede de lealdade de políticos locais, mas temos de ver isso em perspectiva. Um partido como o Podemos, que tem pouco mais de um ano de existência, roubou 10% dos votos do PP e quase 500 cidades da Espanha. Em perspectiva há uma inércia em relação ao PSOE, porque o PP caiu mais.

José María Aznar, que foi primeiro ministro do PP, que derrubou José Luis Rodríguez Zapatero, gerou essa geração que saiu derrotada das urnas no domingo. O PP está órfão e perdeu forças em Madri, que é a região mais conservadora da Espanha, e perdeu as lideranças que eram a renovação do partido. O PSOE ganhou em algumas regiões, como Valência, que é importante para o partido, e em Sevilla. Ou seja, o PSOE está em crise, mas conseguiu manter sua base aliada, mas o PP, não.

"A eleição da Espanha pode significar um farol para enxergarmos o futuro do Brasil"

 

 

IHU On-Line - Quais as expectativas em relação às eleições nacionais do final do ano e qual poderá ser o peso político do Podemos daqui para frente?

Rudá Ricci - Agora é a hora de o realismo cair pesado sobre os ombros de quem vai governar. Eles terão dificuldades imensas para governar, porque não têm dinheiro. Eles vão frustrar os mais radicais, porque vamos lembrar que houve um racha no Podemos no mês passado. O grupo do Pablo Iglesias, que é mais tradicionalista e centralizador em termos de organização, ganhou as eleições internas do Podemos, e os mais inovadores em termos de organização saíram do partido. Então, vamos ter como consequência agora um banho de realismo político. Por outro lado, os cinco deputados eleitos para o Parlamento europeu do Podemos, que foram eleitos no ano passado, vão se encontrar com o Syriza e com os irlandeses com muito mais força. O que temos de entender é que se, por um lado, a crise econômica estará na conta do Podemos e eles terão de inovar em termos de política pública, e agora vem a prova de fogo, por outro lado, agora aumentam as forças políticas da Europa que são contra os pacotes de austeridade, que estão na Grécia, na Irlanda, em Portugal, em todo o leste europeu. Neste momento é possível que estejamos vivenciando o efeito dominó, ou seja, o início de uma nova onda de políticas desenvolvimentistas antiausteridade, fazendo com que o discurso do FMI caia de uma vez por todas em desuso. Vamos lembrar que a crise dos EUA de 2008 gerou um pacote do FMI que foi rechaçado pelo Obama, mas é o mesmo pacote que a Dilma quer implantar no Brasil.

Eu estou falando do pacote da Dilma, porque estamos vendo um possível suicídio político do PT e, nesse sentido, a eleição da Espanha pode significar um farol para enxergarmos o futuro do Brasil. Tenho a impressão de que o Podemos terá a dificuldade de governar na crise, mas terá a vantagem de se juntar aos seus amigos do Syriza, que também são poder. É o início de um efeito dominó que atinge outros países nessa mudança. Vamos lembrar que os três países que comandam essa austeridade são a Alemanha, a França e a Inglaterra. Vamos lembrar ainda que na França, na Áustria, na Bélgica e na Suíça a extrema direita está ganhando ainda mais votos. A Europa está numa radicalidade ideológica dos dois lados muito forte. A eleição do Podemos pode significar uma força para a esquerda nesse momento. Ou seja, tudo está em aberto.

Por Patricia Fachin

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A vitória do Podemos e a expectativa de um efeito dominó contra a austeridade. Entrevista especial com Rudá Ricci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU