18 Fevereiro 2015
“Tudo indica que, em 2015, nós vamos ter uma economia no chão. Ou seja, em recessão. E, portanto, vai aumentar o desemprego, vai cair o nível de formalização. É exatamente nesse período que as pessoas mais precisam do seguro-desemprego”, afirma o analista do Dieese.
Sob o argumento da necessidade de ajuste fiscal, o governo revela em seus primeiros atos de 2015 medidas provisórias que, na verdade, já estavam sendo gestadas desde 2014. Há medidas que restringem o acesso de trabalhadores a benefícios conquistados e outras que vão na contramão de políticas econômicas que vinham sendo adotas, como o desestímulo ao consumo. Para o coordenador de Relações Sindicais do Dieese, José Silvestre, tais medidas vão levar a economia para o chão.
Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, revela temer que essa estratégia cause estragos, principalmente pelos reflexos aos trabalhadores. “Vamos ter uma economia em recessão em 2015, com nada muito animador em 2016. Significa que vai aumentar o desemprego. Certamente também teremos uma queda na taxa de formalização do emprego”, destaca.
Foto: mateusbrandodesouza.blogspot.com |
São justamente nos benefícios que o Governo Dilma quer mexer. “Na verdade, (o governo) restringe e muito o acesso de uma parcela expressiva dos trabalhadores. Ou seja, o seguro- desemprego, o abono, entre outros, não foram extintos. Isso é fato. Agora, foram muito restringidos”, pondera, lembrando o texto das medidas provisórias.
O Palácio do Planalto se defende. Argumenta que, além do ajuste, serão corrigidas distorções na concessão dos benefícios trabalhistas e que as ações podem até diminuir a rotatividade no mercado de trabalho. Mas Silvestre não crê nisso. “Ninguém defende a fraude, ela tem de ser combatida. Mas se há fraude e distorções, existem outros mecanismos de correção. Um dos mecanismos que ajuda no combate e correção é a fiscalização. Outra forma é ter mecanismos do ponto de vista da informatização dos sistemas para que permita ou iniba a fraude e corrija as distorções”, aponta. E o resultado? Para o especialista do Dieese, pode ser ida para a recessão com dificuldades de volta.
José Silvestre é geógrafo formado pela Pontifícia Universidade Católica - PUC de São Paulo, com pós-graduação em Economia também pela PUC - SP. Hoje, coordena a área de Relações Sindicais no Dieese.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O conjunto do movimento sindical brasileiro foi surpreendido com as medidas de ajustes nos benefícios como o seguro-desemprego, o abono salarial, a pensão por morte e o auxílio-doença. É fato que desde o ano passado o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, avisou sobre essas medidas? Qual foi o tamanho da surpresa e qual foi a reação?
José Silvestre - De fato, já no ano passado, na gestão de Guido Mantega, havia sido sinalizado que viriam essas medidas de ajuste. Agora, a expectativa do movimento sindical era de que o governo chamasse as centrais para conversar. Até porque, no dia 8 ou 9 de dezembro, a presidente Dilma Rousseff teve reunião com as centrais. E a reunião foi muito bem avaliada pelos sindicatos. Então, a expectativa era de que, se houvesse qualquer medida que afetasse trabalhadores ou aposentados e pensionistas, o movimento sindical fosse ouvido. Não foi isso que aconteceu. O governo chamou o grupo no dia 29 de dezembro em Brasília apenas para mostrar as medidas que já estavam prontas e que foram publicadas no Diário Oficial no dia seguinte.
IHU On-Line - Então, é possível afirmar que as medidas em si não foram novidade. O que foi novidade foi o teor das medidas?
José Silvestre - As medidas foram novidade no sentido de sua profundidade. O movimento sindical não esperava que fossem anunciadas sem uma conversa prévia com as centrais sindicais e, também, que fossem na profundidade que foram. Ainda que o governo alegue que não tenha cortado direito dos trabalhadores, direitos sociais, na verdade restringe e muito o acesso de uma parcela expressiva dos trabalhadores. Ou seja, o seguro-desemprego, o abono, entre outros, não foram extintos. Isso é fato. Agora, foram muito restringidos. Por exemplo, pela regra anterior do seguro desemprego: quem tinha seis meses de trabalho formalizado tinha acesso ao seguro desemprego. Pela nova regra da medida provisória, são 18 meses. Isso exclui milhões de trabalhadores desse acesso.
IHU On-Line - Qual é o significado dessas mudanças para os trabalhadores brasileiros?
José Silvestre - O primeiro é o fato de você excluir do acesso um número grande de trabalhadores. Por exemplo, o Ministério do Trabalho divulgou uma projeção que fizeram, a partir da base de dados do seguro-desemprego de 2014. Segundo esse cálculo, cerca de 2,3 milhões, pela nova regra, seriam excluídos do acesso ao benefício.
Foto: portalctb.org.br
Nós do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese fizemos umas primeiras simulações em relação ao seguro- desemprego e em relação ao abono. Lógico que nossos cálculos são diferentes do governo porque são bases de cálculos diferentes. O governo usou para o cálculo a base do seguro- desemprego, que é a base efetiva daqueles que acessaram o seguro-desemprego em 2014. Nós utilizamos a base de cálculo da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS de 2013. E, para projetar a economia que o governo faria, usamos a quantidade média do seguro-desemprego de 2012, mais o valor médio regido pelo INPC. Além disso, estamos olhando o potencial de trabalhadores que não teriam esse acesso em 2015, 2016.
Assim, tudo indica que, em 2015, nós vamos ter uma economia no chão. Ou seja, em recessão. E, portanto, vai aumentar o desemprego, vai cair o nível de formalização. É exatamente nesse período que as pessoas mais precisam do seguro-desemprego.
Grande rotatividade no trabalho
Essas medidas são extremamente prejudiciais aos trabalhadores por essas razões que já apontei, mas também porque no Brasil há uma taxa de rotatividade muito elevada no trabalho. Pelos dados de 2013 da RAIS, 44% das pessoas formalizadas ficam menos de seis meses no mesmo emprego. Se considerar pessoas que ficam menos de 12 meses no mesmo emprego, o percentual chega até 66%. Ou seja, dois terços da mão de obra formalizada no Brasil não atinge um ano no mesmo emprego. Se relacionar isso à questão do seguro-desemprego, veremos que o quadro se agrava. Hoje, em torno de 43, 44% já não acessariam o benefício porque não atingem seis meses no emprego. Se você pula de 6 para 18 meses, pelas nossas projeções, chegamos a um número de 4,8 milhões de pessoas que seriam excluídas desse benefício.
No caso do abono, os nossos dados são muito próximos aos do governo. Usamos praticamente a mesma base de informação. Qualquer trabalhador formalizado que ganha até dois salários mínimos, se trabalhasse um mês, teria direito ao abono. E do ponto de visto do valor, o pagamento seria o equivalente ao salário mínimo. Com a nova regra, passa a ser de seis meses ininterruptos de trabalho, 180 dias. E o pagamento passa a ser proporcional ao tempo trabalhado. Se a pessoa trabalhou seis meses, recebe meio salário mínimo. Isso também exclui muita gente. Reconheço que possamos ter distorções e o governo precisa corrigir. Mas isso não pode ser feito cortando direitos.
Correção de distorções é pretexto
"Essa política de desoneração numa economia que já vinha dando sinais de baixo crescimento, mais cedo ou mais tarde, ia acabar estourando" |
Agora, o governo tomou medidas que vêm no sentido do ajuste fiscal. Com essas medidas específicas, estão projetando uma economia de 18 bilhões de reais. O governo poderia pensar em outras medidas para contribuir com o ajuste fiscal e com o superávit primário que não penalize essa parcela mais vulnerável da população.
IHU On-Line - Alguns especialistas nas questões do trabalho consideram produtiva a mudança do tempo de trabalho para concessão do seguro-desemprego. Segundo essa linha de raciocínio, os seis meses de benefícios podem gerar um efeito nocivo ao trabalhador (supondo que trabalharia somente para conquistar o benefício). Como o senhor avalia essa questão específica do seguro- desemprego?
José Silvestre - Ninguém está dizendo que não há distorções. Há e precisam ser corrigidas. Se fala que existe esse conluio entre empregador e empregado. O camarada trabalha, faz um acordo com o empregador, sai do trabalho para acessar o seguro- desemprego e continua prestando serviço para a empresa informalmente. Se isso existe, não é questão de culpar só o trabalho. É responsabilizar o empregador também, pois isso para ele representaria redução de custos – já que não arcaria com algumas obrigações trabalhistas.
O que quero chamar atenção é que isso está sendo apontado como um problema que se estaria corrigindo e contribuindo para diminuir as despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Uma das alegações é de que há desequilíbrio financeiro no FAT em razão do crescimento do seguro-desemprego. Só que, primeiro: o seguro-desemprego cresceu por conta do salário mínimo, que é uma política positiva, e, segundo, pela própria expansão da formalização do mercado de trabalho.
Outro efeito que estão apontando é que reduziria a rotatividade. Mas como vai reduzir a rotatividade? Se isso realmente acontecer, o governo vai passar a pagar menos seguro- desemprego. Agora, ninguém garante que os empregadores não vão continuar fazendo as demissões que sempre fizeram. Qual a garantia?
Claro, isso tudo é uma suposição. Teríamos de verificar depois de um período da medida implantada qual seria o comportamento, o resultado. Assim, poderíamos realmente ver se esse índice de rotatividade cairia, embora eu não creia nessa queda. Se for mantida essa nova regra sem nenhum mecanismo de inibição da rotatividade, creio que permanecerá nos patamares de hoje.
IHU On-Line - Em relação à agenda do trabalho houve mudança de rumo no governo? Há outros riscos?
José Silvestre - É claro que as medidas que mais tiveram destaque, até porque o movimento sindical se movimentou, foram essas. Mas o governo também tomou outras medidas. São medidas que também afetam os trabalhadores. A correção da tabela do imposto de renda, por exemplo. O Congresso tinha votado o ajuste da tabela em 6,5% e a presidente vetou para 4,5%. Isso tem impacto sobre os trabalhadores porque corrigindo as alíquotas por 6,5% significa que você aumenta a renda que será tributada. Portanto, tem um número grande de pessoas que deixaria de ser tributado pelo imposto de renda. E isso tem impacto na renda do trabalho de um modo geral.
Outra medida é a retomada, por parte do governo, da Contribuição de Intervenção no Domínio do Emprego – CIDE, que incide sobre os combustíveis. Isso tem impacto no bolso do trabalhador e da população de um modo geral. O governo ainda tomou medidas sobre o Imposto sobre Operações Financeiras – IOF; no crédito bancário dobrou a alíquota de 1,5% para 3%, restringindo o crédito; tomou medidas no aumento da taxa de juros praticada nos financiamentos habitacionais da Caixa, entre outras medidas. Todas elas são ações que vão ao sentido da recessão.
Resultado: recessão e desemprego
“Certamente em 2015 não teremos uma taxa de desemprego como estávamos tendo” |
Assim, deve aumentar a informalidade. Portanto, essas medidas vão na contramão de um processo no qual os trabalhadores mais precisariam desses benefícios. As pessoas vão ficar desempregadas, a renda está caindo.
IHU On-Line - Então, diante desse cenário de recessão, quer dizer que o efeito mais imediato que se poderá perceber no mundo do trabalho é o aumento das demissões?
José Silvestre - Sim, já está havendo. No setor industrial, por exemplo, que vinha com dificuldade há alguns anos, já se vê em 2014 um aumento do desemprego. A economia brasileira, desde 2011, vem crescendo numa taxa muito menor do que no período anterior, até 2010. Agora, do ponto de vista do mercado de trabalho, a taxa de desemprego continuou baixa. Mas, em 2014, no terceiro trimestre do ano, houve sinais de aumento da taxa de desemprego.
Aparentemente é uma contração: a economia que não cresce e o mercado de trabalho continua gerando emprego. O que ocorre é o seguinte: como você tem a economia crescendo nesse período todo, houve melhoria na distribuição de renda, melhoria nos ganhos reais dos salários. E a permanência da taxa de desemprego em patamares baixos não tem a ver apenas com a questão econômica.
Em razão desse crescimento econômico dos últimos anos e da melhoria da renda, houve o retardamento da entrada dos jovens no mercado de trabalho. As famílias estavam em melhores condições e seguravam a entrada desses jovens no mercado de trabalho. Com menos pessoas procurando emprego, você tem menos pressão sobre os índices de População Economicamente Ativa – PEA. E isso contribui para ter uma taxa de desemprego em queda ou estável.
Além disso, há também a questão do chamado bônus demográfico. O Brasil está vivendo uma tendência de finalização desse processo. Se não aproveitarmos esse momento, não teremos condições de crescer. Porque o bônus demográfico contribui para isso e tem, ainda, rebatimento para a questão da previdência.
"Além de gerar menos postos de trabalho, a proporção informal x formal tende a crescer" |
IHU On-Line - O senhor afirmou recentemente que, com os ajustes anunciados, a “lógica do governo é de colocar a economia no chão”. Quais são as causas da atual situação econômica e como revertê-la?
José Silvestre - O governo fez, nos últimos três anos, um conjunto de desonerações que – embora não se tenha o número exato – gira em torno de 200 bilhões de reais. Ou seja, deixou de arrecadar para os cofres do Estado. Isso teve efeito no FAT, na Previdência, e quem cobriu isso foi o Tesouro. Essa política de desoneração numa economia que já vinha dando sinais de baixo crescimento, mais cedo ou mais tarde, ia acabar estourando. É o que está acontecendo em 2015.
Então, o governo tomou as medidas de ajuste fiscal com a justificativa de fazer esse ajuste para retomar a credibilidade junto ao mercado e com isso retomaria o investimento. Agora, qual é o risco? Depende da dose. Fazer uma recessão e colocar a economia no chão pode criar dificuldades para lá na frente retomar o crescimento. O tombo pode ser muito grande. E não necessariamente significa que os investidores do setor privado voltem. Ou não na proporção que o governo está pensando.
O que se debate é se a dose não está sendo muito amarga neste momento e com isso se corre o risco de não ter a contrapartida de investimentos do setor privado. Ainda porque a taxa de juros está do jeito que está, o crédito está restrito este ano. Todas as medidas vão no sentido da recessão. O consumo das famílias está caindo, pois a renda está caindo, corroída pela inflação, que aumentou nos últimos tempos. Não que a inflação esteja completamente fora de controle, mas está mais elevada. As medidas e o que está sendo proposto vão na contramão do que víamos nos últimos anos. Estávamos num processo de melhorias, distribuição de renda, conjunto de políticas públicas que muito contribuíram para isso.
IHU On-Line - Como vê as negociações das centrais sindicais com o governo para a flexibilização dessas medidas? Até onde acha que o governo vai ceder?
José Silvestre - Houve duas reuniões entre centrais e governo. E na última, agora em fevereiro, o governo aceitou fazer uma discussão tripartite sobre as medidas. As medidas estão no Congresso e, se não forem votadas, trancam a pauta. Então, deve haver reuniões tripartite, com centrais sindicais, governo e Congresso. Parece que mais de 600 emendas já foram apresentadas às medidas. Isso vai ser objeto de negociação, e o governo já sinalizou que vai recuar. Ou o governo negocia ou poderá ser completamente derrotado no Congresso, pois o Congresso tem dado sinais de que o governo tem dificuldades de vitórias – dado o resultado da eleição na Câmara. Uma coisa está clara: não vai retirar as medidas, mas aceita negociar. Essa negociação, qualquer que seja o resultado, minimiza o efeito.
IHU On-Line - Há uma agenda benéfica para os trabalhadores sendo negociada ou a luta tem sido apenas a de garantir direitos conquistados?
José Silvestre - Nessa última reunião do governo com as centrais, houve uma sinalização e uma abertura de fazer o debate sobre os mais variados temas. Inclusive relativos ao Plano Plurianual, os resultados da economia e tudo mais. Essa agenda das medidas é emergencial. Então isso está tomando todas as energias.
Mas há uma outra pauta, outra agenda, entre governo e centrais. E nela se pode discutir a questão da rotatividade, por exemplo, a política de valorização do salário mínimo, entre outras. Isso tudo está previsto para ser objeto de conversa e negociação.
E tem o Congresso. As centrais também estão conversando com Senado e Câmara. E tem uma expectativa grande com essa outra agenda. Se o governo está sinalizando para conversar, isso é um ponto positivo. Aliás, é expectativa dado o compromisso da presidente. Ela reforçou isso no dia da vitória e no discurso de posse.
(Por João Vitor Santos, com colaboração de César Sanson)
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Economia no chão: do ajuste fiscal à recessão. Entrevista especial com José Silvestre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU