18 Junho 2013
“O Código de Processo Penal permite tantos recursos, tantas chicanas jurídicas, que os processos se arrastam por 10, 15 anos. Muitas vezes, a pena acaba prescrita. O CPP está sendo reformado pelo Congresso, mas parece que a população não percebe a importância dessa reforma”, adverte o jornalista.
Confira a entrevista.
Foto: politicabrasileira.com.br |
A corrupção impregnada na política brasileira é uma “herança portuguesa. Mas a República parece que adotou a prática”, crítica Lúcio Vaz à IHU On-Line em entrevista concedida por e-mail. Jornalista investigativo e autor do livro Sanguessugas do Brasil (São Paulo: Geração Editorial, 2012), no qual narra 12 casos de corrupção e lobby envolvendo políticos e grupos econômicos, Vaz comenta os bastidores da política brasileira e explica como a corrupção está enredada na política. “No Congresso, parlamentares recebem doações de empreiteiras que realizaram obras com recursos do Orçamento da União. Na votação do Orçamento, os lobistas dessas empreiteiras pressionam os deputados a apresentar emendas para destinar mais recursos para essas obras. Presidentes da República, governadores, prefeitos também recebem doações dessas empreiteiras. Existe ainda o lobby dos bancos, da indústria do tabaco, dos fabricantes de armas, de remédios, de bebidas, de agrotóxicos, todos grandes doadores. Isso não é sensato, não é sério, não é prudente, para dizer o mínimo”, lamenta.
Na entrevista a seguir, ele enfatiza que “o mensalão mostrou que estávamos errados, iludidos. (...) Quando escrevi o livro, ainda não havia ocorrido o julgamento. Fiquei surpreso. Não esperava a condenação de José Dirceu. O Supremo avançou mais do que eu imaginava. Mas há casos pendentes, lembrando apenas os que citei no livro Sanguessugas do Brasil. Quero ver o julgamento do caso Gautama e do caso Sanguessugas. Que seja feita justiça”.
Jornalista da Folha de S.Paulo, o gaúcho Lúcio Vaz atuou também nos jornais Diário da Manhã, na sucursal do Correio do Povo e no Jornal do Comércio, ambos de Porto Alegre, e integrou ainda a redação de o Correio Braziliense e de O Globo. Como jornalista investigativo, publicou também A ética da malandragem: no submundo do Congresso Nacional (São Paulo: Geração Editorial, 2005).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em seu livro há registrados casos de corrupção de duas décadas. Qual a origem dessa corrupção? Como esse problema começou a corroer a política brasileira? É algo impregnado na história do Brasil? É uma herança portuguesa?
Foto: revistadigital.com.br |
Lúcio Vaz – A corrupção do Brasil remonta aos tempos do Império. Dom Pedro I pagava uma espécie de “mensalão” a deputados que integravam a Assembleia Legislativa. A Marquesa de Santos, sua amante, indicava apadrinhados para cargos públicos e liberava mercadorias no Porto de Santos, como relata a escritora Isabel Lustosa. Portanto, o país já nasceu com essa tradição. Trata-se, sem dúvida, de uma herança portuguesa. Mas a República parece que adotou a prática.
IHU On-Line – A corrupção independe dos partidos políticos?
Lúcio Vaz – Como tantos, tive a ilusão, durante décadas, de que o PT seria um partido imune à corrupção. Poderia haver até alguns desvios por parte de seus membros, mas o partido, enquanto instituição, rechaçaria sempre essa prática. O mensalão mostrou que estávamos errados, iludidos.
IHU On-Line – O envolvimento do PT no caso mensalão causou escândalos entre os seguidores do partido. Que apurações fez sobre o caso e como avalia os resultados da investigação e condenação do STF até o momento?
Lúcio Vaz – Primeiro, é preciso que as condenações sejam efetivadas. Quem é condenado à prisão deve ser preso. Pelo que vemos no caso Natan Donadon, isso vai demorar mais do o tempo prometido por Joaquim Barbosa. Isso é ruim para o Judiciário, que fica desacreditado, e para o país, que fica descrente. A condenação mostra que a cúpula petista participou desse processo, mais do que isso: institucionalizou a compra de apoio político. Quando escrevi o livro, ainda não havia ocorrido o julgamento. Fiquei surpreso. Não esperava a condenação de José Dirceu. O Supremo avançou mais do que eu imaginava. Mas há casos pendentes, lembrando apenas os que citei no livro “Sanguessugas do Brasil”. Quero ver o julgamento do caso Gautama e do caso Sanguessugas. Que seja feita justiça.
IHU On-Line – Em sua avaliação, por que o caso mensalão foi julgado, enquanto casos mais antigos como o Gautama e o Sanguessugas ainda não foram julgados? Esse caso específico teve muita apelação social?
Lúcio Vaz – Não há dúvidas de que o apelo político e social tem influência, acelera o processo. No caso Sanguessugas, ocorreu aquela tradicional flutuação de foro. A operação da PF aconteceu em 2006. Naquele ano, dos 72 parlamentares citados pela CPI, apenas cinco conseguiram se reeleger. Os demais ficaram sem mandato e responderam processo na Justiça Federal. Após quatro anos, cinco deles conseguiram voltar à Câmara dos Deputados, e os processos ainda não haviam sido julgados. Resultado: os processos subiram para o Supremo, que é o foro para deputados federais e senadores. Começou tudo de novo.
Eu acho que o Supremo não deveria julgar ações penais, mesmo de congressistas. Ou, ainda, que o processo ficasse sempre no órgão em que foi instaurado, independentemente do cargo exercido pelo político em cada momento. O caso Gautama foi deflagrado em 2007. Parte dele está no STJ, porque há um conselheiro de Tribunal de Contas Estadual envolvido. Somente em abril deste ano foi aberto o processo. Até então, o que havia era um inquérito presidido pela ministra Eliana Calmon.
O Código de Processo Penal – CPP permite tantos recursos, tantas chicanas jurídicas, que os processos se arrastam por 10, 15 anos. Muitas vezes, a pena acaba prescrita. O CPP está sendo reformado pelo Congresso, mas parece que a população não percebe a importância dessa reforma.
IHU On-Line – Como ocorreu a expansão da Aracruz no Rio Grande do Sul?
Lúcio Vaz – No caso da Aracruz, não houve propriamente corrupção. O que houve foi um domínio das forças políticas estaduais, a partir das doações de campanha e do discurso falso sobre a geração de empregos. Não foram gerados os tais empregos, não foram criadas as fábricas prometidas (na Zona Sul e na Fronteira Oeste). E as coxilhas e encostas do Rio Grande estão tomadas de eucaliptos. O que fazer com isso? Como recuperar essas terras antes produtivas? São empresas que sugam o país e depois se retiram, como se nada tivesse acontecido. A Aracruz (hoje Fibria) vendeu a sua fábrica para os chilenos da CMPC. A Stora Enso preferiu construir a sua fábrica em Colônia, no Uruguai. A Votorantin descolou o investimento para o Mato Grosso do Sul.
IHU On-Line – Em seu livro, o senhor aponta as relações entre as papaleiras e o governo gaúcho, mencionando que a indústria de celulose doou 2 milhões de reais a políticos gaúchos nas eleições de 2006. Diante disso, como vê a discussão acerca do financiamento privado de campanhas?
Lúcio Vaz – Sei que a mecânica é complexa, mas defendo o financiamento público. A maioria dos deputados gaúchos recebeu doações das papeleiras. Houve uma CPI na Assembleia para investigar o avanço da indústria da celulose no Sul. Você imagina o resultado? No Congresso, parlamentares recebem doações de empreiteiras que realizaram obras com recursos do Orçamento da União. Na votação do Orçamento, os lobistas dessas empreiteiras pressionam os deputados a apresentar emendas para destinar mais recursos para essas obras. Presidentes da República, governadores, prefeitos também recebem doações dessas empreiteiras. Existe ainda o lobby dos bancos, da indústria do tabaco, dos fabricantes de armas, de remédios, de bebidas, de agrotóxicos, todos grandes doadores. Isso não é sensato, não é sério, não é prudente, para dizer o mínimo.
IHU On-Line – Dos doze casos investigados, qual foi mais difícil de investigar e conseguir provas?
Lúcio Vaz – O caso sanguessugas foi, talvez, o mais difícil, porque o poder público estava muito fechado. Isso porque já havia uma investigação da Polícia Federal em andamento, ainda no seu início. Eu não sabia. Tive que me deslocar até Rondônia para investigar a compra de ambulâncias em cada prefeitura. Seis meses depois, quando estourou a Operação Sanguessuga, da Polícia Federal, soube que a quadrinha acompanhou a minha movimentação em Rondônia. O chefe do grupo chegou a comentar com um jagunço: “O que você acha de mandar esse cara aí?”. Enfim, foi uma investigação de risco, muito risco.
IHU On-Line – Quais as implicações dos crimes de colarinho branco para a sociedade?
Lúcio Vaz – A sociedade precisa acreditar que os criminosos de colarinho branco também vão para a cadeia. Essa punição vai inibir o crime. Infelizmente, isso ainda não acontece na proporção necessária. Os políticos que respondem processos no Supremo (mais de uma centena) precisam ser julgados. Se não foram julgados, a corrupção vai se alastrar pelo serviço público e pelas corporações empresariais. A impunidade tem um feito devastador sobre a sociedade.
IHU On-Line – Em sua avaliação, como o tema da corrupção é abordado pela mídia brasileira?
Lúcio Vaz – Fico feliz de observar que a mídia dá cada vez mais espaço para isso. Há uma geração jovem muito séria e preparada para a investigação. Há 20 anos, éramos poucos nesse trabalho. Por outro lado, o trabalho jornalístico se baseia, cada vez mais, na apuração da polícia e do Ministério Público. As grandes investigações de campo, demoradas, caras, são cada vez mais escassas. Os jornais estão muito voltados para o factual. Quando estoura um caso novo, normalmente descoberto pela PF, todos vão atrás, investem muito. Mas a imprensa não tem descoberto muitos casos novos.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Lúcio Vaz – Gostaria de falar aos estudantes de jornalismo. Gostaria de dizer-lhes que o jornalismo investigativo é muito instigante. Fiz isso durante 25 anos, conheci o país inteiro fazendo minhas reportagens. Fui ver de perto o estrago que a corrupção produz, fui entrevistar políticos corruptos no seu ambiente natural, fui conhecer as pessoas que sofriam com a sangria do dinheiro público. É um segmento muito valorizado, prestigiado. Quem tiver ânimo, deve se preparar, estudar a investigação com o uso de computador, de planilhas eletrônicas, de acesso a informações públicas. O risco existe, mas é calculado. Como eu conto nos meus dois livros, é preciso ter medo, às vezes, porque o medo estabelece o limite até onde podemos ir. Mas você deve ter medo (receio, cuidado) e coragem ao mesmo tempo. Se não tiver coragem, fique em casa.
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Corrupção: "Os políticos que respondem processos no Supremo (mais de uma centena) precisam ser julgados". Entrevista especial com Lúcio Vaz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU