23 Junho 2012
O futuro que o CMI busca para as religiões do mundo é um futuro em que os direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e religiosos sejam respeitados; em que os pobres sejam prioridade; em que o planeta seja habitado de forma responsável e no qual a humanidade seja comprometida com a solidariedade, diz o teólogo.
Confira a entrevista.
Existem duas esferas de relações religiosas na Rio+20. “A primeira delas é ecumênica, que é entre as igrejas cristãs, que estão cooperando em diferentes organismos e espaços, que trouxeram suas experiências para cá; a outra é do diálogo e da cooperação inter-religiosa”, explica o teólogo e assessor do moderador do Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), Marcelo Schneider, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. Para ele, durante os dias de realização da Rio+20, há novas redes se formando. “Existem esferas de grupos étnicos e religiosos que nunca tiveram contato uns com os outros e que se descobriram aqui como defensores de uma causa comum”. frisa. E exemplifica: “A questão do direito à terra não é apenas uma agenda dos protestantes que apoiam financeiramente projetos sociais. Ela também é uma questão muito presente para as religiões de terreiros, os povos de candomblé, por exemplo, que entendem que a questão da terra deve ser tratada com urgência, além dos povos quilombolas, que também veem a questão do acesso e do direito à propriedade da terra como questão fundamental. Ou seja, essa é uma questão comum para os três grupos que, até então, conversavam muito pouco e que aqui descobrem novas plataformas de cooperação; três grupos que normalmente não se encontrariam para falar encontraram, nessa articulação, um espaço e uma possibilidade de construir e reforçar agendas comuns”.
Schneider esclarece que as “Religiões por direitos” estão trabalhando em seis temas. “E é importante frisar que isso não é uma articulação de religiões por religiões. São representantes religiosos abordando, do ponto de vista das religiões, diversos temas, como segurança alimentar, juventude e justiça ambiental, comunidades ou povos tradicionais de terreiros, entre outros”.
Marcelo Schneider é doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia – EST, São Leopoldo, com tese intitulada Em busca de uma ética social ecumênica. A discussão no Conselho Mundial de Igrejas em perspectiva e práxis Latino-Americanas (2005). Também é assessor do moderador do Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas – CMI e correspondente para América Latina do departamento de Comunicação do CMI. Trabalhou como secretário executivo do espaço de “Religiões por direitos” de março a julho de 2011.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – De que maneira o Conselho Mundial de Igrejas – CMI participará da Rio+20 e da Cúpula dos Povos pela Justiça Social e Ambiental?
Marcelo Schneider – Existem duas plataformas das quais o Conselho Mundial de Igrejas está participando no Rio de Janeiro. Uma delas é com a delegação oficial na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, uma delegação que não só tem promovido eventos paralelos no Rio Centro, mas também tem contribuído com outras organizações ecumênicas e ONGs do mundo inteiro na pressão, incidência e nas defesas de causas em relação à pressão dos líderes governamentais à redação do documento, acompanhando de perto. É importante destacar que o Conselho Mundial de Igrejas participou com representantes dos grupos de redação das últimas Conferências das Partes (no original, "Conference of the Parties", ou simplesmente COPs), e na Rio+20 está com essa agenda mais de delegação social em relação com os governos e os representantes internacionais.
Cúpula dos Povos pela Justiça Social e Ambiental
O outro lado da participação do Conselho Mundial de Igrejas no Rio de Janeiro nesses dias é na Cúpula dos Povos, no incentivo e na organização daquilo que se chama de “Religiões por direitos”. São seis tendas temáticas onde estão acontecendo atividades promovidas por igrejas, grupos religiosos, diferentes religiões, organizações de ajudas humanitárias ligadas à Igreja e diferentes grupos étnicos, como de cunho religioso, religiões de matriz africana, por exemplo, que estão envolvidos nessa empreitada na Cúpula dos Povos e se unindo com outros movimentos da sociedade civil para construir uma voz que alerte que a urgência de defesa dos direitos fundamentais de cuidado com a terra é algo inegociável e inadiável. Então, o CMI está desde o início do ano apoiando, através da minha pessoa, disponibilizando um funcionário para coordenar essa articulação “Religiões por direitos”, que realizou várias ligações e conexões para montar uma agenda de atividades para nove dias, em seis tendas espalhadas no território da Cúpula dos Povos. Além disso, está presente com atividades, painéis e discussões.
IHU On-Line – Qual o objetivo deste encontro? Este programa reúne participantes ecumênicos e inter-religiosos?
Marcelo Schneider – As “Religiões por direitos” estão trabalhando em seis temas. E é importante frisar que isso não é uma articulação de religiões por religiões. São representantes religiosos abordando, do ponto de vista das religiões, os seguintes temas:
• Segurança alimentar
• Mudanças climáticas
• Juventude e justiça ambiental
• Novos paradigmas e desenvolvimento sustentável
• Paz, conflitos religiosos e bens comuns
• Comunidades ou povos tradicionais de terreiros.
IHU On-Line – Que resultados vocês esperam da Rio+20, em relação à religião?
Marcelo Schneider – Estamos sempre trabalhando com esses dois lados. No evento oficial da ONU, esperamos que as organizações religiosas sejam ouvidas, porque a agenda delas é de pedido de justiça ambiental, de respeito ao planeta e à natureza, que tem consequência direta no respeito às pessoas, desde as relações de trabalho até os direitos humanos fundamentais. Então, esperamos que a Rio+20 produza um condicionamento a partir do dia 20 e depois, nos dias 21 e 22, com os governantes debatendo o documento base de consenso e que esse documento reflita de fato essas agendas de clamor por justiça e de cuidado com a natureza. Desejamos que não seja mais um episódio de protelação e de adiamento de decisões urgentes em relação a diretrizes que cada governo precisa adotar para frear a destruição do planeta e o atropelamento dos direitos humanos que estão ocorrendo em várias partes do mundo.
No outro lado, na Cúpula dos Povos, almejamos como Conselho Mundial de Igrejas que a voz das religiões se some às outras vozes da sociedade civil que estão construindo uma agenda muito forte para os governantes e a sociedade global, de que existem direitos que precisam ser defendidos e que esses direitos são de ordem econômica, social, cultural, ambiental e, inclusive, religiosa. Uma das agendas mais fortes que possuímos é o combate à intolerância religiosa. Então, esperamos da Rio+20 que os governantes entendam que o clamor que vem das organizações religiosas tem contato com as bases e de que ele é de uma legitimidade na sua busca por justiça. E, na Cúpula dos Povos, desejamos que os religiosos se vejam em pé de igualdade como parceiros, junto com outras esferas da sociedade civil, como o Movimento Negro, o grupo dos Quilombolas, a Marcha Mundial das Mulheres, e assim por diante.
IHU On-Line – De que maneira o CMI irá enfatizar as preocupações éticas e as perspectivas religiosas durante o encontro da Rio+20?
Marcelo Schneider – Toda a abordagem ética em relação ao desenvolvimento sustentável encontra muito eco em todas as expressões religiosas que estão aqui presentes. Além das igrejas cristãs, como as luteranas, a Igreja Católica, com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, participando ativamente, estão ainda os budistas, hare krishna, as religiões de matriz africana, os povos tradicionais de terreiro, a comunidade judaica, o Santo Daime, e assim por diante. Ou seja, tem uma diversidade enorme nessas tendas de “Religiões por direitos”. Elas têm em comum o entendimento de que a experiência religiosa leva a uma leitura de cuidado com a natureza e de respeito com as outras pessoas, não apenas individualmente, mas também de respeito dos governos, das lideranças, das empresas, dos mecanismos de trabalho com o ser humano e com a sociedade, ou seja, uma sociedade pautada pelo respeito. E uma sociedade que respeita a natureza está eticamente balizada por princípios que estão muito presentes também nas experiências religiosas que aqui estão e é um ponto de consenso. Ou seja, estamos aqui reunidos como religiosos e religiosas não por causa do tema da religião, mas porque temos o entendimento de que a nossa experiência religiosa tem consequência direta no mecanismo da sociedade e na forma como ela pode ser mais justa. E a busca por justiça social é um princípio ético.
IHU On-Line – Num evento paralelo, o CMI aborda o tema “Envolvimentos éticos da sustentabilidade: perspectivas religiosas e educativas”. O que essa temática irá de fato abordar?
Marcelo Schneider – Uma das coisas que irá acontecer nessa atividade é trazer visibilidade para situações de povos vulneráveis que são as primeiras vítimas das mudanças climáticas. Existe uma perspectiva ética no campo da justiça climática, que é o exemplo de comunidades de países do Pacífico cujo território está desaparecendo pelo aumento do nível dos oceanos. Uma abordagem ética disso seria exigir dos países ricos, responsáveis pelos maiores índices de poluição, que, além de parar de poluir, compensassem financeiramente esses países, cuja população está sendo a primeira vítima das mudanças climáticas em geral.
Água
São várias as abordagens que estão sendo tratadas na Rio+20. O mesmo tema terá diferentes desdobramentos. Existe um grupo aqui presente, inclusive, através do Conselho Mundial de Igrejas, que abordou o tema da água, que se chama Rede Ecumênica da Água. Esse é o programa que está sob o guarda-chuva do CMI. Mas existem outras expressões religiosas que estão trazendo para cá o tema da água, ligada com a espiritualidade, fazendo essa ponte de que a água é fonte de vida e se a vida provém de Deus, a água seria uma das ligações com o transcendente, por isso mesmo teria um caráter sagrado.
IHU On-Line – De que maneira o ecumenismo está sendo tratado na Conferência?
Marcelo Schneider – Existem duas esferas de relações religiosas na Rio+20. A primeira delas é ecumênica, que é entre as igrejas cristãs, que estão cooperando em diferentes organismos e espaços, que trouxeram suas experiências para cá; a outra é do diálogo e da cooperação inter-religiosa. Creio que, aqui, nesses dias, existem novas redes se formando; têm grupos que nunca trabalharam juntos e, graças ao nosso esforço, estão se colocando lado a lado, na mesma mesa de debate e propondo alternativas em conjunto. Existem esferas de grupos étnicos e religiosos que nunca tiveram contato uns com os outros e que se descobriram aqui como defensores de uma causa comum. Por exemplo, a questão do direito à terra não é apenas uma agenda dos protestantes que apoiam financeiramente projetos sociais. Ela também é uma questão muito presente para as religiões de terreiros, os povos de candomblé, por exemplo, que entendem que a questão da terra deve ser tratada com urgência, além dos povos quilombolas, que também veem a questão do acesso e do direito à propriedade da terra como questão fundamental. Ou seja, essa é uma questão comum para os três grupos que, até então, conversavam muito pouco e que aqui descobrem novas plataformas de cooperação; três grupos que normalmente não se encontrariam para falar encontraram, nessa articulação, um espaço e uma possibilidade de construir e reforçar agendas comuns.
IHU On-Line – “O futuro que queremos” é o título do documento final de Rio+20. Nesse sentido, qual o futuro que o CMI busca para as religiões do mundo?
Marcelo Schneider – Um futuro em que os direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e religiosos sejam respeitados; em que os pobres sejam prioridade; em que o planeta seja habitado de forma responsável e no qual a humanidade seja comprometida com a solidariedade.
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Conselho Mundial de Igrejas na Rio+20: luta por direitos sociais, ambientais e religiosos. Entrevista especial com Marcelo Schneider - Instituto Humanitas Unisinos - IHU