06 Março 2011
“A indústria não está perdendo espaço na economia porque outros setores estão crescendo e, sim, porque ela está encolhendo, crescendo muito menos em comparação ao passado”, constata o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Para ele, o crescimento expressivo da economia brasileira no último ano não reflete o desempenho do setor industrial, que fechou 2010 com um “déficit estrondoso”.
Em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone, ele lembra que nos últimos três anos a indústria vem perdendo participação no PIB e é enfático: “Em 2008, houve um déficit de aproximadamente sete bilhões, o saldo da balança comercial da indústria de transformação aumentou, em 2009, para cerca de oito bilhões de dólares e chegou em 2010 com 34,7 bilhões de dólares negativos, um déficit gigantesco, que não tem precedentes na história recente do país”.
Na avaliação do economista, o que irá determinar a retomada do crescimento da indústria é a capacidade de competição. “As empresas precisam investir em tecnologias, diminuir custos, aumentar a produtividade”.
Apesar das críticas da indústria ao principal parceiro econômico do Brasil, Rogério César de Souza destaca que o país não pode abrir mão da parceria estabelecida com a China, mas deve adotar uma política preventiva nas negociações comerciais. “A relação do Brasil com a China não deve ser vista como um problema; temos de pensar em soluções internas para elevar os níveis de competitividade”.
Rogério César de Souza é graduado em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e doutor em Economia de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente é docente na PUC-SP e na FGV-SP.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Por que o crescimento de 10,5% da produção industrial brasileira em 2010 mais esconde do que revela o que, de fato, ocorreu com a indústria? Qual é a atual situação da indústria brasileira?
Rogério César de Souza – Em primeiro lugar, porque a data de comparação é 2009, ano em que a indústria caiu 7,4%, ou seja, teve nível baixo de produção. A indústria sofreu bastante com a crise internacional e o ano de 2009 foi marcado por isso. Em segundo lugar, o desempenho industrial em 2010 não foi bom: de abril a dezembro, o desempenho da indústria foi muito ruim. Nesses nove meses houve uma queda da produção industrial de 2,7%, e, em dezembro, a produção industrial fechou o ano com uma queda de 2,7% em relação a março daquele mesmo ano. A base de comparação deixa claro que o desempenho recente da indústria, nos últimos nove meses de 2010, está bem aquém do que na economia como um todo.
IHU On-Line – A economia nacional está desacelerando? Está em curso um processo de desindustrialização no país?
Rogério César de Souza – Primeiro, é preciso definir bem o que significa a desindustrialização. Do ponto de vista da perda de participação da indústria no PIB, diria que está ocorrendo, sim, uma desindustrialização relativa. Nos anos 1980, a indústria, em média, representava 27% do PIB, hoje está em torno de 16%; há uma queda muito rápida em pouco tempo.
Nos países desenvolvidos, a indústria também vem perdendo participação, mas a diferença é que esse processo ocorre em um momento em que eles estão com níveis de renda per capita bastante altos. Então, quer dizer, na medida em que esses países desenvolvidos aumentam sua renda per capita, as pessoas têm mais dinheiro para consumir com serviços como cortes de cabelo, restaurantes, turismo. Consequentemente, o setor de serviços cresce, ganha um vulto maior na economia em detrimento da participação da indústria. No Brasil, a renda per capita é muito inferior a desses países, duas, três, quatro vezes menor. Então, não há justificativa para o aumento do setor de serviços na mesma magnitude em que ocorre nos países desenvolvidos.
A indústria está desacelerando e isso terá implicações para o crescimento do PIB deste ano. Estão estimando um crescimento de 4,5% do PIB, mas acredito que, a partir dos últimos dados, estas estimativas podem ser reduzidas.
IHU On-Line – Quais são as principais causas da perda de fôlego da indústria?
Rogério César de Souza – A indústria não está perdendo espaço na economia porque outros setores estão crescendo e, sim, porque ela está encolhendo, crescendo muito menos em comparação ao passado. Desse ponto de vista, há uma desaceleração relativa.
O ano de 2010 será lembrado por marcar um déficit estrondoso, um déficit na balança comercial da indústria de manufaturados e da indústria de transformação. Em 2008, houve um déficit de aproximadamente sete bilhões, o saldo da balança comercial da indústria de transformação aumentou, em 2009, para cerca de oito bilhões de dólares e chegou em 2010 com 34,7 bilhões de dólares negativos, um déficit gigantesco, que não tem precedentes na história recente do país. Esses dados mostram que a indústria está perdendo competitividade.
É verdade que, quando um país cresce, as importações também aumentam para complementar a oferta nacional, mas a enxurrada de importações no mercado brasileiro já está tomando lugar da produção nacional, ameaçando-a. Já ouvi comentários de empresas que estão enfrentando dificuldades em função das importações excessivas. Provavelmente, se o cenário continuar assim, o que ainda é uma ameaça poderá se tornar uma realidade, ou seja, a indústria poderá deixar de produzir.
O que irá determinar o desempenho da indústria é a competitividade. Ela está menos competitiva porque há carências de infraestrutura, uma carga tributária alta, custo do capital elevado, câmbio valorizado.
O governo já tem tomado medidas para minimizar a entrada de capitais especulativos, os quais valorizam o real. São medidas a curto prazo, mas o Banco Central tem bastante competência para decidir quais instrumentos podem inibir a entrada de capitais. Entretanto, o governo poderia afetar as suas contas, criando uma folga fiscal. Isso poderia possibilitar maior competitividade para a indústria. Com o anúncio do corte no orçamento, o governo sinaliza que fará a sua parte para diminuir a taxa de juros, o que irá refletir no câmbio e, finalmente, melhorar a expectativa para a indústria nacional.
IHU On-Line – Alguns afirmam que a China está prejudicando a produção nacional. É um fato?
Rogério César de Souza – É verdade. Por isso, reitero: temos de favorecer a competitividade brasileira. As empresas brasileiras precisam investir em tecnologias, diminuir custos, aumentar a produtividade da indústria. Essas medidas podem favorecer uma indústria competitiva também no cenário internacional.
O Brasil não pode abrir mão da China porque ela se tornou um dos principais parceiros comerciais do país. Entretanto, os produtos chineses não podem ser comercializados no Brasil com preços mais baixos do que o próprio custo. De qualquer modo, a relação do Brasil com a China não deve ser vista como um problema; temos de pensar em soluções internas para elevar os níveis de competitividade.
IHU On-Line – O desaquecimento da indústria já atinge a contratação de trabalhadores ou o balanço ainda é positivo?
Rogério César de Souza – No ano de 2010, o balanço foi positivo. Entretanto, os dados do IBGE mostram que o emprego industrial está estagnado. Nos últimos meses, inclusive, a variação foi zero. Esse é um reflexo do que está acontecendo com a produção industrial.
A indústria também não recuperou níveis de emprego após a crise, ou seja, ela não está acompanhando a expectativa de crescimento. Enquanto isso, quem usufrui do bom momento econômico é o setor de serviços.
IHU On-Line – O governo tem dado respostas ao risco de desindustrialização? Há uma política nacional para a indústria?
Rogério César de Souza – Sim. O governo está sensível a essas questões da indústria, tem se mostrado preocupado com o que vem ocorrendo no setor industrial, seja em termos internos do nível de produção, seja na questão externa em relação ao déficit de 2010. No início de 2008, o governo lançou uma Política de Desenvolvimento Industrial (PDP). Vale lembra que a PDP é uma política industrial que o país não via há anos, a qual será aprimorada.
Penso que pode haver nesse novo governo uma interação muito maior entre os ministérios e o BNDES, para estabelecer uma nova política industrial, consciente dos problemas que a indústria está vivendo agora.
Além do mais, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, se manifestou no sentido de favorecer as exportações. Acredito que, em breve, serão anunciadas medidas que poderão reverter o atual cenário negativo da indústria.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a política do BNDES de financiar e fortalecer grupos privados nacionais, os chamados ‘gigantes nacionais’?
Rogério César de Souza – Essa é uma questão controversa, mas muitos países aderem a esses investimentos. O BNDES não está fazendo nada diferente das outras economias. O que tem de ficar claro é a transparência das decisões. O BNDES tem um corpo qualificado. Então, é de se imaginar que nessas avaliações eles buscam identificar não só os setores que podem contribuir para puxar várias cadeias produtivas, mas levam em consideração as questões regionais.